Em Turim, em 1969, os operários da Fiat Mirafiori – a maior fábrica da Fiat do mundo inaugurada em 1939 para a guerra por Mussolini – entram em greve. Numa das manifestações, que sai da porta principal de Mirafiori em direcção ao bairro em frente, 40 000 operários juntam-se. De repente, do alto das janelas dos prédios, começam a cair vasos de flores, em direcção à cabeça dos polícias - foi o primeiro sinal que parte do população de Turim estava com os operários.
Hoje a Fiat tem cerca de 10 000 operários em toda a Itália – sobrevive pela Chrysler e o mercado norte e sul americano. Os operários da Fiat estão em casa, trabalham 2 dias por mês, e recebem 80% do salário, pago pelo Estado, ou seja, o Estado subsidia a Fiat.
Tenho esperanças que os discursos vazios, que não dizem nada a não ser que a todo o custo se quer manter o pacto social pela via da renegociação da dívida pública, e um apelo à unidade abstracta (estarão os unitários no cerco ao Parlamento convocado para dia 15? tanto quanto estarão na festa de dia 13?) simplesmente sejam papel vazio quando daqui a 1 ou 2 anos o mesmo acontecer às fábricas de automóveis alemães e os trabalhadores da Europa descobrirem que esta crise foi um paraíso ao pé do que nos espera. O que se viu no Congresso das Alternativas foi que a única alternativa - a revolução – não é desejada e que a única que é desejada – o Pacto social – está morta, havendo por aí ainda uns tipos, por sinal todos com mais de 50 anos, que usufruem do seu cadáver e ainda sabem o que é ter um salário e horário de trabalho, e um pouco mais do que o mínimo para a subsistência.
Um dos motores da indústria europeia - a indústria automóvel alemã – colapsa e a queda tendencial da taxa de lucro (haja ou não consumo, com ou sem subsídios descarados) será irreversível - já a falta de coragem da esquerda veremos.
Estima-se que trabalhem em Lisboa 70 carteiristas profissionais, sendo que 20 deles são estrangeiros. Um texto que revela a linguagem usada pelos carteiristas.
A maior parte não consegue passar despercebida ao olhar dos agentes da Divisão de Segurança dos Transportes Públicos, polícias que dispensam diariamente atenção especial aos comboios suburbanos que servem a capital, à rede do metropolitano e a meia dúzia de carreiras de autocarros e eléctricos.
Foi o olho clínico de um agente de investigação criminal da PSP que, no dia 5, junto a uma paragem da carreira 28, na Avenida Infante D. Henrique permitiu a recaptura de um dos mais antigos “carteiros” da cidade.
“Carteiro”, “choro” ou “chouriço” são apenas três dos nomes dados aos carteiristas, classe de delinquentes que possui um dos mais ricos jargões. Não se sabe se o homem, de 55 anos, que a PSP prendeu no último feriado, estaria ou não a “trabalhar” ou a “praticar golfe”, que é como quem diz, na linguagem dos carteiristas, a furtar.
A verdade é que, mesmo não tendo sido notada a presença do “namorado” (um segundo carteirista que ajuda o companheiro durante os furtos), encontrava-se num dos pontos mais vigiados pela polícia. Quando lhe deram voz de prisão resignou-se. Estava evadido da cadeia desde 2010, altura em que foi condenado a cumprir seis meses de prisão em dias livres (cumpridos apenas aos fins-de-semana).
Para “chouriçar” os “carteiros” procuram as “montadas”. O mesmo quer dizer que para praticarem os melhores furtos os carteiristas tentam actuar nos grandes ajuntamentos (transportes públicos, entradas de monumentos ou edifícios muito movimentados, recintos desportivos).
Uma das zonas de Lisboa mais frequentadas pelos carteiristas é da Sé, um “fatio” (zona boa para roubar” sempre bem composta de “guiros” (turistas).
“Livros”, “chatas” ou “cabedais” são os nomes mais dados às carteiras pelos ladrões. Para se chegar às mesmas existem várias técnicas. Primeiro faz-se o “toque de guizo” – um dos “namorados” dá um encontrão na vítima tentando, despercebidamente, localizar a carteira na respectiva peça de vestuário (no “justo”, se for um casaco, na “lima” ou “mimosa” se se tratar da camisa, nas “justas” se forem as calças).
Localizada a carteira passa-se à fase seguinte. Se estiver num sítio muito protegido a opção mais comum é a do empurrão, do aperto. A vítima é quase prensada (nos transportes) enquanto um “choro”, de “baios”, “drifes”, “bastos” ou “compridos” – nada mais nada menos que os dedos – saca a carteira de modo rápido e imperceptível. Roubada a carteira diz-se, também, ainda na linguagem usada pelos criminosos, que a mesma foi “puchada” (com ch e não com x).
Mas há técnicas mais apuradas, tal como a “sangria”. Se o “cabedal” se encontra no “porão” do “justo” (num bolso lateral de um casaco) e se o “chouriço” tiver “unha na palma”, que é como quem diz habilidade, entra em acção um “chino” (canivete) um bisturi ou até uma tesoura.
O fundo do casaco é cortado (“sangrado”) e a carteira cai direitinha nos “garfos” (nas mãos) de um dos ladrões.
Os carteiristas de Lisboa, que nas décadas de 1960 e 1970 tinha especial predilecção pelas canetas de marca que os homens usavam nos bolsos das camisas (diziam que iam às Rosa Negra – marca de uma camisa cara – quando com o auxílio de um jornal dobrado sacavam habilmente as canetas), socorrem-se muitas vezes das chamadas “muletas”.
A “muleta” não passa de um objecto que serve apenas para ajudar a consumar o furto ou dissimular o objecto furtado. Pode ser um jornal (“folhoso”) uma gabardina ou um chapéu-de-chuva.
Também há carteiristas que escondem o objecto dos furtos nos sovacos. A estes dá-se, com alguma lógica, a alcunha de “sovaqueiros”.
Não se pense, contudo, que os “carteiros” são uma espécie sedentária, que assenta arraiais na zona turística da cidade onde vive e raramente a abandona. Nada disso. A polícia tanto dá com eles nas carreiras 15 e 28 dos eléctricos de Lisboa, como dias depois os localiza nos grandes ajustamentos religiosos. E não é só em Fátima ou nas procissões de algumas cidades nortenhas que no Verão homenageiam a comunidade imigrante que os carteiristas são referenciados. É frequente vê-los noutros santuários (Lourdes, em França) e destinos religiosos (Santiago de Compostela, em Espanha) ou até no Vaticano.Por fim resta acrescentar que a “arte” de roubar carteiras não é um exclusivo dos homens. Em Fátima a polícia identifica com frequência grupos de quatro e cinco mulheres que, mais do que pela fé, são movidas pela gula de “chatas recheadas” (carteiras cheias) que muitas vezes até andam “espontadas”, que é como quem diz colocadas num bolso traseiro (“culatra”) das calças.
No primeiro semestre deste ano a PSP deteve 37 carteiristas só na cidade de Lisboa.
José Manuel García-Margallo comentou o grito pela independência catalã, a que 400 milhões pessoas terão assistido pela televisão em todo o mundo, à entrada de um seminário que tinha como tema a gestão da marca “Espanha”. Aos jornalistas, disse que “não ter a menor dúvida” de que a acção dos adeptos do Barça no domingo “prejudica” a imagem de Espanha no exterior. “Dá uma imagem de divisão interna num momento de convulsão como o que estamos a viver, num momento em que todos os países do mundo competem por uns escassos capitais.”
O que aconteceu em Camp Nou transmitiu “uma imagem de desunião, em vez de uma imagem de esforço compartilhado”, lamentou o chefe da diplomacia espanhola. García-Margallo explicou que “basta passar os olhos pelos jornais estrangeiros para ver que a imagem que têm de Espanha não é boa e que não corresponde à realidade”. E a opinião desses jornais, sublinhou, “influi, por exemplo, nos investimentos e na dívida pública e das empresas espanholas”. A marca “Espanha”, acrescentou, é por isso uma iniciativa “necessária” e “oportuna”.
Artur Mas comparara antes o “clamor espectacular” dos adeptos do Barcelona – que receberam o adversário Real Madrid com gritos de “in, inde, independência” – à manifestação da Diada (ou Dia da Catalunha), no último 11 de Setembro. Foi a 11 de Setembro de 1714 que os catalães perderam a independência para a Espanha. “Mais do que o resultado [do jogo, que ficou empatado], há que destacar este ambiente espectacular e ainda a respirar este país, muito catalão, mas num ambiente muito positivo e educado”, reagiu, citado pelo diário catalão La Vanguardia.
Numa crise aberta com Madrid, Artur Mas convocou eleições antecipadas para 25 de Novembro, que estão a ser encaradas como um referendo à autonomia. Um referendo prometido pelo líder catalão depois da manifestação independentista do passado 11 de Setembro, que juntou centenas de milhares em Barcelona. Publico
Arrastão - 5 de Outubro de 2012. Enfiadas no Pátio da Galé as principais figuras do Estado de um País destroçado celebram, pela primeira vez na história da democracia, a implantação da República, longe do povo. É a imagem de um poder político cercado e isolado.
O Palácio de Belém, ao contrário do que é habitual, foi fechado. O Presidente justificou o encerramento do palácio por razões financeiras. Mas todos sabiam que a razão era outra: medo de um povo em fúria. No dia 5 de Outubro de 2012 o poder político celebrou a sua própria cobardia.
Perdido algures na Europa, o mesmo primeiro-ministro que faltou ao encontro em Roma com os países intervencionados e em dificuldades, comparceu numa irrelevante reunião entre os Estados "amigos da coesão". Um primeiro-ministro sem rumo, sem aliados externos e odiado pelo seu próprio povo.
O Presidente da Câmara, o mesmo que quando a derrota em eleições era provável se esquivou a concorrer à liderança mais do que garantida do Partido Socialista, fez um discurso de oposição. Que teve como principal resultado exibir a absoluta nulidade do líder formal do maior partido da oposição. Uma oposição bloqueada.
Na varanda dos Paços do Concelho, perante uma Praça do Município deserta e guardada, o Presidente hasteava a bandeira nacional ao contrário. A República de pernas para o ar. Apesar de não ter tido, como é evidente, qualquer responsabilidade no lapso, a simbologia daquele momento era impossível de ignorar: um País ocupado pelo inimigo pede auxílio.
Assim se celebrou, pela última vez em feriado, a implantação da República. Quando um dia alguém escrever sobre estes tempos trágicos, deverá começar por descrever aquele dia. Quando o divórcio entre um poder político acossado e um povo humilhado foi tão esmagadoramente exibido.
Apesar da instalação de dispositivos de vigilância cada vez mais sofisticados, as autoridades lituanas têm dificuldade em acabar com o muito lucrativo tráfico de cigarros que reina com o enclave russo de Kalininegrado vizinho. Sobretudo porque todos beneficiam disso.
O sistema de controlo instalado nas fronteiras lituanas da região de Kalininegrado [enclave russo situado entre a Polónia e a Lituânia] facilitou imenso o trabalho dos guardas de fronteira. No ano passado, no distrito de Viesvile [uma cidade fronteiriça no oeste da Lituânia], estes últimos apreenderam 200 vezes menos cigarros de contrabando do que há cinco anos e detiveram apenas um traficante.
No entanto, não há motivos para baixar a guarda, uma vez que, graças aos meios de transporte sofisticados e ao trabalho de vigia assegurado por crianças, os contrabandistas são capazes de desaparecer na natureza no espaço de minutos. Os professores da região adiantaram que alguns alunos recebiam chamadas durante as aulas. Levantavam-se e desapareciam sem mais nem menos para fazer o seu turno.
Os adolescentes vigiavam as ruas e os movimentos dos guardas de fronteira e assinalavam o trajeto a seguir aos contrabandistas através dos telefones que estes lhes forneciam. Depois, uma viatura ia buscar os jovens e levava-os a casa. No início, os criminosos empregavam crianças de Viesvile, mas o recrutamento estendeu-se a outras zonas. “Quando começámos a ver crianças desconhecidas, percebemos que algo estava para acontecer”, explica o presidente da câmara de Viesvile, Valentinas Kucinas.
No entanto, nos últimos dois anos, o número de jovens recrutas começou a diminuir. Foram instaladas cerca de dez câmaras de vigilância equipadas com termovisores ao longo do rio Niemen. A qualquer hora do dia, os guardas podem vigiar a fronteira e os seus arredores e decidir enviar uma patrulha caso suspeitem de alguma coisa. Quando os adolescentes têm menos de 16 anos, os pais recebem uma pena administrativa por falta de vigilância.
“Nenhum sistema consegue proteger-se totalmente”
É-lhes pedido para irem buscar os seus filhos. Mas por vezes os polícias não têm quem chamar, quando as crianças pertencem a famílias de risco ou quando os pais estão a trabalhar no estrangeiro. Neste caso, procura-se então os irmãos ou os tios. Muitas vezes, os pais estão desempregados e a criança representa a principal, ou até mesmo única, fonte de rendimento da família.
Os vigias são pagos até 100 litas (€28). Ganham ainda mais dinheiro se transportarem uma caixa cheia de cigarros do rio até ao carro. Os traficantes podem dar-se ao luxo de fazer esse tipo de despesas, mesmo quando diversas pessoas dividem os lucros, porque um maço de tabaco em Kalininegrado custa cerca de 2,5 litas (€0,70), enquanto na Lituânia pode atingir os 6,5 litas (€1,90).
B. Burzdzius, responsável pelo posto de Viesvile, afirma que é cada vez mais difícil arranjar cigarros com faixas russas. O contrabando passou a vir da Bielorrússia, que ganha dimensão e utiliza as vias fluviais do Niemen. E apesar das câmaras não deixarem passar nada, o tabaco chega sempre à Lituânia.
Os traficantes deixaram de efetuar as entregas à noite, privilegiando as condições de visibilidade. Uma vez que não é durante a noite que as câmaras veem pior, mas quando está nevoeiro. “Nenhum sistema consegue proteger-se totalmente disso, lamenta B. Burzdzius. Entre o momento em que o operador identifica um intruso e o fim da operação que visa carregar a viatura, passam no máximo cinco minutos. Estando já a 20 quilómetros de distância…”
Hulk e Witsel chegaram ao Zenit e revolucionaram a equipa. A inveja dos descontentes, como chamou Dalí ao termómetro do sucesso, leva muitas vezes as equipas ao êxito. O bom relacionamento não é fundamental.
Hulk e Witsel deixaram Portugal para rumarem à Rússia. Os ordenados elevados e o estatuto de estrelas criaram uma divisão na equipa do Zenit. “Percebia se fosse o Messi ou o Iniesta”, disse o capitão Denisov — e foi dispensado para as reservas. A inveja e os egos não são um caso único no desporto. Muitos tornam-se inimigos íntimos e têm de superar as diferenças pelo bem comum da equipa. A história deu-nos alguns exemplos ao longo do tempo e, dizem os resultados, nem sempre negativos.
Moniz Pereira não tinha dúvidas sobre como conciliar dois dos melhores atletas mundiais nos treinos do Sporting, nas décadas de 70 e 80. Carlos Lopes e Fernando Mamede mal se falavam — ainda hoje é raro ouvir uma palavra do campeão olímpico sobre aquele que foi durante anos o recordista mundial dos 10 mil metros, ou vice-versa. “Nos treinos faziam o que eu mandava, se não deixavam de treinar naquele momento. Ou então vinha eu embora”, conta ao PÚBLICO o treinador, hoje com 91 anos, dizendo que às vezes eram inscritos os dois atletas na mesma prova. “Apesar de haver essa crispação, nunca deixei que isso afectasse o rendimento.”
Na Fórmula 1, a rivalidade de Ayrton Senna, quando se juntou a Alain Prost na McLaren, em 1988, saltou para as páginas dos jornais. O auge da animosidade aconteceu no final de 1989, quando o título se decidiria entre os dois em Suzuka: os McLaren chocaram, quando o francês bloqueou a passagem do brasileiro. Senna continuou em prova e seguiu ilegalmente cortando a chicane; ganharia a corrida, mas ser-lhe-ia retirada a vitória e o título ficou à mercê de Prost. Um episódio que se repetiria na época seguinte, também em Suzuka, mas agora com os dois em diferentes equipas: desta vez, o desfecho inverteu-se. A 260km/h, Senna não deixou Prost fazer a curva e bateram os dois. Fora de prova, o título ficou nas mãos do brasileiro.
“O que ele fez foi lamentável, é um homem sem valor”, disse na altura Prost. Senna admitiria, um ano depois, que a manobra tinha sido premeditada, em retaliação pelo que Prost lhe havia feito no ano anterior.
Mesmo assim, nos dois anos em que os dois pilotos convergiram na McLaren, em 1988 e 1989, a escuderia conseguiu 30 “pole positions” (26 de Senna contra quatro de Prost), 25 vitórias (14-11), 15 voltas mais rápidas (5-10) e dois campeonatos (1-1).
Nas motos, a rivalidade entre Jorge Lorenzo e Valentino Rossi na Yamaha também é histórica. Os dois cruzaram-se entre 2008 e 2010 e o relacionamento era mau. Eram muito parecidos, de egos inchados e a lutarem ambos pelo título. O italiano exigiu mesmo que colocassem um muro entre os dois na ofi cina para o espanhol não ver as afi nações da sua mota. Rossi acabaria por sair para a Ducatti devido ao título de Lorenzo.
Mas durou pouco tempo, já que o italiano vai reencontrar o espanhol novamente na Yamaha nesta época. “Somos pilotos vencedores e nunca queremos perder. Acredito que o nosso relacionamento melhorou, mas talvez porque estávamos em equipas diferentes. Na Yamaha vai ser complicado o relacionamento melhorar”, admitiu Lorenzo sobre o regresso de Rossi, a quem acusou de ter um problema de carácter.
“A rivalidade não tem que afectar os resultados, porque querem sempre vencer por eles próprios”, conta Dan Abrahams, sociólogo do desporto, citado pela “CNN” sobre o mal-estar na dupla alemã de ténis Michael Stich e Boris Becker, campeã olímpica de pares nos Jogos de Barcelona 92.
“Pode ter existido hostilidade a um nível social, mas foi apenas isso. No court só interessava vencer. ”A equipa de futebol do Sporting em 1982 também beneficiou dessa vontade dos jogadores, já que os egos de Jordão, Manuel Fernandes e António Oliveira tornavam as coisas difíceis. A época terminou com a conquista do campeonato e da Taça, com 16 golos em 34 jogos de Oliveira, ao lado de Jordão (35-37) e Manuel Fernandes (21-39). “Não é o fim do mundo os jogadores não serem amigos. Estudos em psicologia desportiva sugerem que os atletas não têm de gostar uns dos outros para a equipa ter sucesso”, diz ainda Abrahams.
Esta é a A capa da revista satírica El Jueves publicada a passada quarta-feira e a União de Comunidades Islâmicas de Espanhanão demorou a avisar que apresentará as adequadas medidas legais contra a revista por, como não, ter ofendido os sentimentos religiosos. É que os sentimentos religiosos são fodidos, pelos vistos. Um gajo sente-se atacado, um gajo sente-se ofendido, um gajo brama aos céus e, vendo que os céus se estão literalmente cagando para tamanha ofensa e que o máximo que têm a dizer é mandar uma chuva de granizo que amolgue os carros dos hereges (os céus são assim de insensíveis), vai e põe uma denúncia. Isto com muita sorte, claro. Porque o normal nestes casos (quando alguém goza com o Maomé, o último Profeta, já sabem, a treta do costume) é queimar bandeiras de Israel e dos Estados Unidos, explodir um par de bombas ou invadir embaixadas. Ou sair em hordas histéricas pelas ruas do Cairo a gritar possuídos pelo tal fervor religioso, ai valha-me Alá, ai que me pintaram o Maomé, blasfémia, blasfémia, alguém me acuda e já agora que se castigue a todo o ser humano que goze com a nossa religião, que se restrinja a liberdade de expressão na Europa, que se proíba o google, que se bombardeiem os budas do Bamiyan (ah, merda, que isso já fizeram). Eu sei, acalmam-se, que não todos os muçulmanos são assim, que há gente de bem e que tem mais coisas que fazer que andar nestes maus aspectos a queimar bonecos com a cara do Obama e a babar-se qual cão raivoso porque alguém, no outro lado do mundo, publica uma caricatura a gozar com um profeta que não lhe diz nada. Sim, eu acredito que existe uma maioria (muito, mas muito silenciosa) que nem dá importância a estes supostos ataques e que até haverá uns quantos que achem piada e que se riam em casa de persianas descidas à escondida dos olhares inquisidores. Mas o problema é que os extremistas fazem mais barulho. E ganham eleições. E dominam o quotidiano dos cidadãos de paz e legislam em nome da intolerância e incitam a violência e quando vamos a ver temos o desgraçado do Presidente dos Estados Unidos a perder tempo na ONU a falar de um vídeo de merda que ofendeu estas mentezinhas idiotas lá no cú de judas e a pedir tolerância e respeito e o caralho, só porque há uns idiotas que nem relativizam, nem têm sentido de humor e castigam tudo o que eles não entendem nem querem entender em nome de uma visão demagógica da religião. A tal União de Comunidades Islâmicas de Espanha já mandou dizer que a capa do Jueves “não consegue a sua pretendida finalidade humorística“. Porquê? Eu fartei-me de rir, desculpem lá. Eu rio-me do que quero, tenho esse direito. A liberdade de expressão também é isso, poder-me rir do que me apetece sem ter uma cambada de ignorantes a matar-me à pedrada por blasfema.
A Catalunha reivindica o direito de não pagar mais nada a um Estado crivado de dívidas. E esfrega assim o fantasma da independência no nariz de Madrid e de Bruxelas. O debate sobre a autonomia fiscal faz lembrar aquele que a Alemanha impõe aos países do Sul, estima este jornalista de El País.
As crises funcionam como artefactos de esquematização: o relato alemão da crise europeia é um conto moral, baseado na crença de que o desastre económico se deve à irresponsabilidade financeira dos pecadores do Sul, a quem é preciso castigar. A partir deste guião falso, as soluções são cada vez mais difíceis, escasseiam os mecanismos de solidariedade, nos países do Norte os cidadãos tornam-se receosos, no Sul assumem um sentimento antialemão (ou antieuropeu) e em muitas das últimas eleições surgiram os extremismos. Espanha é uma espécie de microcosmos da crise do euro: o desentendimento protagonizado pela Catalunha traça estranhos paralelismos com essa história.
Bruxelas assiste com inquietação
As causas diretas dos problemas económicos catalães são a profunda recessão após uma enorme bolha imobiliária e o trabalho de vários governos ao longo dos anos: não a muito discutível espoliação financeira (embora o sistema de financiamento seja imperfeito e o tamanho do défice possa ser questionável) esgrimido pelo separatismo para justificar as suas pretensões, segundo a análise de Bruxelas. Por isso, a UE viu com estranheza aparecer essa discussão, que se metamorfoseou em preocupação ao desabrochar no pior momento da crise espanhola.
Evidentemente, a Catalunha não é a Alemanha: para começar, sofre na própria carne os estragos da recessão e do desemprego. Mas a analogia funciona em muitos outros aspetos: uma vez mais o Norte rico, no meio da crise, quer limitar as suas transferências de solidariedade.
Bruxelas assiste com inquietação a este debate: “A Catalunha é uma fonte adicional de inquietação; Espanha já tinha problemas de sobra e agora uma das suas comunidades autónomas mais ricas tem que pedir um resgate ao Estado e, quase no mesmo dia, ameaça com a independência e apresenta um pacto financeiro pouco digno desse nome que, bem vistas as coisas, consiste em entregar menos recursos aos cofres do Estado agora que a saúde das contas públicas gera dúvidas”, afirma um diplomata.
Aspirações separatistas
O presidente da Generalitat [governo autónomo] fez algumas incursões em Bruxelas em busca de compreensão para o seu pedido de um sistema de financiamento. Artur Mas conversou com o presidente da Comissão, Durão Barroso e com o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schultz. Praticamente com todo o universo europeu. Mas, para além da habitual ambiguidade calculada, as fontes consultadas não se lembram de uma única alusão às aspirações secessionistas da Catalunha.
“Não renunciamos ao que somos… O nosso lema é mais Catalunha e mais Europa”, disse Artur Mas à imprensa numa dessas visitas. “Ou seja, menos Espanha?”, perguntaram-lhe. “Não. Nós somos positivos; afirmamos, não negamos nada”, esclareceu. Por isso, a primeira reação de Bruxelas foi de incredulidade. Seguida de uma clara advertência: “Algumas das reivindicações catalãs merecem a nossa simpatia. Mas está a cruzar-se uma fronteira perigosa. Podemos entender essa aspiração em melhorar o financiamento, mas nem sequer na Alemanha, com um sistema fiscal federal que pode servir como modelo, se consegue entender que se viole assim essa linha das aspirações independentistas que fez disparar os alarmes em Bruxelas perante o risco de efeitos miméticos noutros lugares”, afirma um funcionário europeu.
A barreira Maastricht
A independência da Catalunha acarretaria evidentes problemas jurídicos, a julgar pela elegante redação do artigo 4.2 do Tratado da União. Além disso, a tomada de decisões na UE encaminha-se para as maiorias qualificadas salvo num ponto em que será sempre necessária a unanimidade: a entrada de novos Estados. Essas barreiras podem funcionar como diques de contenção: o presidente da Comissão, Durão barroso, deixou muito clara a doutrina sobre este assunto. Por um lado, é uma questão “interna” de Espanha. Por outro, em caso de hipotético processo secessionista num Estado-membro, “a solução teria de ser encontrada dentro do ordenamento jurídico internacional”.
O Governo do PP deu a entender que o problema do défice espanhol é culpa das comunidades autónomas. Falso. E tem tentado iniciar uma certa centralização de competências (com o argumento de estar a cumprir deveres impostos por Bruxelas) que gera receios na Catalunha e que explica em parte essa reação. Aí, mais uma vez, o paralelismo com a Europa é preocupante: a troika envia os seus homens de negro a Madrid e, por sua vez, o Governo envia os seus próprios homens de negro às comunidades resgatadas, como a Catalunha.