Apenas 2279 calorias diárias por pessoa, ou 106 camiões de bens essenciais, bastariam para evitar a malnutrição em Gaza, concluiu o Exército israelita num estudo realizado quando o Hamas assumiu o controlo do território, em 2007, mas que só agora foi divulgado por ordem do tribunal.
As contas foram feitas ao pormenor para se saber o que era preciso para evitar situações críticas de malnutrição em Gaza durante o bloqueio israelita imposto ao território em 2007, quando o movimento xiita Hamas assumiu o poder. No relatório “Consumo de alimentos em Gaza – As linhas vermelhas”, que agora acaba de ser divulgado, fica a saber-se como foi preparado o bloqueio imposto a 1,6 milhões de palestinianos que só acabou por ser aliviado em 2010.
Para trás fica uma já longa batalha legal. O documento acabou por ser divulgado nesta quarta-feira por ordem do Supremo Tribunal israelita, que obrigou o Governo a publicá-lo após uma forte pressão do Gisha, um grupo israelita de defesa dos direitos humanos. Um porta-voz do Ministério da Defesa israelita, Guy Inbar, admitiu em declarações aos jornalistas que o documento foi elaborado e discutido, mas garantiu que “nunca foi aplicado”. Terá sido, no entanto, um estudo que ajudou a preparar o bloqueio que deixou milhares de palestinianos em Gaza sem acesso aos bens mais essenciais e que suscitou duras críticas de vários países e organizações internacionais.
O estudo tem a data de Janeiro de 2008, pouco após o Hamas ter tomado o poder, e refere que, por dia, deveriam entrar em Gaza apenas 2279 calorias por pessoa “para manter a estrutura básica de vida”, um cálculo que terá sido feito com base num modelo elaborado pelo Ministério da Saúde israelita. Segundo esses cálculos, Israel permitiria a entrada de 106 camiões em Gaza com bens essenciais, por dia. Mas, segundo o Gisha, na altura em que o documento foi elaborado só entravam em Gaza cerca de 67 camiões com alimentos ou medicamentos, muito menos do que os cerca de 400 que chegavam ao território antes do bloqueio e do que os cerca de 935 camiões que entraram em Gaza na semana passada com alimentos e materiais de construção.
“Como é que Israel pode afirmar que não é responsável pela vida dos civis em Gaza quando controla inclusivamente a quantidade de alimentos que os residentes palestinianos podem consumir”, perguntou Sari Bashi, um dos directores do Gisha. O director em Gaza da agência da ONU para os refugiados, Robert Turner, sublinhou, por outro lado, que o estudo agora divulgado “vai contra os princípios humanitários”.
No documento é feita uma lista de produtos – são proibidos os coentros mas permitida a canela, por exemplo –, e há também referências a medicamentos, equipamentos médicos ou produtos de higiene.
O médico que jurava que Cristóvão Colombo era português, e que inspirou Manoel de Oliveira a realizar um filme sobre essa tese e a sua própria faceta de incansável historiador, morreu no domingo vítima de ataque cardíaco. Será sepultado amanhã em Bristol, nos Estados Unidos. Tinha 86 anos.
A partir do seu consultório em Bristol, sempre disponível, Luciano da Silva, uma espécie de "Dr. House" rural, falava das maleitas do corpo e da alma e de tudo o que lhe viesse à cabeça. Do outro lado do computador, mostrava desenhos, aproximava-se do ecrã para ver com detalhe borbulhas ou exames das gentes da sua aldeia. Ralhava quando necessário, aconselhava com humildade. A partir de certa altura, as consultas estenderam-se à Santa Casa da Misericórdia de Vale de Cambra e ao Museu Regional de Oliveira de Azeméis. Além disso, participava em programas nas rádios e televisões de língua portuguesa nos EUA. Estava reformado há 14 anos. Mas isso não se notava muito.
Homenagem ao médico-historiador
"Um médico não deve estar só no consultório a passar pílulas e cápsulas. Um médico é um indivíduo com muita responsabilidade, não só no consultório, mas também na comunidade", dizia ao PÚBLICO em Setembro do ano passado, momentos antes de mais uma sessão que duraria até bem perto da meia-noite. Naquela noite, falou de varizes, dos tijolos que devem ser colocados na cama para elevar as pernas, de uma conferência de Bill Gates. Ensinou a fazer caldo-verde para ajudar na prisão de ventre.
A consulta desta sexta-feira, a partir do outro lado do Atlântico, estava marcada. Era sobre fibromialgia. Afinal, em vez de consulta, haverá uma missa de sufrágio na Igreja de São Pedro de Castelões, às 19h. Depois, às 21h, hora em que o computador transmitiria a sua imagem, o médico de Cavião, que aos 12 anos decidiu ser médico, terá direito a uma cerimónia evocativa.
Em 14 horas, Pedro Laranjeira, coordenador do Museu-Biblioteca Manuel Luciano da Silva, recebeu mais de 400 telefonemas e cerca de dois mil testemunhos por email. "É absolutamente impressionante o prestígio que este homem tinha", comenta. O museu-biblioteca continuará de portas abertas. "A grande obra de um grande homem não pode morrer com ele." A 17 de Outubro, o médico-historiador enviou dos Estados Unidos mais uma encomenda para Vale de Cambra: dois filmes, em versão portuguesa e inglesa, realizados pelo médico. Chegaram a Portugal esta segunda-feira, um dia após a sua morte.
"Quem são os historiadores que usam microscópio? A História de Portugal devia ser revista por médicos", dizia-nos Luciano da Silva, há pouco mais de um ano. A História sempre foi uma das suas maiores paixões. Garantia que Colombo tinha nascido em Cuba, no Alentejo, e que os portugueses foram os primeiros europeus a colonizar o continente americano - baseava-se nas inscrições da Pedra de Dighton que acreditava desvendar mistérios sobre as descobertas lusitanas nos sécs. XV e XVI. Escreveu livros sobre o assunto. Lutou para que a Pedra de Dighton fosse retirada da água e assim foi criado um museu em Massachusetts. "Olhe que ter uma pedra de 40 toneladas como amante não é brincadeira nenhuma", brincava.
Aos 19 anos, partiu com a mãe para Brooklyn para se juntar ao pai, piloto da Marinha americana. Formou-se em Ciências Biológicas na Universidade de Nova Iorque. Regressou a Portugal com 26 anos e tirou o curso de Medicina em Coimbra em cinco anos e com distinção. Voltou aos EUA. Teve dois filhos. Durante 21 anos foi director da Rhode Island Veteran"s Home, em Bristol. Foi condecorado com o grau de Oficial da Ordem do Infante D. Henrique em 1968 e com o Grau de Comendador da Ordem de Mérito em 2011.
Ao que se lê no Público, um enfermeiro que se sentiu obrigado a emigrar por ausência de futuro em Portugal, escreveu a Cavaco Silva uma carta de despedida. Sabemos todos que sempre fomos um país de emigrantes pelo que a situação não é estranha e deve, apesar de tudo, ser encarada com alguma serenidade.
O que é inquietante, é que durante muitos anos a emigração se realizava na busca de melhores condições de vida, a agora a emigração realiza-se à procura da própria vida, muitos dos jovens não têm condições de vida, têm nada e partem à procura, não de melhor, mas de qualquer coisa.
Este vazio que aqui se sente é angustiante, sobretudo para quem está começar, se sente qualificado e com o desejo de construção de um projecto de vida viável e bem sucedido.
Há uns tempos foi divulgado um trabalho realizado pela Federação Académica do Porto junto de estudantes do ensino superior de diferentes instituições em que se concluiu que 69 % dos inquiridos admite emigrar em busca de melhores condições de realização pessoal e profissional. Apesar da cautela sobre as conclusões que o trabalho merece, o número é elevado e demonstrativo das baixas expectativas sobre o seu futuro próximo que muitos estudantes revelam o que me parece preocupante. Em todo o caso, cerca de 85 % dos inquiridos que admitem sair, afirma querer voltar a Portugal.
Lembramo-nos ainda da intervenção do Ministro Miguel Relvas, que certamente não teria tempo para responder a um inquérito deste tipo durante a sua licenciatura, aliás, também não pensaria em partir, porque o seu futuro estava garantido dentro de portas por efeitos do alpinismo partidário. Disse então Miguel Relvas dirigindo-se aos jovens mais qualificados, "ide procurar fora de portas o vosso futuro”.
Parece-me relativamente claro que a questão central nesta matéria não é o movimento que desde há muito os portugueses realizam de procurar trabalho fora do país. Como é óbvio as pessoas, cada pessoa, procurará dentro das suas disponibilidades, capacidades e motivações construir um projecto de vida em que se realize e esse projecto de vida pode, evidentemente, passar por emigrar. Sabemos e isso é desejável em diferentes perspectivas, que estes fluxos se realizem, mas esta não é a questão central.
O que me parece fortemente significativo é o que representa de descrença de tanta gente, de que seja possível desenvolver um projecto de vida viável e com potencial de realização pessoal e profissional no nosso país.
Nesto contexto, como tenho referido, as declarações dos responsáveis políticos assumem particular importância. Não podem assumir que a solução para os problemas das pessoas, por exemplo o desemprego, é abandonar o país, particularmente um país, Portugal, com sérias necessidades de mão-de-obra qualificada, um dos mais baixos níveis de qualificação da Europa e um dos grandes obstáculos ao nosso desenvolvimento, não pode acenar com a “sugestão” de emigração exactamente para a franja mais qualificada da nossa população. Trata-se uma visão absolutamente inaceitável.
Estes discursos vindos de quem lidera e de quem a comunidade espera, é a sua função, um contributo decisivo para atenuar ou, em tese, resolver os problemas do país, transmite incompetência, impotência e finalmente desistência face a esses problemas que se repercutem na forma como os mais novos encaram o futuro. Provavelmente, os dados do inquérito também se inscrevem nesta repercussão, o pessimismo e a falta de confiança.
Admito que face à intenção expressa por tantos estudantes surjam, como sempre, as vozes que referem o realismo destes discursos, das efectivas poucas oportunidades de trabalho para muitos jovens qualificados, mas, insisto no que disse há tempos, “mandar” essa gente embora de um país como o nosso é delinquência política. Lamentavelmente, não estranho.
Só pelo Erasmus, o seu programa de intercâmbio de estudantes, a UE merece o Nobel, por ter fomentado o amor físico transnacional e a criação de verdadeiros europeus.
Uma das críticas que ouvi à decisão do comité Nobel de atribuir o prémio à UE foi que tinha sido um pouco como um Óscar pela carreira de uma vida: com pelo menos 20 anos de atraso e apenas concedido por causa da morte iminente do laureado. Tirando a imprensa britânica de centro-direita, que pensa que a decisão do comité é "ridícula" e uma tardia "piada do primeiro de abril", foi esta a linha adotada por muitos dos principais órgãos de comunicação europeus.A crítica parece sensata mas, pessoalmente, penso que é um disparate. O consenso pode ser agora ver o Nobel como um prémio pelas realizações do passado, mas há razões muito mais fortes para o encarar – como no caso de Obama em 2009 – como um prémio pelo potencial do futuro. Se só pudesse usar uma palavra para explicar porquê, diria Erasmus.
Há muitas pessoas que partiram no quadro do sistema de intercâmbio e nunca voltaram. Alemães que se apaixonaram por espanholas, mulheres gregas que acabaram por casar com franceses, polacos que têm filhos de mães portuguesas. No ano passado, o romancista italiano Umberto Eco disse que "o Erasmus criou a primeira geração de jovens europeus". Eco chama ao processo "uma revolução sexual: um jovem catalão conhece uma rapariga flamenga – apaixonam-se, casam e tornam-se europeus, tal como os seus filhos".
Nobel da Paz para união sexual da Europa
Pessoalmente, não consigo imaginar que estes pais e os respetivos filhos sejam capazes de escutar os apelos à guerra de um demagogo nacionalista e ouvir em silêncio. Dirão qualquer coisa. E mais importante ainda: nos próximos 20 anos, alguns deles talvez se tornem figuras proeminentes nos órgãos de comunicação, no mundo empresarial e na política e pensarão cada vez mais para além das fronteiras nacionais. Se for superada – e é um sério se – há fortes possibilidades de a crise da zona euro ser seguida por um período de paz tão longo que os últimos 67 anos parecerão curtos, em comparação.
Os eurocéticos britânicos dirão que o amor físico transfronteiras foi obra, não de burocratas cinzentos da UE, mas do comércio livre entre Estados-nação. Mas quem é que se apaixona numa reunião de negócios? A beleza de um sistema como o Erasmus é que permite o encontro de jovens, antes de estes começarem a encarar esses encontros apenas como meios para uma troca de capital, antes de estes ostentarem a fria máscara do comércio.
E, seja como for, quem pode dizer que o prémio não deve ser romântico? Se acreditarmos realmente que nada garante mais eficazmente a harmonia intelectual do que o comércio livre, então bem se poderia entregar o Prémio Nobel da Paz a Ronald McDonald. Isso motivaria verdadeiramente o continente.
Até agora, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, tem-se recusado a confirmar como será gasto o dinheiro do prémio. Uma vez que a Espanha vai reduzir drasticamente a sua contribuição para o Erasmus, por falta de fundos, os €923 680 para alargar o programa – não apenas a estudantes, mas também a "motoristas de táxi, canalizadores e outros trabalhadores", como sugeriu Umberto Eco – corresponderia, finalmente, ao envio de um sinal positivo de Bruxelas.
Um Prémio Nobel da Paz para a união sexual da Europa – seria qualquer coisa que poderia deixar-nos a todos genuinamente entusiasmados.
O Norte ganha o dinheiro e o Sul gasta-o: na zona euro soam hoje as mesmas queixas que se ouviam, há 25 anos, na extinta Jugoslávia pluriétnica. Os líderes europeus deviam ter a sensatez de pensar no assunto.
“Nós almoçamos em dez minutos e eles precisam de três horas. Aqui, ganhamos o dinheiro a trabalhar, lá ganham com subornos. Há anos que o nosso dinheiro vai para eles. No Norte ganha-se dinheiro, no Sul delapida-se.” Esta ladainha parece o discurso que hoje ouvimos aos eurocéticos do Norte da Europa. No entanto, foi tirada de umas notas tomadas por mim nos anos de 1990, quando atravessei de comboio a ex-Jugoslávia. O meu interlocutor do Norte explicava-me por que é que as repúblicas do Norte queriam sair daquela “monstruosa” federação.
A antiga Jugoslávia pluriétnica era, sob muitos aspetos, uma Europa em miniatura. No Norte, os salários eram três ou quatro vezes superiores aos dos Sul. No Sul grassava o desemprego. E, como nos países da zona euro, os habitantes da ex-Jugoslávia sentiam-se impotentes perante líderes “distantes da população”, sem se sentirem representados. A UE tem um défice democrático; a República Federal Socialista da Jugoslávia, o Estado pluriétnico criado por Tito (1892-1980) era, de facto, um Estado de partido único.
Atualmente, os europeus do Norte amaldiçoam Bruxelas. Antigamente, eslovenos e croatas consideravam Belgrado a causa de todos os seus males. Belgrado delapida o nosso dinheiro, Belgrado é um bando de burocratas incompetentes e mesquinhos. Também na ex-Jugoslávia uma moeda, o dinar, era o símbolo dessas “autoridades distantes da população”. Ouvi muitas vezes dizer que a união com os outros povos era um projeto ideológico traçado sobre uma mesa de desenho, uma construção artificial.
As repúblicas do Norte concordaram em fazer uma contribuição financeira enquanto a prosperidade ganhava terreno e os habitantes não percebessem bem o entrelaçamento com as outras regiões. A situação mudou na década de 1980. Tito morreu, a economia começava a derrapar e o Norte pagava para evitar que o Sul falisse. A frase que atualmente se ouve no Norte da Europa, “Nem mais um cêntimo para os países comedores de alho”, é muito parecida com aquela que os eslovenos diziam naquela altura: “Nem mais um tostão para a região do bitoque”.
Apparatchiks e corifeus
A revolta populista em vários países da UE lembra a que teve lugar, há 25 anos, na Jugoslávia. Políticos como Jean-Marie Le Pen [fundador do partido de extrema direita francês Frente Nacional] e Franjo Tudjman [líder nacionalista, acusado pelo Tribunal Internacional de Haia por crimes de guerra e contra a Humanidade] têm pontos em comum. Ambos tinham um discurso nacionalista que, antes da sua ascensão, repousava sobre um tabu. Ganharam notoriedade jogando com as frustrações perante as autoridades que, segundo eles, privam “o seu povo” do dinheiro e do poder. Não se trata de demonstrar aqui que o PVV ou os seus homólogos na Europa defendiam uma purificação étnica. Assim sendo, Milosevic também não tinha tal intenção: era essencialmente um político oportunista que pensava a curto prazo. Tem uma grande responsabilidade na destruição da Jugoslávia mas não a planeou.
Muito frequentemente, os corifeus da União Europeia apresentam dolorosas semelhanças com os “apparatchiks” da época de Tito. Tal como eles, parecem sempre desagradavelmente surpreendidos com os sinais de impopularidade. Como eles, parecem viver numa espécie de casulo de onde não têm vontade de sair. A presidência do Conselho Europeu assemelha-se à presidência rotativa da Jugoslávia dos anos de 1980. Os presidentes jugoslavos beneficiavam, nas Repúblicas da federação, da mesma consideração que Herman Van Rompuy tem entre nós, a que se concede a alguém que vem de uma terra longínqua. “Sabemos exatamente o que temos de fazer. Aquilo que não sabemos é como sermos reeleitos se o fizermos”, diz Jean-Claude Juncker, presidente do Eurogrupo. Estas são as palavras de um líder que teme a matilha: se primeiro tivermos de garantir o apoio democrático, corremos o risco de sermos ultrapassados e de ter de fazer cedências.
Democracia posta à prova por nacionalismos
Mas o recuo do apoio democrático a favor da Europa pode ter consequências mais graves do que algum atraso no calendário de reformas. Se há lição que podemos tirar do colapso da Jugoslávia é que uma união monetária numa região em que persiste uma oposição entre o Norte e o Sul está ameaçada se as populações não forem associadas de maneira pouco democrática. Em tempos de prosperidade, essas populações não veem inconveniente numa tal união, que se torna no seu problema quando o declive começa.
A principal diferença em relação à ex-Jugoslávia é que a União Europeia é composta por Estados democráticos. Os populistas e os nacionalistas são confrontados com forças opostas democráticas. Se a federação tivesse beneficiado de um apoio democrático, se o seu sistema político fosse mais aberto e a imprensa mais livre, teria podido sobreviver, há mesmo quem diga.
Os políticos eleitos dos Estados europeus podem suscitar esse apoio e fazer da União monetária uma criação que pertença mais às populações do que um sistema imposto. Se renunciarem ou falharem, as medidas tomadas contra a crise e os seus riscos que os eleitores tomam, com ou sem razão, como sendo “impostas por Bruxelas”, farão o jogo das forças antieuropeístas. Não desencadearão a implosão da UE da noite para o dia, mas provocarão mais descontentamento e obstrução, que só se dissiparão se os méritos da UE aparecerem claramente e os políticos eleitos deles fizerem alarde.
A própria natureza do socialismo -- que, como dito, se baseia na coerção, no impacto coercivo sobre o corpo social ou a sociedade civil -- bloqueia, dificulta ou impossibilita a criação empresarial de informação, que é precisamente aquilo de que necessita o governante para dar um conteúdo coordenador às suas ordens.
Esta é a demonstração em termos científicos do motivo de o socialismo ser teoricamente impossível. É impossível o órgão planejador socialista coletar, apreender e colocar em prática todas as informações de que necessita para imprimir um conteúdo coordenador aos seus decretos. Esta é uma análise puramente objetiva e científica. Não é necessário pensar que o problema do socialismo está no fato de que "aqueles que estão no comando são maus". Nem mesmo anjos, santos ou seres humanos genuinamente bondosos, com as melhores intenções e com os melhores conhecimentos, poderiam organizar uma sociedade de acordo com o esquema coercivo socialista. Ela seria convertida em um inferno, já que, dada a natureza do ser humano, é impossível alcançar o objetivo ou o ideal socialista.
O ciclista Lance Armstrong ficou sem as sete vitórias na Volta à França em bicicleta e nunca mais poderá voltar a participar em provas oficiais, decidiu nesta segunda-feira a União Internacional do Ciclismo (UCI, na sigla original).
O presidente da UCI, Pat McQuaid, foi muito duro com o norte-americano, afirmando que Armstrong "não tem lugar no ciclismo" e que o nome dele "merece ser esquecido".
Na prática, a decisão da UCI – que validou o processo da agência norte-americana de antidopagem – significa que Lance Armstrong perdeu todos os títulos desde 1 de Agosto de 1998 e não poderá voltar a participar em provas oficiais para o resto da vida.
O responsável da UCI pediu desculpa pelo facto de o organismo não ter conseguido "apanhar cada um deles em flagrante e expulsá-los do desporto naquela época" e reafirmou que não vai pedir a demissão.
"Quando assumi o cargo, em 2005, fiz da luta contra o doping a minha prioridade. Reconheci que existia uma cultura de doping no ciclismo. O desporto já percorreu um longo caminho desde então. Não tenho qualquer intenção de me demitir da presidência da UCI", afirmou Pat McQuaid.
Não é apenas na Catalunha e na Escócia que as pressões nacionalistas se fazem sentir. A vitória dos nacionalistas flamengos de Bart De Wever, nas eleições locais de 14 de outubro, "é mais do que uma advertência para a Bélgica. É uma verdadeira advertência para toda a Europa",escreve La Tribune. Para este diário económico francês,
seria ingenuidade pensar que o vento favorável a esses movimentos, nos últimos meses, é totalmente independente das turbulências que a Europa atravessa há dois anos e meio. A crise da dívida não é a sua causa mas pode ser um acelerador. Nos países onde a unidade é problemática […], a questão é saber quem vai pagar a dívida do conjunto e quem vai fazer esforços para pagar essa dívida. Por outras palavras, o combate não é lutar contra a austeridade mas evitar a austeridade, deixando-a para os outros.
Assim, os flamengos têm o sentimento de que os problemas financeiros estão ligados à má gestão do Governo central, salienta De Standaard. Neste contexto, este jornal flamengo cita Louis Vos, investigador da Universidade de Lovaina:
Quando se verifica que o nível superior [federal] não funciona bem – a crítica bem conhecida de De Wever [dirigente dos nacionalistas flamengos] – de que o governo dos impostos de Di Rupo não é apoiado pela maioria dos flamengos – isso intensifica o atrativo da autonomia.
No entanto, salienta o Financial Times Deutschland, apesar de ser "compreensível", a questão da independência "não pode ser a resposta aos problemas que a Europa tem hoje de enfrentar". Com efeito, este diário económico alemão considera que
foi avançando sem ter em conta as fronteiras e o nacionalismo que a Europa se tornou próspera e viveu em segurança. Teremos de fazer o mesmo para superar as crises bancárias, económicas e financeiras que submergiram países pequenos como a Irlanda. Apenas uma comunidade ampla tem condições para ajudar a resolver problemas que um Estado não pode enfrentar sozinho. Os separatistas perceberam bem isso: os catalães gostariam de se separar de Espanha, solicitando ao mesmo tempo a ajuda financeira de Madrid. Mas não é possível reivindicar para si os sucessos e as riquezas e delegar os problemas e os custos no Estado central ou na UE. A Europa deve preservar a sua diversidade regional, sem no entanto proclamar uma vez e outra um Estado independente. Isso serviria apenas para minar as capacidades da Europa de resolver os problemas a longo prazo.
Outros países vão em contracorrente, como salienta La Tribune, que refere o exemplo da Itália, a braços com "um processo de centralização […] que reforça o Estado central em detrimento de um processo frágil de descentralização".
Beneficiando do enfraquecimento da Liga do Norte, minada por alguns casos e pela sua participação no Governo de Berlusconi, o Governo de Monti decidiu voltar atrás quanto à lei muito descentralizadora de 2001. Mario Monti quer atribuir mais competências ao Estado central, para evitar o desperdício e a corrupção e, também, para dominar o esforço de austeridade e controlar melhor a dívida pública. […] A crise da dívida fez perder crédito aos executivos regionais e ao grande partido secessionista.
Insurgente - Sem prejuízo da pertinência dos comentários do Carlos Guimarães Pinto (aqui e aqui), para mim o mais interessante neste post é constatar o alinhamento entre a linha editorial do Público e a agenda político-ideológica do Bloco de Esquerda.
O afastamento de José Manuel Fernandes da direcção do jornal sustentado pelo grupo Sonae nada fez pelo relançamento ou pela (nunca concretizada) viabilização económica autónoma do projecto mas teve pelo menos o inquestionável mérito de clarificar sem margem para dúvidas a orientação ideológica do Público. A linha editorial parece estar agora em plena e completa sintonia com uma redacção que sempre foi fortemente esquerdizada.
Note-se que, independentemente da avaliação que se faça do jornal como instrumento de propaganda ao serviço de uma determinada agenda ideológica e da opção de continuar a sustentar os seus prejuízos, não está, naturalmente, em causa a legitimidade de o grupo Sonae empregar os seus recursos da forma que vai entendendo ser a mais adequada.