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A-24

Sobre a Coreia do Norte

por A-24, em 07.10.10
Uma vez escuteiro, sempre escuteiro. Se este lema é para levar à letra, os escuteiros lusófonos de Macau têm ainda entre os seus membros dois netos de Kim Jong-il, o ditador norte-coreano que mantém todos os países da região à beira de um ataque de nervos, com constantes ameaças bélicas e nucleares contra os seus inimigos, sejam eles reais ou imaginários.
Os dois miúdos são filhos de Kim Jong-nam, que por sua vez é o filho mais velho do homem a quem apelidam na Coreia do Norte, oficialmente, "Querido Líder". O rapaz chama-se Kim Han-sol, tem 14 anos e entrou para os escuteiros lusófonos, como lobito, no ano lectivo de 2003/2004. A irmã, Kim Sol-hei, de 10 anos, ingressou na mesma associação uns meses mais tarde, quando perfez a idade mínima de 6 anos. A sua participação nas actividades dos escuteiros lusófonos de Macau manteve-se sem grandes interrupções até ao ano passado, altura em que deixaram de aparecer, sem que a mãe tivesse informado que iriam ausentar-se.
O afastamento de ambos dos escuteiros lusófonos coincidiu com a publicação na imprensa de Hong Kong e do Japão de notícias detalhadas sobre a vida de Kim Jong-nam em Macau, quando estava ainda por resolver o imbróglio do Banco Delta Ásia. As contas de empresas norte-coreanas neste banco estavam congeladas, a pedido do governo dos Estados Unidos, o que era suficiente para originar todo o tipo de especulações sobre as razões da presença de Kim Jong-nam em Macau.
Julga-se que a família terá então preferido resguardar-se da curiosidade dos media, deixando de estar tanto tempo no território e passando mais longas temporadas em Pequim. Recentemente, no entanto, a imprensa regional disse que Kim Han-sol foi visto na Arena do Venetian, com amigos de escolas internacionais de Macau e Hong Kong, a assistir a um concerto do cantor sul-coreano Rain, o que faz supor que a família continue estabelecida em Macau ou, pelo menos, a visitar o território com alguma frequência.
Ambiente descontraído
É aqui, com grande regularidade, que a imprensa regional - especialmente a japonesa - consegue descobrir e entrevistar Kim Jong-nam sobre as questões da sucessão na Coreia do Norte. Mas as últimas informações davam-no na Tailândia, a passar umas férias, provavelmente para fugir à constante perseguição que os jornalistas lhe movem. Alguns jornais garantem que pediu, entretanto, asilo político em Macau e que esteve quase para ser aqui alvo de uma tentativa de homicídio. Kim Jong-nam nega, no entanto, que esteja em conflito com o regime de Pyongyang e afirma-se mesmo desinteressado da política. Ao que parece, só quer viver a sua vida em paz.
O académico sul-coreano Han Suk-hee, especialista da Universidade de Yonsei nas relações entre a Coreia do Norte e a China, afirmou recentemente ao jornalChosun Ilbo que Kim Jong-nam tem três apartamentos de luxo em Macau e que "quem os conhece percebe que ele não está interessado em suceder ao seu pai", alusão a um estilo de vida ocidentalizado não compatível com o rigor ideológico do regime de Pyongyang. Um desses apartamentos fica nas imediações do Clube Militar. Era para lá que seguiam, muitas vezes, os filhos de Kim Jong-nam quando acabavam as suas actividades como escuteiros lusófonos. Sempre com a mãe e sem guarda-costas.
Mas o que fez os filhos de Kim Jong-nam, netos de Kim Jong-il, ingressarem nos escuteiros lusófonos? Segundo pessoas que falavam com a mãe quando lá os levava, foi "a preocupação em proporcionar-lhes um ambiente descontraído, onde pudessem aprender e crescer ao lado de outros miúdos, praticando actividades saudáveis".
A sugestão terá sido apresentada à mãe, Lee Hye Kyung, por uma amiga inglesa cujo filho frequentava a mesma escola internacional que os netos de Kim Jong-il. "Às vezes chegavam juntas de táxi, mas a maioria das vezes a mãe vinha sozinha com os dois miúdos, de táxi ou de autocarro", disse ao jornal Ponto Final fonte que não quis identificar-se. Notava-se a preocupação de se comportarem como uma família normal, bem integrada no grupo.
Lee Hye Kyung, que também usa o nome Chang Kil Sun, é uma mulher bela, que fez carreira como bailarina e chegou a representar a Trupe de Artes Performativas de Chosun, a mais prestigiada na Coreia do Norte. Quando levava os filhos aos escuteiros esperava por lá que as actividades terminassem, adoptando sempre uma atitude muito reservada. Raramente se fez acompanhar por outros adultos; nas poucas vezes que o fez, apresentou-os como tios das crianças. Havia quem suspeitasse que fossem guarda-costas, mas isso foi só quando começaram a surgir rumores de que os miúdos pertenceriam à primeira família da Coreia do Norte, depois de se saber da presença habitual de Kim Jong-nam em Macau.
A mãe dos miúdos mantinha uma atitude de vigilância constante em relação à filha, por ser a mais nova. Enquanto esperava por ela, fazia conversa de circunstância com alguns dos outros pais, sobre trivialidades da terra. Nunca lhe ouviram um comentário sobre questões políticas. Tal como os filhos, falava em bom inglês. Embora não ostentasse grandes sinais exteriores de riqueza, apresentava-se sempre elegantemente vestida, embora sem os excessos de luxo denunciados pela imprensa sul-coreana.
Os miúdos, que raramente apareciam sem uma consola de jogos ou umgadget que estivesse mais na moda, integraram-se muito bem nos respectivos grupos - ela, lobito, ele já explorador -, revelando óptima comunicação com os colegas. "O rapaz, então, era especialmente extrovertido", conta um dos encarregados de educação.
Os escuteiros lusófonos tudo fizeram para que a sua integração fosse fácil. "Eram muito bem tratados por todos e tenho a certeza de que sofreram uma boa influência desta sua passagem pelos escuteiros", garante uma fonte do grupo. "Mesmo não sendo católicos, iam à missa porque todos os outros escuteiros iam. Foram daqui com os valores do escutismo bem assimilados."
Nelson António, coordenador do Grupo de Escuteiros Lusófonos de Macau - única associação juvenil portuguesa existente em Macau, criada em 1997 -, não quis comentar a passagem dos netos de Kim Jong-il pelo agrupamento, invocando razões de "respeito pela privacidade" dos seus membros. Mas nem por isso deixou de se referir aos valores do escutismo: "São basicamente os valores da cidadania. O respeito pelos outros. O respeito pela Natureza. A interacção entre os miúdos e entre estes e a Natureza. Actividades ao ar livre - essa é a nossa principal insistência", explicou. "Para que não fiquem horas a fio em casa, à frente dos computadores."
Como todos os seus colegas, Kim Han-sol e Kim Sol-hei participaram nas Festas da Lusofonia, onde o rapaz foi visto a cantar As meninas da ribeira do Sado, vestido com capote alentejano. Só não participaram nas cerimónias do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, incluindo o içar da bandeira no Consulado-Geral de Portugal e a romagem à Gruta de Camões, porque 10 de Junho não é feriado em Macau e havia aulas na escola internacional que frequentavam.
Fora isso, apenas não estiveram em todas as outras actividades dos escuteiros lusófonos por se ausentarem frequentemente de Macau. "As ausências mais prolongadas eram quando iam passar férias à Rússia", onde vivia e acabou por falecer, de doença prolongada, a mãe de Kim 
Jong-nam, a ex-actriz Sung Hye Rim.
Da última vez, despediram-se como sempre com a indicação de que voltariam em breve. Mas estão ainda por reaparecer, apesar de os seus movimentos em Macau continuarem a ser regularmente noticiados pela imprensa da região. "Deixámos de vê-los há mais de um ano", refere um dos pais.
Jornalista do Ponto Final

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