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A-24

Rescaldo das autárquicas: os cinco desafios do Bloco

por A-24, em 11.10.13
Pedro Correia

1. O Bloco de Esquerda transforma cada declaração política num juízo de carácter sobre quem comunga de convicções opostas às suas, passando por sistema atestados de impureza ética aos adversários políticos. Os seus responsáveis exigem, a todo o momento, demissões pelos mais diversos motivos. Esta ética da responsabilidade, curiosamente, detém-se à porta da sede nacional do Bloco. Porque o BE pode falhar todos os objectivos e perder todas as eleições sem haver uma demissão nos seus órgãos decisórios. Uma duplicidade ainda mais difícil de entender após estas autárquicas, em que o Bloco perde 43 mil votos, recua de 3% para 2,5% em média nacional, deixa fugir a única câmara de que dispunha e não consegue eleger um vereador em qualquer cidade de grande ou média dimensão. Apesar do ruído mediático que ainda provocam, os bloquistas -- com apenas cerca de seis mil militantes e uma notória escassez de quadros partidários -- parecem condenados à irrelevância política. É inevitável uma revisão global de procedimentos, para assumir erros e corrigir a rota. Desde logo porque a ética da responsabilidade não pode ser só para os outros: há que começar em ca(u)sa própria.


Primeiro desafio: como aumentar militantes e reforçar quadros para evitar novas derrotas?

2. Paira no BE um sentimento de orfandade. O seu fundador e líder histórico, Francisco Louçã, era uma personalidade carismática que falava muito para além das fronteiras partidárias e até do reduto ideológico dos bloquistas. Louçã conseguiu operar uma espécie de milagre: fazer surgir um movimento unitário das cinzas da decrépita extrema-esquerda portuguesa. Com a sua partida voluntária, há pouco mais de um ano, vieram novamente à tona os antigos tiques e vícios estruturais das pequenas facções que constituem o Bloco e que de alguma forma desmentem o próprio nome do partido constituído em 1999 com uma agenda política inovadora em matéria de costumes e tendências sociais, logo vampirizada pelo PS de José Sócrates. Esgotada essa agenda, o Bloco não pode voltar a ser dominado pelas velhas facções extremistas da década de 70, sob pena de se descaracterizar por completo e até desaparecer.

Segundo desafio: como retomar o carácter unitário do Bloco, superando guerras de facções?

3. Os sinais de modernidade que os bloquistas trouxeram à política portuguesa parecem esgotados. E alguns são manifestamente inadequados. Talvez nenhum tenha sido tão prematuro e desajustado como a liderança bicéfala instalada no partido desde a partida de Louçã. Na tentativa apressada de superar as restantes forças partidárias em demonstrações de igualdade de género, o BE copiou o modelo adoptado pelos Verdes alemães e pelo Partido de Esquerda fundado em França por Jean-Luc Mélenchon, sem reflectir bem nas limitações e nos inconvenientes desta bicefalia. Que manifestamente não resulta, por mais vibrantes que sejam as intervenções públicas de Catarina Martins e por mais experiente e respeitável que seja João Semedo, ex-membro do Comité Central do PCP que abandonou as fileiras comunistas em nome dos valores da cidadania e da liberdade de consciência. E não resulta porque dispersa a mensagem, induz uma ideia de fragmentação na opinião pública e prejudica a identificação dos portugueses com o projecto bloquista. Além do mais, para que precisará o mais pequeno partido português de dois líderes?

Terceiro desafio: deve ser abandonada a actual liderança bicéfala?

4. A dada altura, o Bloco de Esquerda parecia ser um sério concorrente do PCP. Sobrava-lhe no entanto em novidade mediática o que lhe faltava em enraizamento social. Nisto, os bloquistas são incapazes de se bater com os comunistas, há décadas com forte implantação na sociedade portuguesa, particularmente na vida autárquica e no mundo do trabalho. Sem representantes nos órgãos do poder local, com uma presença irrisória no movimento sindical, o BE tem-se limitado praticamente a replicar o discurso de protesto característico dos comunistas, parecendo querer ultrapassar o PCP em radicalismo -- o que ficou bem patente na moção de censura apresentada ao governo Sócrates logo após a candidatura presidencial "unitária" de Manuel Alegre e a intransigente recusa em conferenciar com os representantes da tróica em Portugal. Havendo original, tornam-se dispensáveis as cópias.

Quarto desafio: como superar eleitoralmente o PCP?

5. O BE só revelará utilidade, à esquerda, se tiver ambições de governo. Ou seja, se estiver receptivo a uma futura coligação com o PS, único partido português com hipótese de constituir alternativa à actual maioria governamental. Se imitam os Verdes alemães na liderança bicéfala, por maioria de razão também devem imitá-los nesta matéria: os ecologistas atingiram a maioridade política em Berlim ao aceitarem coligar-se em 1998 com o chanceler social-democrata Gerhard Schroeder. Uma bem sucedida coligação que durou sete anos, consolidou os Verdes como partido de âmbito nacional e levou o seu líder, Joschka Fischer, ao cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros.

Quinto desafio: haverá alguém no Bloco disposto a ser o Joschka Fischer português?

O livro negro da Suécia

por A-24, em 06.10.13
As recentes revelações sobre o registo de ciganos na polícia levanta o véu sobre as perseguições que sofreram e as discriminações atuais. Põem em questão o modelo sueco de integração e a imagem que os suecos têm do seu país.

Rakel Chukri


Em janeiro de 2011, o ministro [sueco] da Integração, Erik Ullenhag,decidiu publicar um “Livro Branco” sobre “atentados e agressões contra os ciganos, na Suécia, no século XX”.

Durante a apresentação, Erik Ullenhag não esteve com rodeios: “Ao longo da história, os ciganos foram vítimas de agressões inaceitáveis, tais como a esterilização forçada e a privação do direito à educação para as crianças. Se quisermos avançar, é importante pôr um ponto final nisso e o Estado reconhecer as injustiças cometidas”.

Sinceramente, o que sabem os suecos dessas injustiças? Qual é o nível de conhecimento da opinião pública sobre este assunto?

Não melhora pensar que as informações sobre o assunto são escassas. Acrescente-se a isso que os preconceitos – e o ressentimento – contra os ciganos se espalharam assustadoramente em toda a Europa. Em países como a Hungria, milícias de cidadãos assassinaram ciganos, perante a indiferença da polícia. Noutros países, os ciganos são vítimas de uma discriminação virulenta em termos de mercado de trabalho e de aquisição imobiliária.
Registo de crianças de dois anos

É neste contexto que temos de analisar as revelações do jornal Dagens Nyheter sobre os registos da polícia sobre os ciganos, na Suécia. Mais uma vez, um grupo vulnerável volta a sentir a desconsideração de que é vítima.

É difícil imaginar uma explicação plausível para o registo na polícia de crianças de dois anos. A não ser que a polícia sueca queira ver o pecado original estampado na lei! Nesse caso, o delito surgiria quando? Quando os pais utilizaram um nome de família ao acaso? Erik Ullenhag parece ter boas razões para adiar a publicação do seu “Livro Branco”...
Nos últimos anos, foram publicados poucos livros, mas particularmente incisivos, sobre os capítulos mais sombrios da história da Suécia

Nos últimos anos, foram publicados poucos livros, mas particularmente incisivos, sobre os capítulos mais sombrios da história da Suécia. Para lá da crueldade das histórias que contam, os seus autores têm em comum revelar uma sociedade que prefere evitar complicar as coisas para o seu país. Porque a verdade é que um país pode avançar pelo caminho certo e pelo errado ao mesmo tempo. Ou, nas palavras da escritora Lawen Mohtadi, em entrevista ao Sydsvenskan: “O modelo sueco estava em ascensão, assestado à igualdade. E ao mesmo tempo, fazia-se isto”.

Por “isto”, Mohtadi Lawen subentende o tratamento dado aos ciganos. Subentende a Comissão de Inquérito sobre a Vadiagem, que descrevia os ciganos como uma ameaça, em 1923. Subentende o facto de os ciganos terem sido impedidos de entrar em solo sueco de 1914 a 1954. Os ciganos que sobreviveram à Segunda Guerra Mundial não puderam, pois, entrar neste país.
A Suécia e o “censo de vadios”

Em 1943, a Suécia realizou um “censo de vadios”. Lawen Mohtadi retrata-o deste modo: “No meio do fogo da Segunda Guerra Mundial, com os ciganos a serem enviados aos milhares para os campos de extermínio nazis de toda a Europa, os ciganos da Suécia receberam a visita de polícias fardados, a pedir-lhes para indicar a sua etnia e a dos pais, e para fornecerem uma série de informações pessoais e íntimas”.

Quem quiser saber mais sobre o tratamento dado aos ciganos na Suécia, pode ler também o relatório público “A casa de vidro amarelo e azul”, publicado em 2005. Constata, nomeadamente, que a pena de morte foi introduzida em 1637, para “boémios e ciganos [do sexo masculino] que não saíram do país”.

A Suécia de 2013 não pode ser comparada, naturalmente, com a Suécia do século XVII. Também não temos equivalente para a “biologia das raças”, que estava em voga no país no início do século passado. Mas não podemos igualmente agir como se estes capítulos nunca tivessem sido escritos, sob pena de nunca sermos capazes de analisar e combater o racismo contra os ciganos que existe hoje. Precisamos que a polícia e as autoridades entendam isso. É a condição para a confiança no Estado de Direito.

Sociedades pobres e sociedades ricas - O que faz a diferença

por A-24, em 04.10.13
Ludwig Von Mises

Que diferença há entre EUA e Índia? Será que a população indiana é mais pobre porque trabalha menos? Não. Na Índia, trabalha-se até mais do que nos EUA. Será que um indiano -- ou um egípcio ou um mexicano ou um haitiano -- possui menos conhecimento tecnológico que um americano ou um suíço? Não, o conhecimento está hoje disperso pelo mundo e tende a ser o mesmo. Com efeito, os técnicos indianos são reconhecidos como uns dos melhores do mundo. Então, por que há pessoas desnutridas e morrendo de inanição em Calcutá mas não em Zurique ou em San Francisco?


A diferença entre uma nação rica e uma nação pobre pode ser explicada exclusivamente por um único fator: a nação rica possui uma quantia muito maior de bens de capital do que uma nação pobre. 

Ao passo que na Índia um agricultor cultiva sua terra com duas vacas e um arado, nos EUA, um agricultor utiliza um trator e um computador. E, com esses bens de capital, ele é múltiplas vezes mais produtivo que seu congênere indiano. O americano seria o Robinson Crusoé rico, que possui uma rede e uma vara de pescar; o indiano seria o Robinson Crusoé pobre, que utiliza as próprias mãos para colher alimentos. Quando um indivíduo tem de utilizar apenas o trabalho de suas mãos, e o produto que ele produz é utilizado imediatamente para seu consumo final, ele é pobre. Quando este mesmo indivíduo passa a utilizar bens de capital, como tratores, computadores e vários tipos de máquinas -- os quais só puderam ser construídos graças à poupança e ao subsequente investimento de outras pessoas --, ele pode multiplicar acentuadamente sua produtividade e, consequentemente, ser muito mais rico.

Economia paralela subiu para 26,7% do PIB e representa mais de metade do empréstimo da troika

por A-24, em 03.10.13
Público

O índice da economia paralela subiu 4% em 2012, passando de 25,49% em 2011 para 26,74% em 2012, revelou esta quarta-feira Óscar Afonso, vice-presidente do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (Obejef), da Faculdade de Economia do Porto.

Em termos absolutos, o aumento foi menor, da ordem dos 2%, para 44.100 milhões de euros, devido à queda de volume do produto interno bruto (PIB), que caiu 3,2% em 2012.


A economia não registada, outra das designações para definir toda a parte da economia que, por diversas razões, não é avaliada pela contabilidade nacional, ou seja, não paga impostos, ascende a mais de metade da ajuda externa da troika.
O aumento de cerca de mil milhões de euros registado entre 2011 e 2012 daria para pagar um mês de salários na função pública e ainda sobravam 200 milhões de euros.
Segundo cálculos do Obejef, sem economia paralela, o PIB nacional teria ascendido a 209 mil milhões de euros em 2012. Sem economia não registada e aplicando uma taxa de imposto de 20% a essas actividades, o défice público seria negativo em 1,7%, e em percentagem do PIB o valor ainda seria negativo, mas de apenas 0,85%.
O índice da Faculdade de Economia, o único calculado a nível nacional, inclui produção ilegal, produção oculta (subdeclarada ou subterrânea), produção informal, produção para uso próprio (autoconsumo) e produção subcoberta por deficiências da estatística. Por sectores, a maior peso da economia paralela verifica-se no comércio e serviços, segue-se a indústria e depois a agricultura.
As principais causas para a economia não registada é a carga fiscal, onde se inclui os impostos directos e as contribuições para a Segurança Social, a carga de regulação, onde se inclui o consumo do Estado, e a evolução do mercado de trabalho/desemprego.
Para o combate à economia paralela, o Obejef reafirma as sugestões de outros anos, com a necessidade de maior transparência na gestão de recursos públicos, edução da sociedade civil, justiça rápida e eficaz, combate à fraude empresarial, combate à utilização abusiva de convenções de dupla tributação. Inclui ainda o incentivo à utilização de meios electrónicos e combate ao branqueamento de capitais.
Desde 1970, o peso da economia paralela passou de 9,3% para 26,74% em 2012. A média dos países da OCDE, em 2010, era de 16,5%.

Palavras certas

por A-24, em 02.10.13
 João Vaz

Como o Expresso anda a oferecer uns livrinhos sobre conflitos da história de Portugal, ontem lá comprei o inenarrável semanário. E, de facto, aquilo é mesmo uma referência. Provavelmente, é o único semanário do mundo que se consegue ler em doze, quinze minutos. Ontem, moveu-me outra curiosidade (embora já satisfeita á partida): em semana de morte de dois nomes grandes da cultura qual seria a diferença de tratamento? a esperada, pois claro. António Ramos Rosa, poeta querido das esquerdas, poeta com valor mas nem de perto de nem longe o maior da segunda metade do século XX, teve direito a quatro páginas no suplemento Actual. António José de Brito, filósofo, um dos grandes especialistas em Hegel e em filosofia política deste país, um dos pensadores mais originais da segunda metade do século XX teve direito a meia dúzia de palavras na secção de obituários, para ser referido como "fascista". É assim a cultura deste país. É assim a cultura do jornal de referência dos Mexias, Ferreirinhas, Lisboas e outros vultuzinhos da nossa gloriosa pátria tomada de assalto por falta de comparência nossa.


Somos do tempo do silêncio

por A-24, em 02.10.13
João Vaz

Por isso não somos ouvidos. Porque vivemos no mundo do ruído. Um ruído que tem a sua expressão talvez mais vergonhosa nos minutos de silêncio protagonizados nos campos e recintos desportivos e que são tudo menos silenciosos, substituídos pela estupidez dos aplausos, como se os mortos fossem artistas de circo ou actores de uma comédia qualquer.

Somos do tempo do silêncio e não nos adaptamos a este mundo de ruído, a este mundo onde a falsidade fala mais alto e passa, assim, por verdade. Um mundo onde os próprios detentores daquela se submetem, se subjugam, se dispõem a falar o mais alto que lhes for possível, como se nesse aumento decibélico existisse correspondente acrescento de conteúdo.

Somos do tempo do silêncio e da vergonha. Por isso deixamos que os outros controlem os destinos como se fossem donos das certezas, das vontades, das maiorias. Porque reconhecemos o valor da contemplação, porque há em nós o pudor da verdade que não se prostitui entre a multidão e não precisa do megafone para se fazer ouvir.

Somos do tempo do silêncio, ao qual os nossos dias são alérgicos, ao qual os nossos dias abominam. Mas os nossos dias passarão e o silêncio, esse, permanecerá, como Pascal tão bem sabia. Não para nos aterrorizar, mas para nos receber na sua eternidade luminosa.

Rescaldo das Eleições Autárquicas

por A-24, em 01.10.13
O Insurgente

PSD perde. Não por penalização esmagadora da sua política a nível nacional, mas por uma gestão descuidada de processos como Porto, Gaia, Sintra, entre outras. Mais: onde perdeu 7 (sete!) câmaras foi na despesista Madeira - o que penaliza a política despesista de Jardim e reforça a política de austeridade de Passos Coelho.


PP triplica o seu número de câmaras. Ponte de Lima mantém-se (passa de 6-1 para 5-1-1, com o último vereador para o “independente”, que há 4 anos concorreu pelo PSD), conquista Vela (3-1-1, nos Açores) e Santana (3-2, na Madeira). Além disso, ganhou ainda Vale de Cambra e Albergaria-a-Velha e lançou Abel Baptista para Monção passa de PS 6 – PSD 1 para PS 3 – PSD 3 – PP 1, tornando-se o fiel da balança no concelho.

PS de Seguro perde 4 sedes distritais: Beja (CDU), Évora (CDU), Guarda (PSD) e Braga(PSD). Além disso vê Costa ganhar Lisboa com um resultado histórico – uma catástrofe para Seguro. Aproveita alguns deslizes (como Coimbra e VN Gaia), mas não consegue sequer ganhar o Porto, onde já foi poder e depois de ter 6, 5 e 5 vereadores, fica com 3.

CDU conquista Beja e Évora. Desta vez, CDU é mesmo uma das vencedoras da noite. Eu sei que o discurso de Jerónimo é indistinguível de umas eleições para as outras, mas desta vez…
BE teve uma noite catastrófica. Depois do desastre nas legislativas, perde a única câmara que tinha. Nem a coligações foi chamado. Muito mau mesmo.

E depois do adeus das autárquicas?

por A-24, em 01.10.13
E depois do adeus dos tesourinhos das autárquicas (demora sempre mais do que o (im)previsto; os cartazes deixam-se ficar até serem rasgados pelo vento e perderem a cor) e dos resultados eleitorais de domingo, nada efectivamente se altera. Os protagonistas, os mesmos de sempre ou outros parecidos, nada poderão fazer para alterar o alinhamento político e financeiro desfavorável - a crise continuará e os juros da dívida resistirão nessa fasquia dos 7% -, mais coisa menos coisa. Uma nova configuração autárquica não altera as regras do jugo das leis da troika. Mas será que isso é motivo para não votar? Claro que não - o cidadão deve reclamar a sua quota na participação política. Deve fazer uso dessa prerrogativa consagrada na Constituição da República Portuguesa. E dir-me-ão que tudo isto é muito bonito no papel, mas que na prática o eleitor nacional está metido numa carga de trabalhos, que está metido em sarilhos. E é verdade. O portador de cartão de eleitor tirou a carta, está legalmente habilitado a conduzir o seu destino político, mas não confia no raio dos vendedores de automóveis que lhe querem dar a volta ao juízo e oferecer uma boleia. E não é só ao intelecto que é feito o apelo. A emoção descontrolada é uma força que deve ser levada em conta. Umas lágrimas bem metidas também servem para amolecer os mais duros. Seguro sabe-o, assim como Seara, Costa e companhia. Depois temos aquele clássico que faz parte da antologia política. O tal voto útil ou de protesto. Aquele cartão amarelo para penalizar os que estão no poder e não uma coisa baseada no mérito próprio - o voto entregue a quem de direito porque a proposta alternativa é boa -, muito melhor. E é aqui que reside grande parte do problema. As eleições autárquicas são um gato por lebre da política - irão ser tratadas pelos cidadãos como se fossem eleições legislativas. E depois acontece sempre o oposto mais tarde ou mais cedo. As legislativas servem também para outras encomendas e represálias - como se fossem autárquicas. E Portugal não passa disto, deste descentramento, desta incapacidade de estar no local à hora combinada. O mérito e o demérito político coexistem como um matrimónio feito num oito desde a primeira hora, ordem (Schauble está muito contente com a obra do governo e a população portuguesa quer mandar Passos Coelho às urtigas). 

Ou seja, parece que a pontualidade política e eleitoral é uma impossibilidade - o encontro de corpo e alma entre a vontade e o efectivo, a promessa e a realização. O cidadão vota, mas está com as tripas e o coração noutra liga. O cidadão abstém-se porque ainda tem saudades de um outro tempo (atenção!não disse senhora). O eleitor faz um boneco no boletim porque desejava voltar a ser criança ou não ter nascido. Estão a perceber onde quero chegar? Tenho alguma razão ou não? Enquanto os cidadãos não acertarem as agulhas da sua presença política, vão andar sempre a correr atrás do prejuízo. A corrida eleitoral que os Portugueses devem correr é uma maratona interminável, o que significa que qualquer acto diário tem importância e não pode ser esquecido. Se deixam a criança ser maleducada, está o caldo entornado, e foi isso que aconteceu na infância e na adolescência da democracia em Portugal. O cidadão tem de se deixar de coisas (aquelas tretas que foram eles os responsáveis pelo desastre) e ser político - eleger-se diariamente. É no dia a dia que cada um de nós deve reclamar e participar na construção das comunidades, porque se a lógica for apenas de representatividade ou delegação de poder, mais cedo ou mais tarde a conta será apresentada pelo garçon. Não se pode dar rédea solta ao animal porque este se transforma num monstro, numa dívida política que nunca será paga. E foi algo assim que aconteceu a Portugal. Os juros da dívida politica estão a rebentar com os céus. São um inferno.
In Estado Sentido