Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

A-24

Um excelente artigo sobre como ainda muitos espanhóis preferem ver Portugal

por A-24, em 28.06.12
É verdade que viver como emigrante muda a perspectiva que se tem do país de origem. Sou mais portista e portuense que português, na alma, mas quando chegam momentos como este é normal que a costela lusitana me venha ao de cima e sinta na pele isso de ser um no meio de muitos milhões. Vivo em Madrid, na boca do lobo, e hoje vou ter bem aqui ao meu lado, à beira do Bernabeu, quase um milhão de pessoas na rua a gritar contra o meu país.

Vivo aqui há seis anos e sei perfeitamente a ideia que os espanhóis têm dos portugueses.
Enquanto nós somos os parolos que os tratam por "nuestros hermanos" e que sempre tentam falar esse "portunhol" sempre que lhes aparece um pela frente para agradar. Sempre que vou ao Porto, cheio de turistas espanhóis nos últimos anos, é lamentável ver essa atitude mas isso são outras histórias. Mas não se enganem, os espanhóis nem nos vêm como irmãos, nem jamais se preocupariam em aprender o significa sequer da palavra "saudade". Para eles somos ainda ciganos que vendem toalhas na fronteira, país de mulheres com mais pelo e bigode que os homens e com um intelecto diminuto, bom para trabalhar nas obras. Essa imagem cheia de estereótipos é real num país que quando quer dizer algo que não seja Espanha só sabe dizer "a península". Quando lhes digo, insultado, que na península há dois países mais (como é Andorra), a resposta é sempre a mesma: "sois demasiado pequenos para justificar que mudemos o termo".


Nunca fui mal tratado em Espanha por ser português, mas ninguém entende porque tenho mais do que dois apelidos, porque o primeiro apelido é o da mãe e não do pai, porque sei falar tantos idiomas quando eles mal o seu conseguem falar com correcção (há zonas piores e melhores, claro). Mas, sobretudo, porque a imagem do país tem mudado nos últimos anos graças ao futebol. Primeiro foi a popularidade tremenda de Paulo Futre em Madrid. Anos depois a "Geração de Ouro" de Luis Figo, Rui Costa, João Pinto (as fracas exibições de Baía e Fernando Couto no Barça e o negócio Secretário não deu lá muito boa imagem) e o papel do FC Porto nas provas europeias (apesar de que ainda hoje todos se queixam que o Deportivo foi roubado em 2004 por uma equipa muito inferior) mudou essa perspectiva. Mas é o fenómeno Ronaldo e Mourinho quem realmente abriu os olhos às pessoas e há muitos espanhóis que não vêm com mais olhos que Portugal vença este Europeu só por serem adeptos do Real Madrid irritados com uma selecção com tantos jogadores do rival Barça.

Mas apesar disso seguir a imprensa espanhola é um exercício de relaxamento mental obrigatório.
Não há um só jornalista - e se isto foi sempre assim, agora que realmente ganham é pior - que não diga que a diferença entre as duas equipas é abrumadora que nem devia haver jogo. Tirando o genuíno medo que muitos têm a Ronaldo, não há o mais mínimo conhecimento da selecção. Desvalorizam o imenso trabalho de Meireles e Moutinho, utilizando sempre a frase típica espanhola "aqui há melhor", não se preocupam com Nani ou Veloso e só se lembram de Pepe e Coentrão pelo que fazem com a camisola do Real Madrid, catalogando o primeiro de violento (1 só falta este Euro em 250 minutos) e o segundo de despistado (apesar do óptimo torneio que está a fazer). Ninguém acredita que a selecção portuguesa tenha a mais minima opção (verdade seja dita, eles dizem que ninguém a tem).

Este discurso não é novo. Nos Oitavos de Final do passado Mundial foi a mesma lenga-lenga e quando Portugal venceu a campeã do Mundo por 4-0 num amigável, a imprensa do país vizinho assobiou para o lado apesar dos avisos de Del Bosque, homem sério que já disse por várias vezes que respeita, e muito, a selecção portuguesa.

A verdade é que os espanhóis são um povo que sofre um pouco desse complexo de superioridade inexplicável, essa forma de afirmar-se minorando tudo o que o rodeia. Em todos os desportos - e a nível desportivo a verdade é que levam 20 anos de sonho - há sempre o nós contra todos, com jornalistas a vestirem a camisola e agitarem a bandeira em nome de individuo e clubes, sempre e quando possam vender essa ideia de Espanha vs o Mundo. Nesse panorama somos, uma vez mais, o parente pobre da Peninsula, o povo que está aí ao lado e que os impede de mandar em todo o território para lá dos Pirineus, o último obstáculo antes de mais um troféu internacional.

Dito isso, sinto que vamos à final. E nesse jogo podem ter a certeza que muitos "madridistas" (que não espanhóis) estarão a apoiar a sua legião de jogadores. 
link

Euro 2012: Alemanha 1-2 Itália

por A-24, em 28.06.12
Diz o povo que de génios e de loucos todos temos um pouco. Há até quem diga que Balottelli de louco tem muito. Mas esta noite o avançado italiano foi acima de tudo um génio à solta, marcando o primeiro golo do jogo de cabeça a corresponder bem à assistência de Cassano e pouco tempo depois deixava os transalpinos mutilo perto da final com um fulminante remate de fora da área que Neuer não teve a mínima hipótese de defender.
Com dois golos de vantagem, os italianos sentiram-se confortáveis no jogo, responderam sempre ao jogo mais ofensivo dos alemães com perigosos contra-ataques e por três vezes estiveram perto de fazer o 3-0. Não o conseguiram e no minuto 90 o árbitro francês assinalou grande penalidade por mão de Balzaretti. Ozil não falhou e deu ponta de esperança aos germânicos.
Mas já não havia muito tempo e Itália acabou por chegar à final e demonstrar que pode muito bem surpreender Espanha no domingo, em Kiev. 

Euro 2012: Portugal 0-0 Espanha (2-4 g.p)

por A-24, em 27.06.12

Grandes penalidades acabam com o sonho português

Por Rui Miguel Melo

Portugal caiu no Euro 2012. Mas caiu de pé e só no desempate por grandes penalidades é que a Seleção Nacional foi eliminada do Europeu. Fabregas apontou o «penalty» que qualificou a Espanha para a final do Euro 2012.
Na marca dos onze metros, Portugal não teve a fortuna que o acompanhou no Euro 2004 e no Mundial 2006. Após um teimoso 0-0 no final do prolongamento, Rui Patrício até defendeu a primeira grande penalidade, de Xabi Alonso, mas João Moutinho, de seguida, permitiu a defesa de Casillas.
Bruno Alves atirou à trave na quarta grande penalidade. Fabregas não falhou e qualificou a Espanha para a final do Euro 2012, onde aguarda a Alemanha ou a Itália. Cristiano Ronaldo nem chegou a intervir...
Portugal nunca foi inferior à Espanha. Soube sofrer, soube aguentar o ímpeto atacante espanhol e só faltou alguma felicidade para chegar à final. Não foi dos melhores jogos do Euro 2012. Longe disso. Uma primeira parte com duas equipas mais preocupadas em não cometer erros do que em arriscar. Resultado? Muitas faltas e poucas oportunidades de golo.
Paulo Bento apostou na pressão alta para impedir o futebol apoiado de uma Espanha que incluiu Negredo na equipa titular. Uma opção que ninguém compreendeu. A Seleção Nacional foi um bloco coeso a defender, mas raramente criou perigo. 
A toada do jogo manteve-se na segunda parte. As entradas de Jesus Navas, Fabregas e Pedro Rodríguez tornaram a Espanha mais perigosa e Portugal só conseguiu responder nos livres de Cristiano Ronaldo.
A melhor ocasião de golo surgiu no prolongamento, com Rui Patrício a negar o golo a Iniesta, Na segunda parte do tempo extra, o guarda-redes português voltou a negar o golo espanhol, desta vez a Jesus Navas.
A lotaria das grandes penalidades não saiu a Portugal. A Seleção Nacional está fora do Euro 2012, mas sai pela porta grande.

Salário mínimo em França sobe 2% para os 1425 euros

por A-24, em 26.06.12
O executivo de François Hollande anunciou um aumento de 2% no salário mínimo nacional francês já a partir de 1 de Julho. A medida, que aumenta o valor para os 1 425,67 euros, tem como objectivo atenuar o impacto de um provável aumento de impostos e congelamento da despesa pública no país.
Os 2% de aumento traduzem-se em mais 21,5 euros ao final do mês. O aumento do salário mínimo era uma das promessas eleitorais do presidente francês.
"Temos de permitir que os trabalhadores mais frágeis que recebem o salário mínimo beneficiem deste poder de compra adicional", afirmou o ministro do Trabalho francês Micjel Sapin, em conferência de imprensa.
Actualmente, o salário mínimo está nos 1 398,37 euros brutos. Cerca de 1,6 milhões de trabalhadores recebem este valor mensalmente.

Ionline

As notícias de Portugal

por A-24, em 26.06.12
Em Portugal não é preciso ter uma bola de cristal para saber o que irá sair no telejornal ao longo do ano.
Através deste simples esquema poderá saber antecipadamente todas as notícias, relativas a Portugal, que passarão nos telejornais ao longo de vários anos:

Janeiro a Fevereiro: crise, dívida, impostos, partidos criticam governo, IVA, desemprego, futebol.

Fevereiro: Carnaval (em especial na Madeira e Torres Vedras), entrevistas a criancinhas mascaradas. 

Março a Abril: crise, dívida, impostos, partidos criticam governo, IVA, desemprego, futebol. Abril: Notícias sobre o 25 de Abril, reportagem/documentário sobre a revolução, discurso do Presidente da República, políticos comentam o discurso do Presidente da República.

Maio: Festa da Flora na Madeira e Procissão das Velas em Fátima. Crise, dívida, impostos, partidos criticam governo, IVA, desemprego, futebol.

Maio a Agosto: pseudo notícias sobre o calor, beber muita água, protectores solares e criancinhas na praia, idas de última hora ao ginásio, enchente de pessoas no Algarve, praias ribeirinhas e incêndios. Velhinhas a chorar por causa dos incêndios e bombeiros a dizer de duas em duas palavras a palavra "efectivamente". Desastres nas estradas. Pais sem ter dinheiro ou lugar onde deixar as crianças no Verão.

Finais de Agosto a Setembro: regresso às aulas e críticas ao Governo. Crise, dívida, impostos, partidos criticam governo, IVA, desemprego, futebol. Falta de dinheiro para material escolar e algumas manifestações contra as condições de certas escolas.

Setembro a Dezembro: crise, dívida, impostos, partidos criticam governo, IVA, desemprego, futebol. Pseudo reportagens de cariz natalício, em especial sobre o elevado preço do bacalhau e sobre as iluminações. Reportagem sobre o fim do ano na Madeira, a única que foca os gastos do Governo Regional no dito evento.

link

Israel expulsa imigrantes negros num crescendo de linguagem racista

por A-24, em 24.06.12
 A expulsão de imigrantes sudaneses ilegais, descritos por políticos como "um cancro", chocou Erika Davis, uma negra americana convertida ao judaísmo. "Será que os judeus se esqueceram do seu passado?"
No mesmo dia em que os primeiros 120 imigrantes ilegais eram repatriados de Israel para Juba, capital do Sudão do Sul, Erika Davis - uma "orgulhosa judia, negra e lésbica" de Brooklyn (Nova Iorque) - questionava se estes africanos teriam o mesmo destino "se fossem brancos". 
Mais do que a expulsão, iniciada faz hoje uma semana, o que mais escandalizou Erika, membro de uma organização não-governamental nos Estados Unidos, foi alguns responsáveis políticos israelitas, incluindo o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, terem insultado os imigrantes como "um cancro no nosso corpo", "uma praga nacional", "uma ameaça, por serem muçulmanos - a doença mais terrível que há no mundo", "um vírus que pode explodir a qualquer momento". 
Das cerca de 60 mil pessoas que pediram asilo em Israel, menos de 1000 são oriundas do Sudão do Sul, país recém-nascido após a divisão do Sudão entre o Norte, árabe-muçulmano, e o Sul, cristão e animista, referem grupos de apoio como a Hotline for Migrant Workers. A maioria dos que atravessaram a península egípcia do Sinai em busca de segurança - homens, mulheres e crianças - provêm da Eritreia ou de zonas do Sudão como o Darfur, onde as suas vidas correm perigo se voltarem às suas casas. 
Depois de vários dos indesejados terem sido vítimas de ataques em Telavive - casas queimadas, espancamentos e outras agressões - uma sondagem conduzida pelo Israel Democracy Institute indicou que 53% dos israelitas se identificam com as declarações dos seus políticos. Após a primeira deportação, o ministro do Interior, Eli Yshai - filho de judeus mizrahi (originários do Médio Oriente, do Magrebe ao Irão) que emigraram da Tunísia -, anunciou que as detenções de ilegais, 300 até agora, "são apenas o começo". 
"Será que em 60 anos de existência, o moderno Israel se esqueceu da sua História de perseguição, de guetos, campos de extermínio e refugiados?", revolta-se Erika Davis, autora do blogue black, gay and jewish, falando com o PÚBLICO, por telefone. "É chocante! Estamos sempre a repetir que não devemos esquecer-nos, mas parece que agora Israel vive em estado de amnésia total."
Filha de dois protestantes, mãe baptista e pai metodista, educada durante 12 anos numa escola católica, Erika Davis converteu-se ao judaísmo há um ano, numa sinagoga da congregação da Reforma (mais progressista do que a Ortodoxa). Antes, ironiza, foi uma "hippie pagã, uma aspirante a budista e uma ateia desleixada". Começou a distanciar-se do cristianismo quando tinha 21 anos (hoje tem 32), porque os seus pastores, ao contrário do seu rabi, lhe respondiam que "ia para o inferno se duvidasse que Deus criou o mundo em sete dias" ou questionasse outros dogmas.
"A religião judaica não é racista", frisa Erika. "As pessoas é que estragam tudo. Sempre houve judeus negros, com diferentes tradições, línguas e culturas - e isso é uma das belezas do judaísmo. Não é maravilhoso que os judeus etíopes tivessem preservado a sua fé até hoje? A realidade é que, em Israel e na América - sobretudo aqui devido à nossa história de segregação racial e escravatura -, prevalece a imagem do judeu branco e askhenazi [de origem europeia]. Pele branca é igual a privilégio branco."
"Se eu perguntar aos meus amigos negros judeus, de nascimento ou convertidos, se os judeus são racistas, todos responderão que sim", lamentou Erika. "Citarão o modo como os árabes são tratados em Israel e a situação dos imigrantes sudaneses ilegais. Lembrar-se-ão de palavras odiosas que ouviram numa sinagoga ou na única yeshiva [escola talmúdica] para negros. A mim já me aconteceu estar num colégio para crianças judias, de 10-11 anos, e ser confundida com uma ama, porque os miúdos não são ensinados a reconhecer a diversidade no judaísmo."

Metáforas genocidas

Ser olhada "com suspeição, apenas por causa da cor da pele" não abala a fé de Erika Davis. "Há muita hipocrisia também no cristianismo e essa foi uma das razões por que me aproximei do judaísmo, de onde emanaram as religiões monoteístas. Gosto da minha nova espiritualidade. Não foi um retrocesso deixar de aceitar Jesus como um Messias. Afinal, ele era um judeu, e morreu como judeu. Não acredito em utopias; em salvadores do mundo. Os judeus não são um povo perfeito - isso não existe!"A associação Jewish Federations of North America (que representa 157 federações e 400 redes comunitárias nos EUA, angariando anualmente 3000 milhões de dólares para serviços sociais e educativos) nomeou, este ano, Erika Davis como Jewish Community Hero. Valorizou, assim, os seus esforços para "tratar os estranhos como seres humanos, porque também os judeus no Egipto foram estranhos em terra estrangeira." 
A blogger planeia elaborar um currículo para escolas judaicas nos EUA. Quer que os alunos que partilham a sua religião aprendam que há hebreus brancos e negros." No entanto, concede, se já "será complicado" apresentar esta proposta na América, "é praticamente impossível" levá-la para Israel. Neste país, a hostilidade para com os imigrantes africanos tem motivações "mais políticas do que religiosas", e estas têm sido encorajadas por antigos imigrantes, judeus da extinta União Soviética.
Num artigo no diário hebraico Ha'aretz, o judeu americano-israelita Roi Ben-Yehuda, investigador em Resolução de Conflitos na Universidade de Columbia (EUA), lembra, a propósito das declarações xenófobas sobre os imigrantes africanos, que "todos os genocídios foram precedidos do uso instrumental da linguagem para desumanizar e demonizar uma determinada população - o Holocausto, o pior dos casos, mas também o Ruanda e o Camboja, no tempo dos khmer vermelhos." 
"Definir alguém como doença, acima de tudo doença terminal, é torná-lo não-humano, repugnante e perigoso: algo que é mutante e se alimenta de nós", criticou o autor do blogue roiword.wordpress.com, citando um excerto do ensaio Illness as Metaphor, de Susan Sontag, escrito em 1977, após lhe ter sido diagnosticado um tumor: "Descrever um fenómeno como cancro é um incitamento à violência. O uso do cancro no discurso político encoraja o fatalismo e justifica medidas "severas", assim como reforça a noção que a doença é necessariamente fatal. Embora as metáforas de doença nunca sejam inocentes, a metáfora do cancro é a pior de todas, porque implicitamente genocida."

História da maternidade Alfredo da Costa

por A-24, em 24.06.12
A Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa foi um estabelecimento de ensino superior na área da medicina e farmácia criada pelo governo presidido por Passos Manoel em 1836 por transformação da Real Escola de Cirurgia, fundada no Hospital Real de São José em 1825. Da sua fundação até 1911, ministrou o ensino superior de Medicina e Farmácia sendo então transformada na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, a qual manteve agregado a si o ensino de Ciências Farmacêuticas até 1918 tendo funcionado em condições muito precárias num edifício em ruína iminente.
                                                  Hospital Real de São José, antigo Colégio de Santo Antão
 
Todavia, ao longo da sua existência de 80 anos, conseguiu reunir um escol de professores de elevado nível. De entre os que se encontram consagrados por Columbano nos painéis expostos na Sala do Conselho Científico da Faculdade de Medicina de Lisboa, inclui-se o Professor Dr. Alfredo da Costa (1859-1910).
                                                              Alfredo da Costa (1859-1910)
                                                      
Cirurgião hábil, director de enfermaria do Hospital Real de São José, é-lhe atribuída a primeira colecistectomia realizada em Portugal. Nessa enfermaria de Santa Maria Ana tinha instalado provisoriamente uma maternidade, iniciando uma orientação para esta área da medicina, a qual lhe veio a conferir o maior reconhecimento público. Cedo chegou a Lente proprietário da cátedra de Partos, ocupando a vaga deixada por Abílio Mascarenhas, tendo tido ainda a responsabilidade transitória da regência da cadeira de Anatomia Patológica.
Alfredo da Costa desenvolveu as medidas de protecção às grávidas e aos prematuros e desenhou medidas profilácticas em relação à patologia das puérperas, acção perseverante que o coloca em lugar de destaque na medicina social da época.
                             
Em consequência do terramoto de 1755 e da destruição do Hospital de Todos os Santos mandado construir por D. João II em 1492, os doentes foram transferidos para o edifício do Colégio de Santo Antão principal casa dos Jesuítas, que lhes fora confiscada, com todos os outros bens, em execução do decreto Pombalino que do reino os expulsara. Aqui foi criado o Hospital Real de São José e das nove enfermarias de mulheres, existentes neste hospital, uma foi destinada a grávidas e puérperas. A referida enfermaria, que foi chamada de Santa Bárbara, tinha quarenta e duas camas e situava-se num extenso corredor interior, comprido e estreito, mal iluminado e deficientemente ventilado.
                             Hospital de Todos os Santos, situado nos terrenos hoje Praça da Figueira
 
Em 1906, como director da maternidade de Santa Bárbara no Hospital Real de São José, Alfredo da Costa não se cansava em vão de pedir melhoramentos para esta ao Enfermeiro - Mor dos Hospitais, ao tempo o médico Dr. Curry Cabral, amigo e companheiro de consultório de Alfredo da Costa.
Desesperado por não conseguir melhorar as condições indignas em que a grávidas e puérperas viviam na Maternidade, elaborou exaustivo relatório, onde na sua introdução começava por questionar «Maternidade ou antecâmara de um inferno feminino?» que dirigiu ao Conselho da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, mesmo sabendo-se sujeito à malquerença «de quem de direito».
Ao fim de anos de luta Alfredo da Costa parecia ter tido eco do seu enorme esforço na construção de uma Maternidade ao ver inscritas verbas para a sua construção no Orçamento de Estado; ter sido escolhido o local da sua construção; ter sido feito o cálculo de despesas assim como o anteprojecto da construção mas, apesar de tudo isto, infelizmente não se veio a concretizar a construção da mesma.
Teve conhecimento da autorização dada pelo Governo, pela lei de receita e despesas, para o exercício de 1904 - 1905, publicada no Diário do Governo de 24 de Novembro de 1904, para realizar com a Caixa Geral de Depósitos um empréstimo de 300 contos de reis, amortizável em 30 anos, para obras de beneficiação de hospitais, especialmente a adaptação do extinto convento de Santa Marta em um hospital para tratamento de doenças venéreas e a apropriação do antigo edifício da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa a uma Maternidade.
Mais uma vez, apesar dos esforços desenvolvidos pelo professor Alfredo da Costa, não se viria a concretizar o seu sonho uma vez que a totalidade da verba viria a ser dispendida na construção do hospital para doenças venéreas instalado no antigo Convento de Santa Marta, hoje Hospital de Santa Marta. Inicialmente como um anexo do Hospital Real de São José, passou a integrar o Grupo Hospitais Civis de Lisboa em 1903. Em 1910 viri a ser atribuída oficialmente ao Hospital de Santa Marta a função de Escola Médico Cirúrgica de Lisboa.
                                                          Hospital de Santa Marta, na Rua de Santa Marta
 
De lembrar que o Professor Alfredo da Costa distinguiu-se também pela notável colaboração médico-social que deu à Rainha D. Amélia, fundadora em 1899 da "Assistência Nacional aos Tuberculosos", na luta contra a tuberculose, e por ter sido um distinto cultor do jornalismo médico.
Em 2 de Abril de 1910 falecia o ilustre professor, sem ter visto realizado o sonho que acalentava desde 1898, ano em que assumiu a regência da cadeira de Obstetrícia da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, para o qual sempre com tanta dedicação e entusiasmo trabalhara. Em 15 de Maio de 1910, amigos e admiradores formam uma comissão de homenagem ao professor Alfredo da Costa, que outra não podia ser do que a efectivação do sonho de toda a sua vida.
A sua concretização, sob o projecto inicial do arquitecto Miguel Ventura Terra, ficou a dever-se ao empenho dos professores Professor Dr. Augusto Monjardino e Professor Dr. Costa Sacadura que vieram respectivamente a desempenhar as funções de Director e Subdirector da "Maternidade Dr. Alfredo da Costa". Estes dois médicos e professores de medicina viriam a ser presidentes da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa.
                           Professor Augusto Monjardino                       Professor Costa Sacadura
                                  Costa Sacadura
                                Exteriores da "Maternidade Dr. Alfredo da Costa" em fotos de 1932
                       
                                                   Páteo interior                                           Arq. Miguel Ventura Terra
           Miguel Ventura Terra
                        
Foi em 1914, sendo Ministro do Interior Dr. Rodrigo Rodrigues, que se resolveu nomear uma comissão para construir o edifício, comissão esta que foi mais tarde, em 1915, nomeada pelo Presidente da República Dr. Bernardino Machado. A verba inicialmente dotada para esse efeito foi de 250 contos (1.250 €), considerada suficiente para a construção do edifício.
A I Grande Guerra Mundial veio complicar os planos e a desvalorização da moeda aumentou consideravelmente os orçamentos iniciais. Assim se foi arrastando a construção , com vontade e querer, até que um anónimo entregou ao Professor Dr. Augusto Monjardino a quantia de 1.500 contos (7.500 €), que veio dar um grande impulso às obras já iniciadas.. Ao mesmo tempo conseguia-se o fornecimento de grande parte do mobiliário, na importância de 800 marcos ouro aproximadamente, entretanto recebidos pelas reparações de guerra. Por fim o Ministro das Finanças incluiu no orçamento do Estado a verba necessária para a conclusão das obras , que se elevou a 3.600 contos (18.000 €).
No dia 31 de Maio de 1932, é inaugurada pelo Presidente da República general Óscar Carmona a Maternidade de Lisboa sob o nome de "Maternidade Dr. Alfredo da Costa" em justíssima homenagem à vida e à obra de quem por ela primeiro lutara. No dia 5 de Dezembro de 1932 abre finalmente ao público.
                                      Interiores da "Maternidade Dr. Alfredo da Costa" em fotos de 1932
                                    Anfiteatro                                                                    Átrio principal no r/c
 
                                                                                 Refeitório
                               
                                 Biblioteca                                                                          Hall do 2º piso
 
Concluído o edifício da "Maternidade Dr. Alfredo da Costa" começou desde logo a ser elaborado o projecto de dispensário, que se destinaria ao desenvolvimento da obra social da Maternidade.
O discurso do Dr. Augusto Monjardino na inauguração desta Maternidade terminou com as seguintes palavras:
«Esta casa é destinada aos que nascem, aos que querem viver e que sempre deveremos receber alegre e festivamente e de alegria e de festa começa por ser o dia de hoje; mas quanto mais alegre é a festa, maior deve ser a lembrança dos que tanta ou maior alegria teriam do que nós, se ainda existissem. É por isso que eu neste momento não posso deixar de pensar com sentida saudade em Alfredo da Costa, nosso mestre e inspirador e em Ventura Terra arquitecto, que deu forma e realização às inspirações do seu mestre.»
                               Sala de cirurgia                                                                   Laboratório
 
                                 Lavandaria                                                               Sala de Esterilização
 
                                                                                   Cozinha
 
A lotação inicial da Maternidade era de 300 camas, 250 das quais destinadas a Obstetrícia e 50 a Ginecologia. Entretanto, observou-se um movimento muito rápido de crescimento e o número de grávidas com assistência médica pública sextuplicou logo no l° ano. Mais tarde foi introduzida a especialidade de Puericultura.
                     Internamento de grávidas                                                          Sala de partos
                                                                  Enfermarias de puérperas
 
                                    Berçário                                                                Berçário em isolamento
 
No dia 5 de Dezembro, dia da abertura ao pública desta Maternidade o Diário de Lisboa escrevia: «Logo de manhã entraram duas doentes, daqui a a uma semana haverá duzentas. Vimo-las na enfermaria, que é linda, de brancos resplandecentes, camas mecânicas, biombos, luz difusa, pequenos berços, açafates de verga de ferro, que ainda não têm flores - numa atmosfera carinhosa e dôce, que não sufoca, provocando antes um sorriso de alegria e de admiração. Pois foi possível fazer isto em Portugal? Foi!.»
Os serviços estavam organizados em duas secções: Uma de Obstetrícia, e outra de Ginecologia. A primeira secção tinha como serviços: admissão de grávidas, no nono mês, que necessitassem de tratamento; puérperas normais; puérperas febris; isolamento e serviços de urgência. Na segunda secção funcionavam as consultas externas, existindo ao todo seis de obstetrícia e ginecologia, tanto para observação, como para tratamento de doentes.
«Das trezentas camas existentes nesta Maternidade, dois terços são para indigentes, e um terço para pensionistas, cujo preço de estadia varia entre os 20 e os 30 escudos diarios, e «porcionistas», isto é, doentes recomendados por Câmaras Municipais, associações, indivíduos idoneos, etc., pagando parte da hospitalização, ou seja, dôze escudos e cinquenta centavos.»
Em 6 de Dezembro de 1932, foi admitida nesta Maternidade a primeira grávida, chamava-se Glória Virgínia, tinha 18 anos, era natural de Tomar, coube-lhe o boletim nº 1, viria a dar à luz um rapaz com 3,500 Kg no dia 23 de Janeiro de 1933.
Entre 6 e 31 de Dezembro de 1932 foram efectuados 96 partos tendo correspondido a 97 nascimentos, o primeiro ocorreu às 23.30 h do dia 8 de Dezembro de 1932. Foi uma rapariga, que nasceu com 2,500 Kg, a quem foi dado o nome de Maria da Conceição. Era o primeiro filho de Flora Martinho, de 19 anos de idade. Mãe e filha tiveram alta no dia 22 de Dezembro.
                                                                                       
Em 1957 é criada uma unidade de cuidados especiais: Permaturos. Após a aprendizagem em França, Rosa Paixão, médico e puericultor, e Teresa Leça da Veiga, enfermeira, inauguraram em 1957, esta unidade que viria, pela sua importância, a constituir o antepassado heróico do que hoje conhecemos como Unidades de Cuidados Especiais ao recém-nascido. Num semanário da época podia ler-se: «(..) é o grito mais gritante, em defesa de um direito que tanta controvérsia tem dado: o de nascer.» Neste mesmo artigo apelava-se para que o transporte do recém-nascido prematuro que nascesse onde quer que fosse estivesse a cargo da "Maternidade Dr. Alfredo da Costa" que disponibilizaria uma equipe (enfermeira e servente) e uma incubadora rudimentar, já que apenas respondia à necessidade de prevenir o arrefecimento.
                                               Incubadora para recém-nascido permaturo em 1957
                               
Equipados os profissionais com barretes, com botas e com máscaras, à semelhança da prática de outros hospitais na Europa e América, procuravam assim criar uma barreira física, pois acreditavam que, desse modo, as crianças não se infectariam. Os recém-nascidos, eram alimentados por sistemas nasogástricos, hoje considerados arcaicos mas que, na altura, seriam o grito da sofisticação em cuidados especializados. Eram considerados de risco os recém-nascidos que pesavam 2,5 kg, já que a idade gestacional era um parâmetro não valorizado. Os que pesavam 1500 gr, ou menos, eram considerados como “impossíveis” de cuidar.
Em 1977 foi criada a Unidade de Cuidados Intensivos ao recém-nascido.
Desde a sua abertura, até ao ano de 2005 tinham nascido na "Maternidade Dr. Alfredo da Costa" mais de 540 mil crianças, número que fez desta instituição a maior de Portugal, mas … ao que tudo indica, pelas notícias vindas a público este ano, esta Maternidade será encerrada até ao final deste ano de 2012 …
                                                           
in Restos de colecção

Euro 2012: Espanha 2-0 França

por A-24, em 24.06.12

Espanha bateu franceses com “bis” de Xabi Alonso. Selecção gaulesa sempre muito cautelosa pouco ameaçou a roja, que defronta Portugal nas meias-finais.

A Espanha não sentiu dificuldades em vencer (2-0) a França e carimbar a passagem às meias-finais do Euro 2012. O herói da noite foi Xabi Alonso, que apontou os dois golos na partida que marcou a sua centésima internacionalização pela selecção espanhola. O primeiro aos 19’, de cabeça, em resposta a um cruzamento de Jordi Alba. E depois nos instantes finais do jogo, na transformação de uma grande penalidade a castigar derrube de Pedro Rodríguez. A roja ficou com encontro marcado frente a Portugal, na meia-final que se disputa na quarta-feira em Donetsk.

A responsabilidade da Espanha na partida era considerável: não só defendia o título europeu conquistado há quatro anos, como enfrentava um adversário tradicionalmente complicado. Isto porque a selecção espanhola nunca tinha vencido os franceses em jogos oficiais. Mas há sempre uma primeira vez para tudo, como Xabi Alonso e companhia se encarregaram de demonstrar.


Vicente del Bosque repetiu a aposta feita no primeiro jogo do Euro, com Cesc Fàbregas a jogar como “falso avançado”. Foi a única novidade na roja, contra um adversário que se apresentou sempre muito recuado. Laurent Blanc, que tinha confessado publicamente ser adepto do futebol praticado pela Espanha, foi excessivamente respeitoso. Como um fã deslumbrado, não foi capaz de contrariar o objecto da sua admiração. Sem o castigado Mexès, Koscielny foi titular no centro da defesa. Adiantou o habitual defesa direito Debuchy para o meio-campo, colocando Réveillère a fechar esse lado da defesa. E ainda deixou Nasri, muito criticado pela imprensa francesa, no banco de suplentes.
O diário britânico The Guardian caracterizava o confronto como um embate entre um projecto de arte modernista espanhola (numa táctica 0x10x0) e um autocarro francês (alinhado em 10x0x0). E o desenrolar da partida deu-lhes razão. A França praticamente não existiu, deixando a Espanha confortável para as longas e hipnóticas trocas de bola a que habituou os adeptos de futebol.
O domínio espanhol não sofreu contestação na primeira parte. A roja terminou os primeiros 45’ com 60% de posse de bola e seis remates contra dois dos franceses. A superioridade da Espanha materializou-se aos 19’, com o primeiro golo de Xabi Alonso. Lançado por Iniesta, Jordi Alba desembaraçou-se de Réveillère e cruzou para a área, onde o médio do Real Madrid surgiu completamente sozinho, a cabecear para o fundo da baliza de Lloris.
A França parecia satisfeita por só estar a perder pela margem mínima ao intervalo. Mas a segunda parte não trouxe qualquer mudança na atitude dos bleus. Com um jogo sempre demasiado lento e denunciado, a equipa de Laurent Blanc sentia dificuldades em chegar com perigo à baliza de Casillas. Aos 65’ o técnico lançou Nasri e Ménez, mas pouco ou nada mudou. A França andou sempre longe da área e não acrescentou nenhum remate enquadrado com a baliza ao único que tinha feito na primeira parte.
Pelo contrário, Vicente del Bosque acertaria com a entrada de Pedro Rodríguez, que seria derrubado por Réveillère já no tempo de compensação, conquistando um penálti. Chamado a converter, Xabi Alonso bateu Lloris pela segunda vez.

A Espanha resolveu sem dificuldades a partida contra a França e prepara-se para enfrentar Portugal na máxima força. Se há um ensinamento que Paulo Bento pode tirar da exibição feita pela formação de Laurent Blanc é que adaptar a matriz da equipa ao estilo da roja é o primeiro passo para ficar descaracterizado e, assim, perder.

Ficha de jogo

Arena Donbass, em Donetsk (Ucrânia)
Assistência: 50 mil espectadores

Espanha-França, 2-0
Ao intervalo, 1-0
Marcadores
1-0, Xabi Alonso, 19 minutos
2-0, Xabi Alonso, 90'+1' (grande penalidade)

Espanha Casillas, Arbeloa, Sergio Ramos, Piqué, Jordi Alba, Xabi Alonso, Busquets, Xavi, David Silva (Pedro, 65'), Iniesta (Cazorla, 84') e Fàbregas (Torres, 67')
França Lloris, Réveillère, Koscielny, Rami, Clichy, Cabaye, M'Vila (Giroud, 79'), Malouda (Nasri, 65'), Debuchy (Ménez, 64'), Ribery e Benzema

Árbitro: Nicola Rizzoli (Itália)
Acção disciplinar: cartão amarelo para Sergio Ramos (31'), Cabaye (42') e Ménez (76')

Índia: Barragens versus religião

por A-24, em 23.06.12
Eu não sei se as mais de 50 barragens previstas pelo governo indiano para o rio Ganges são, ou não, um bom projecto em termos globais e há relatórios de especialistas que apontam no sentido de ser aconselhável desistir de uma parte delas por razões ambientais. 
Algumas barragens da Índia
A polémica está lançada, há quem acuse os Estados Unidos de fomentarem esta contestação porque a construção das centrais eléctricas provocará um forte decréscimo da venda de urânio à Índia e o governo indiano vem agora dizer que está disposto a reduzir em 50% a produção de energia prevista, de modo a salvaguardar a sobrevivência da vida aquática e o débito do rio. 
Mas não é só, nem sobretudo, este tipo de contestação que está em curso, mas sim a de carácter religioso: centenas de sadhus insurgem-se, indignados, contra o «assassínio da mãe Ganges», afirmam que as barragens serão construídas sobre os seus cadáveres e que podem misturar o seu sangue com o cimento. 
Todos os anos, há milhões de hindus que vão em peregrinação a locais que acreditam terem a função de purificar a alma, dissolver os pecados e garantir uma vida melhor depois da morte. Banham-se e bebem a água de um dos dez rios mais poluídos do mundo, não apenas por causa de resíduos industriais, mas principalmente por lançamento de esgotos não tratados. São queimados em crematórios instalados nas margens do rio e neste são lançadas as cinzas. 
Já me cruzei com o Ganges mais de uma vez. Mas nunca como em Varanasi, que guardo como símbolo de horror, e onde não voltaria nem que me pagassem fortunas. 
Numa cidade enorme e miserável, ao nascer do dia vêem-se velhos ex-leprosos estropiados a pedirem esmola, banhos de multidões na tal água indescritível, crematórios em pleno funcionamento (poupo a descrição dos cheiros…), eventualmente corpos de crianças mortas a boiarem – as crianças não são queimadas, mas sim atiradas ao rio sem que, por vezes, a pedra ao pescoço, que é suposto afundá-las, tenha sido devidamente colocada. Eu vi uma que deveria ter seis meses (está nesta foto). 
Não me falem de crenças religiosas e de diferenças culturais dignas de respeito porque não aceito, pura e simplesmente. Tudo tem limites. 

Que venham as barragens!

Fonte

José Milhazes sobre a história do KGB

por A-24, em 23.06.12
Texto enviado pelo leitor Jest:
"Em 1992 a jornalista investigativa, cientista política, escritora e mulher da rádio, Yevgenia Albats (atualmente a editora-chefe da edição russa da revista The New Times Magazine), publicou o livro “Mina de ação retardada. Retrato político do KGB” (editora Russlit, ISBN 5865080091).

20 anos depois é possível constatar que vários métodos criados e usados pelo KGB nas décadas de 1960 – 1990 são diariamente usados pelos seus sucessores. Dai a necessidade de voltar ao trabalho de Albats para perceber melhor como um dos mecanismos do poder gradualmente se transformou no poder em si...

KGB e Igreja Ortodoxa Russa

KGB recrutava os informadores entre a hierarquia da igreja: agente “Abado” é chefe do Departamento editorial da Patriarquia de Moscovo, Metropolita Pitirim, agente “Drozdov” era último patriarca da IOR, Alexis II, em relação ao qual, como testemunham os documentos do KGB de 1988 foi “preparada a ordem do chefe do KGB da URSS sobre a condecoração do agente “Drozdov” com a “Diploma de Honra”. “Nenhuma candidatura do bispo, ainda mais de alta hierarquia, muito menos o membro do Sínodo Sagrado, não passava sem a confirmação do Comité Central do PCUS e do KGB,” – testemunha o ex-chefe do Conselho das religiões do Conselho de Ministros da URSS, Konstantin Kharchev. “Os contatos com KGB, para não dizer pior – o trabalho para KGB era a condição indispensável para a subida na carreira na IOR: praticamente não havia exceções”, – afirma padre Gleb Yakunin.

KGB e a opinião pública mundial

“Além da informação, PGU gasta os seus esforços para a criação de desinformação. Para isso existe o serviço especial das “ações ativas”. Este serviço estava infiltrado entre os “movimentos da paz” fora da URSS, desempenhando entre eles um papel importante. O Serviço “A” trabalhava com a disseminação de notícias falsas, principalmente nos países do terceiro mundo. Uma delas é a versão do que SIDA foi o resultado dos experimentes americanos com as armas biológicas. Em 1986-87 essa versão foi ativamente propalada nos jornais soviéticos. “Gazeta Literária” publicou, “Moscow news” resistia como podia. “MN” na altura era órgão da Agência de Imprensa Novosti (APN), cujo chefe era ex-secretário do Comité Central do PCUS, ex-embaixador da URSS na RFA, Valentim Falin, pessoa bastante educada e intelectual. Falin praticamente “torcia as mãos” ao editor do “MN”, Yegor Yakovlev, o obrigando publicar o artigo sobre “crime hediondo do militarismo americano”. Yakovlev resistiu, parcialmente graças à opinião do acadêmico imunologista Rem Petrov, que nas conversas privadas chamava essa versão de “invenção doentia”.

Os dados da Procuradoria-geral da Rússia apontam que entre 1981 e 1991 a pobre URSS transferiu aos partidos comunistas e de esquerda, mais de 200 milhões de USD. Por exemplo, KGB informava que “em resultado das eleições legislativas em Sri Lanka, o principal partido oposicionista do país – Partido da Liberdade da Sri Lanka (PLSL), encabeçada pela Sirimavo Bandaranaike, recebeu a ajuda financeira para a condução da campanha eleitoral do partido (Deliberação do Comité Central do PCUS № 216 K/OB de 3.02.89), aumentando a sua representatividade no órgão legislativo de 8 para 67 deputados. Além disso, com o nosso auxílio material, no parlamento foi colocado um certo número dos contatos de confiança do KGB da URSS, quer do PLSL, quer do Partido Nacional Unido (PNU).

“Caros camaradas! Nós próprios, claro, tentamos receber os recursos financeiros, nomeadamente através dos pagamentos de resgates pelos representantes da oligarquia local, quando os conseguimos raptar. Mas o desenvolvimento da luta armada contribui para que quase todos eles deixassem o país e agora vivessem no estrangeiro”, com essa espontaneidade infantil escrevem os pedintes de um país latino-americano (Estenograma da audição parlamentar de investigação das atividades económicas do PCUS, p. 8).

KGB e a juventude

O 5° Departamento (contrainteligência ideológica) controlava os principais estabelecimentos de ensino de Moscovo. A faculdade filológica da Universidade Estatal de Moscovo era conhecida como a “faculdade das esposas diplomadas”, concorrida pelos filhos da nomenclatura comunista e estatal. Os camaradas sabiam que faculdade era servida pelo KGB, por isso ligavam-nos. Nas comissões de admissão sempre estava gente do KGB, agentes, pessoas de confiança ou “contatos”. KGB lhes entregava a lista, quem deveria entrar ou quem não deveria…

Quem não deveria, obviamente não entrava. “Durante a verificação prévia dos candidatos que concorriam ao Instituto de Literatura, em relação de alguns deles foram recebidos os materiais que os comprometiam. Na base destes dados, os candidatos Romanchuk, Kasianov, Chernobrovkin, Osipova foram barrados à admissão durante o processo de exames de admissão”, informava o departamento em 1985. Tudo isso continuava durante a Perestroica, “junho-agosto eram os meses mais quentes, mas muitos fizeram a sua carreira nisso, os pais sabiam agradecer”, conta um dos veteranos do KGB.    

KGB: estado dentro do estado

KGB possuía: inteligência, contrainteligência, polícia secreta, comunicações governamentais, exército de guarda-fronteira, departamentos de investigação, contando com o Departamento da luta contra o crime organizado, exército. Além disso, tinham uma rede fechada de institutos de investigação e uma rede aberta, executando os pedidos do KGB. Em 1991 o KGB tinha a intensão de criar a Direção ecológica. E claro, tinham todo o resto, desde a religião até o desporto.

Os dados do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa apontam que dos 3.900 funcionários do MNE da URSS, 2.200 trabalhavam para KGB e GRU. Boris Pankin, o ex-embaixador soviético na Checoslováquia, último Ministro dos Negócios Estrangeiros soviético e desde 1991 embaixador russo na Grã-Bretanha conta: “Nas embaixadas cerca de metade do pessoal eram “aqueles rapazes”. Eles controlavam o coletivo, por vezes até os embaixadores estavam nas suas mãos. Na Checoslováquia chegou-se ao ponto de até os diplomatas de carreira, para aumentar o seu rating, difundiam um rumor: eu não estou cá de qualquer maneira, estou pela ordem (do KGB)”.

País dos informadores

Após a abertura dos arquivos, foi sabido que a Stasi da RDA tinha 180.000 agentes no universo populacional de 16,5 milhões; StB na Checoslováquia possuía 140.000 informadores, entre eles 12 membros do parlamento e 14 ministros e vice-ministros, no universo de 15,5 milhões de habitantes. Usando a mesma proporção, podemos chegar a conclusão do que na URSS com o KGB colaboravam no mínimo 2.900.000 cidadãos. O coronel do KGB na reforma, Yaroslav Karpovich, que toda a sua vida trabalhou na contrainteligência ideológica afirma que cerca de 30% da população adulta da URSS de uma ou de outra maneira, como a pessoa de confiança ou como “ajudante informal”, trabalhou para KGB. 

As raízes do KGB

O Conselho dos Comissários do Povo aprovou a deliberação oficial sobre o Terror Vermelho em 5 de setembro de 1918. Desde ai, a sigla VCheKa era decifrada popularmente como – o Fim de Cada Homem… “O nosso terror é um terror forçado, – afirmavam os líderes bolcheviques. Não é terror do CheKa, mas o terror da classe operária”. Os líderes do CheKa eram mais honestos: “Com a vassoura de ferro iremos varrer toda a canalhice da Rússia Soviética, – escrevia na revista “Terror Vermelho” de 1 de novembro de 1918, o chefe do CheKa ucraniana, Martin Latsis. — Não procurem no caso do acusado as provas se ele se sublevou contra os Sovietes com as armas ou com as palavras. Primeiramente, vocês se devem perguntar, à que classe social ele pertence, qual é a sua origem social, qual é a sua formação acadêmica e qual é a sua profissão. Estas perguntas devem ditar o destino do acusado. Nisso está o significado do Terror Vermelho”.

Já em 29 de abril de 1969, o futuro líder soviético, Yuri Andropov escreveu a carta ao Comité Central do PCUS, propondo a abertura de uma rede das clínicas psiquiátricas para a defesa do “regime estatal e social soviético”.

Uso do legado nazi

Após a vitória na “Grande Guerra Patriótica”, milhares de prisioneiros soviéticos libertados dos campos de concentração nazis foram enviados em massa aos campos de concentração soviéticos na Sibéria. Além disso, apenas 3 mesas apos a capitulação da Alemanha nazi, no dia 12 de agosto de 1945, no campo de concentração de Buchenwald apareceram os primeiros prisioneiros da NKVD. A URSS também usou o campo de concentração de Sachsenhausen e outros, no total 11, onde pelos dados da RFA morreram cerca de 65.000 homens, mulheres e crianças.

Os arquivos do NKVD – KGB

O espião se tornou a profissão mais massificada na URSS. Os dados do NKVD apontam que nos três anos, de 1934 à 1937 o número de presos pela espionagem aumentou em 35 vezes (entre eles à favor do Japão em 13 vezes, Alemanha – 20 vezes, Letônia – 40 vezes).

Os arquivos do KGB contam por vezes coisas impensáveis. Sobre a prisão do alfaiate por colocar o forro errado, do músico por tocar mal no concerto e desagradar o chefe do NKVD, da professora que atribuiu a nota “errada” à filha do investigador…

Contam sobre o uso dos clisteres de água escaldante, das celas de 50 x 50 sentimentos como no NKVD da Ossétia do Norte. Contam que tortura não significa necessariamente o espancamento brutal. É possível não bater, mas não deixar de ir à casa de banho durante as interrogações intermináveis – “assinas – vou deixar” (tática usada em menor escala e intensidade ainda nos anos 1980). Deixar sem comida durante vários dias e almoçar em frente do interrogado. Não deixar dormir durante dias. Proibir mexer com os dedos das mãos ou pês. Oferecer a água de sanita à pessoa que sente a sede insuportável. Mandar para os “banhos frios” com o chão de cemento, algemar ao aquecedor quente e prometer fazer o mesmo com a filha… Tudo isso são métodos de “trabalho” de apenas um investigador do NKVD-MGB.

O escritor Lev Razgon assinou tudo. O investigador não o batia, apenas o informou que se ele não assinar, a sua esposa Oksana, que tinha uma forma grave de diabetes, será privada de insulina. “Claro que eu concordei: privar Oksana de insulina significava mata-la”, dizia Razgon. Ela foi privada de insulina na mesma e morreu durante a etapa, no caminho para 
o campo de concentração. Tinha 22 anos.

Um outro processo: “Interrogavam toda a noite – 17 horas… Sem dormir, sem comer… Exigiam o testemunho falso…” Ano 1988! Moscovo…      

A ciência de violar a vida privada

A colocação do sistema de escutas nos apartamentos que permitia saber, escutar e ver tudo o que lá acontecia era um processo bastante caro. Primeiro, se deveria saber quem vivia nos apartamentos ao lado, nos andares de cima e de baixo, por vezes em todo o prédio. Depois se devia criar a possibilidade de afastar estes moradores. Nos seus locais de trabalho combinava-se com o departamento de recursos humanos para lhes conceder as férias, respetivamente se obtinham as guias para um sanatório ou casa de repouso decente. Por vezes se dizia às pessoas que por causa da segurança estatal eles deveriam ir para a sua casa de campo ou em missão de serviço. Depois vinha o pessoal da 12° departamento e colocava os aparelhos: microcâmara era colocada através do teto do apartamento de cima ou em algum ponto que não dava nas vistas, por exemplo atrás do guarda-roupa. Um pintor especial pintava ou colava partes danificadas, de maneira que o objeto destas ações nunca desconfiava do sucedido. Tudo isso, se a pessoa do interesse do KGB não estava na cidade. Caso contrário, a pessoa era bloqueada por um grupo do KGB no serviço, outro bloqueava o serviço da esposa (marido) e a terceiro se introduzia em casa e executava a tarefa.

KGB e finanças

A 6ª Direção do KGB trabalhava com as empresas joint-venture. O dinheiro do KGB e do PCUS, qua usavam os fundos do país ao seu prazer, foram aplicados como o capital inicial dos cerca de 80% de novos bancos, bolsas e empresas comerciais soviéticas. O papel de liderança nestes empreendimentos pertencia ao KGB, por um lado, a 6ª Direção tinha como os consultores os melhores economistas soviéticos, por outro lado tinha a experiência prática na criação de empresas e firmas de fachada para os seus agentes ilegais em todo o mudo, em todo o tipo das economias do mercado.      
Em 1992 se sabia sobre 600 empresas comerciais e bancos, onde foram colocados cerca de 3 biliões de rublos do PCUS e do KGB. Quantas empresas foram criadas na URSS e no estrangeiro sobre as quais nunca se saberão as suas origens?

Em desafio do sistema

Em março de 1939 na Ossétia do Norte foi aberto o “processo juvenil”, habitual caso falsificado, que permitiu fuzilar os líderes da juventude comunista local. O advogado de um dos acusados, Yasinskiy, tentou argumentar que o seu constituinte foi alvo de métodos ilegais de investigação. Foi um ato da coragem de cidadania e do desespero, o seu cliente foi fuzilado. O próprio advogado foi preso no dia seguinte após o fim do processo, condenado pelas “calúnias” e morreu no campo de concentração.      

Mas será que havia no NKVD – KGB as pessoas que se recusavam a espancar, torturar, maltratar as pessoas? Havia! O chefe da Direção do NKVD da região do Extremo Oriente, Tereniy Deribas se recusou prender as pessoas baseando-se nos testemunhos falsos – foi fuzilado. Investigador Glebov se recusou recolher “os testemunhos” contra o comandante Iona Yakir. Foi fuzilado. Os chefes das direções provinciais do NKVD – Kapustin e Volkov se suicidaram. O procurador da cidade de Vitebsk (Belarus Soviética) teve e ideia “descabida” de verificar a legalidade da detenção dos cidadãos nas celas do NKVD provincial. Fuzilado.

A ideologia do KGB

Os dados do inquérito do laboratório sociológico do KGB da URSS, conduzido em maio – junho de 1991 apontam que:
— 50% dos estudantes da escola superior do KGB da URSS seguiam a dupla moralidade, acreditando que existe a moral para os seus e para os alheios; 35,5% acreditavam que “meta justifica os meios”; 33,3% consideravam que moral do KGB difere da moral dos cidadãos; 
— 77,6% acreditavam que a sabotagem era a causa da situação difícil do país; 19,3% culpavam disso os serviços secretos ocidentais; 13,4% acreditavam que os líderes informais radicais eram financiados pela CIA global; 42,3% culpavam a CIA em relacionamentos interétnicos cada vez mais tensos na URSS;  
— 62,6% aprovavam o uso da força para dispersar as manifestações pacíficas, mesmo se isso significaria verter a sangue, como aconteceu em abril de 1989 em Tbilissi.

Porquê KGB permitiu o colapso da URSS?

Se KGB era tão poderoso, porquê não evitou a derrocada da URSS. O livro da Yevgenia Albats explica isso assim: “O segundo escalão do poder, não participando no golpe, consegui retirar da cena política aqueles, que nele tiveram os papéis principais. Temo que exatamente agora, na situação de caos e da falta total do poder, exatamente este segundo escalão do poder, não comprometido com o golpe, irá chegar aos mecanismos da direção do país”.

Fragmentos do livro:

Texto integral do livro:

Pág. 1/7