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A-24

Uma Renascença multicultural

por A-24, em 02.05.12
Esqueçamos o conformismo, a corrupção e o fascínio pelas elites! Demos lugar à juventude misturada, móvel e solidária. É este o apelo feito pela economista italiana Loretta Napoleoni numa carta ao seu filho. 

Querido Julian,
No ano que vem, fazes 18 anos e acabas o ensino secundário, sem dúvida com excitação mas também preocupado. Para o adolescente médio europeu, o futuro deve ser uma visão de aventura e ao mesmo tempo de desolação. Uma visão obscurecida pelo desemprego, pela dívida descomunal, pelos vaticínios de desastre monetário e pela fraca perspetiva de uma carreira profissional segura.
Há 35 anos, uma geração então a sair da escola – a dos teus pais – tinha pela frente um futuro semelhante, excitante e sombrio por igual. Ao atingir a maioridade numa altura em que não se podia esquecer o holocausto nuclear e o terrorismo, essa geração teve de lidar com uma inflação de dois dígitos e com o desemprego. Apesar disso, lançou uma revolução sexual, defendeu o comunismo e o anticonformismo.
Nos anos 1970, essa geração também saiu à rua, gritando palavras de ordem contra os governos, opondo-se a reformas do ensino consideradas retrógradas e elitistas. Exigia o livre acesso às universidades, num continente como agora à beira de um colapso político. Então, a Cortina de Ferro caiu, a Alemanha realizou o seu sonho persistente de reunificação e a Europa até superou a crise da energia.
Em meados dos anos 1980, as economias europeias começaram a crescer de novo e beneficiaram daquilo que parecia ser um longo período de estabilidade. Mas tudo isto viria a revelar-se uma enorme ilusão.
Quase toda a gente – dos políticos aos banqueiros – abusou da tímida recuperação alcançada, tirou partido da desregulamentação e da transferência de funções para o exterior, subcontratou tarefas no estrangeiro, ao mesmo tempo que era desmantelado o que restava do Estado de bem-estar. Em apenas uma geração, as desigualdades de rendimentos fizeram-nos regressar à situação de entre as duas Guerras, preparando o terreno para uma nova Grande Depressão – só que, desta vez, mesmo à nossa porta.
Que foi que correu mal? O nosso desejo endémico de fazermos parte de uma elite, de sermos diferentes, de sermos ricos e poderosos, de construirmos impérios. Um ouro que justifica todos os meios. Os europeus vão ser sempre a prole de Maquiavel, encurralada numa montanha russa histórica capaz de nos trazer uma Revolução Francesa derrubadora de monarquias e, a seguir, alguns anos um Napoleão Bonaparte como imperador. Para sempre prisioneiros das nossas contradições, rejeitamos a igualdade, mesmo quando aclamamos a democracia. Não evoluímos – fracassamos. Mas, apesar disso, a esperança existe.
A nova geração de adolescentes é a primeira que já nasceu dentro da amálgama multicultural da Europa Unida, que já não é povoada apenas por europeus. O multiculturalismo poderá muito bem ser o salvador, que nos libertará do colete-de-forças da nossa história, arrastando o velho continente para uma situação em que outras etnias, menos desenvolvidas do que a nossa mas menos cínicas e mais positivas, desempenharão um grande papel para o futuro desse mesmo continente.
Ao ver as manifestações de estudantes em Parliament Square, em Londres, recentemente, vi uma nova Grã-Bretanha e uma nova Europa. Este país nunca assistira antes àquele tipo de protesto – talvez apenas quando Thatcher quis introduzir o poll tax [imposto municipal] – mas, na altura, a motivação era o dinheiro e não a igualdade.
O sangue novo dos filhos dos imigrantes anima o protesto transnacional e, ao mesmo tempo, cimenta a solidariedade entre os jovens da Europa. Igualmente na defensiva em relação ao amanhã mas decididos a não deixar que a história se repita, os adolescentes querem uma Europa diferente. A sua solidariedade voa sobre as asas da Internet, a praça pública internacional que faz a ligação à WikiLeaks, ao [fórum de] Porto Alegre e a todas as outras iniciativas com vista a transformar o planeta.
Quem me dera ser nova outra vez, para seguir essa via contigo, para partilhar a experiência de remodelar um continente. A minha geração teve sonhos parecidos mas não conseguiu realizá-los. À medida que nos tornávamos adultos, reagrupámo-nos em velhas e novas elites. E é por isso que a corrupção, a desigualdade, a criminalidade são hoje desenfreadas, é por isso que somos governados por uma classe de incompetentes e que uma imprensa de celebridades nos enche de histórias que não queremos ler ou ouvir. Irão vocês vencer onde nós falhámos?
Acredito que sim, porque o paradigma sociocultural da Europa mudou finalmente e aqueles que hoje nos governam não representam essa mudança. Quando a vossa geração chegar ao poder, o paradigma político alterar-se-á inevitavelmente.
Os europeus deixarão de ser exploradores; não se aventurarão a atravessar mares desconhecidos para roubar os tesouros dos outros, não escalarão as montanhas mais altas para hastear bandeiras, nem olharão para Ocidente ou para Leste para decidir o que pensar ou como se comportarem a nível internacional. Serão, sim, capazes de explorar o novo espírito multicultural de um continente revigorado, em busca de novas fórmulas económicas, sociais e políticas. É essa a Europa que sonho para ti e aquela a que quero pertencer.

Presseurope.eu

(Reino Unido) Bye bye Cool Britannia

por A-24, em 02.05.12
É oficial: o país está em recessão. Outrora aliciante e generosa, Londres, que elege o seu presidente da Câmara a 3 de maio, tornou-se desigual e cínica, escreve o jornal La Repubblica. Porque, apesar do número recorde de milionários, os anos prósperos da era Tony Blair parecem muito longínquos. 

Os ricos de Inglaterra nunca foram tão ricos: os que constam da lista anual do Sunday Times representam uma fortuna global de 414 mil milhões de libras [cerca de 509 mil milhões de euros], ainda mais do que o recorde anterior, que data de 2008. Mas a mais longa depressão deste século atirou todos os outros para baixo.
O homem que, há dias, se barricou em Tottenham Court Road, no escritório de um revendedor de veículos utilitários, ameaçando fazer-se explodir porque “não tinha mais nada a perder”, não é apenas um louco, é também um desempregado. O seu gesto foi lido como o termómetro de um desespero que se vai amplificando.
Não é, de maneira nenhuma, uma coincidência tais factos terem ocorrido no dia seguinte ao anúncio da recessão que atinge uma vez mais o Reino Unido. O tão temido “duplo mergulho” – duas recessões consecutivas – aconteceu mesmo. Desde 1975 que não acontecia tal coisa. De repente, neste ano de 2012, o ano do Jubileu de Diamante da Rainha e dos Jogos Olímpicos (em julho e agosto próximos), a capital está ferida, atormentada pelas dúvidas e pelo medo enquanto reaparece o espetro do “grande descontentamento” dos anos de 1970.
Durante os anos de Tony Blair e da sua "Cool Britannia" a bolsa subia rapidamente, o preço das casas aumentava e toda a gente enriquecia. Pelo menos aparentemente. Hoje, o setor financeiro, que representa 29% do PIB britânico foi o que maior quebra sofreu durante os dois últimos trimestres. Os bancos não contratam, o setor dos serviços está em marcha lenta, a construção estagnou.


A City, uma nova Babilónia?

No aeroporto de Heathrow, no controlo de passaportes, as filas não param de aumentar por causa da redução de pessoal imposta pelos cortes orçamentais. Avolumam-se os presságios sombrios: Rowan Williams, arcebispo de Cantuária, denuncia. Porquê? Ele próprio o explica num artigo da Prospect, onde condena duramente a avidez do capitalismo voraz de Londres: “É a Bíblia que nos avisa, hoje a City faz comércio com as nossas almas”.
Para dizer a verdade, o Antigo Testamento não faz referência à Square Mile [“Milha Quadrada”] mais rica da Terra, mas sim a uma “City” do passado, a antiga babilónia. “Londres é uma Babilónia moderna onde o comércio e o lucro dominam sobre qualquer outra consideração. Tudo está à venda, incluindo as consciências.”
É ainda muito cedo para prever o declínio da Babilónia moderna. Os turistas que se apertam entre Piccadilly e Trafalgar não reparam no mal-estar que a crise faz pairar sobre a cidade. E isto, “simplesmente, porque o centro de Londres é o parque de diversões dos ricos”, escreve Ken Livingstone, conhecido como “o vermelho”, que foi presidente da Câmara da capital até 2008, e que sonha voltar a ser com as eleições de quinta-feira, 3 de maio. As sondagens dizem que será derrotado pelo presidente cessante, o conservador Boris Johnson. Não é que a mensagem de Livingstone não seja suficientemente vigorosa, mas sim porque o mensageiro não está numa posição de força: os londrinos querem gente nova e, aos 67 anos, Ken Livingstone já teve a sua época.

Uma cidade cada vez mais desigual

No entanto, o antigo presidente do município não é o único a estar desgostoso com a imagem desta cidade dividida entre “have” e “have not” [os que têm e os que não têm]. “Entre 1992 e 2008, o preço das escolas privadas aumentou 82%”, comenta Martin Stephen, que dirige St. Paul, a escola elitista do reino, logo a seguir a Eton. O custo anual atinge as 26 mil libras esterlinas, 30 mil euros, uma soma que, multiplicada pela duração do ciclo escolar até à saída para a universidade, faz com que o custo da educação de uma criança ronde o meio milhão de euros. “Sou filho de um médico de província que pode mandar os seus três filhos para boas escolas sem se arruinar”, admite o diretor de St. Paul. “Atualmente, isso não seria possível. Há qualquer coisa que não está bem neste sistema.”
Imagine que sobrevoa Londres. Não verá, evidentemente, um panorama deprimido. Nas margens do Tamisa, o Shard, a farpa, o arranha-céus mais alto da Europa, desenhado por Renzo Piano, está quase acabado. A norte do rio, a área de Stratford, outrora depósito de lixo da cidade, renasce sob a forma do novo Parque Olímpico e deve, depois dos Jogos, “gentificar-se”: ali será criada uma Londres 2, implantando um novo bairro para londrinos ricos neste East End até aqui povoado por imigrantes pobres.
Mas o modelo de uma cidade ao mesmo tempo capaz de ser moda e generosa, terra prometida da igualdade de oportunidades, que conheceu os seus melhores anos na época de Blair, desapareceu. Londres é, cada vez mais, uma cidade desigual e cética, que se prepara para o longo verão do Jubileu e dos Jogos esperando que esses meses não sejam perturbados por ações terroristas, como em 2005, ou por uma revolta urbana, como a do verão passado.


Invasão da vida privada num Estado democrático

Londres é uma metrópole que, com a desculpa ou a justificação do terrorismo, se prepara para aprovar novas leis para vigiar todos os e-mails e todos os sítios visitados na Internet, a maior invasão da vida privada alguma vez experimentada num Estado democrático. É a cidade de uma política manchada pelos escândalos dos “jantares pagos” com o primeiro-ministro, David Cameron, em Downing Street, e das escutas ilícitas dos tabloides de Rupert Murdoch.
“Mesmo que eu não seja eleito presidente da Câmara, Cameron perderá as próximas eleições”, aposta Livingstone, “e será Ed Miliband [líder do Partido Trabalhista] que as vai ganhar, um líder verdadeiramente de esquerda, não um meio-sal como era Blair”. O que é certo, é que quase há dois anos no poder, os Tories caíram para o seu resultado mais baixo nas sondagens. Quando Londres era “cool”, o locatário de Downing Street também era “cool”.
China Mieville, escritor de ficção científica inglês e socialista, autor de uma feroz acusação contra Londres, publicado no mês passado no New York Times, talvez tenha razão: “Aqui, sente-se um clima de amargura, de espera do caos, de desejo de mudança”, diz ele. O homem enlouquecido que deitou computadores pela janela, em Tottenham Court Road pode ser um sintoma.
Nesse mesmo dia, os diários londrinos anunciavam que em 2011 a filial de Londres da Goldman Sachs pagou apenas quatro milhões de libras esterlinas de impostos por dois mil milhões de lucros. Não vale a pena procurarem: não houve a mínima evasão fiscal, mas sim uma escapatória completamente legal. “Fizemos um pacto com fausto”, vocifera o reverendo Williams, “fizemos um pacto com Frankenstein”. Um monstro ainda mais medonho do que o diabo, porque foi criado pelos homens, com as suas próprias mãos.

Artigo do La Repubblica, in Presseurope.eu

O dia dos mortos-vivos

por A-24, em 02.05.12
por Sérgio Lavos.

A rede de mercearias que recentemente decidiu mudar a sua sede fiscal para a Holanda teve um dia em cheio. Numa provocação aos sindicatos que convocaram uma greve, decidiu oferecer cinquenta por cento de desconto aos clientes que fizessem compras de cem euros. O departamento de marketing do grupo está de parabéns: a maioria das lojas ficou em estado de sítio com a horda de zombies consumistas que esvaziaram prateleiras e lutaram por um pedaço do sonho proporcionado pelo magnânimo Alexandre Soares dos Santos, um dos pais da pátria. Estão todos bem uns para os outros: a rede de mercearias pode até ter tido prejuízo hoje - a prática de dumping (venda de produtos abaixo do preço de custo) é probida por lei mas ninguém reclamou; contudo, a publicidade gratuita que está a conseguir irá repercurtir-se por muitos dias. Para além disso, parte do prejuízo será assumido pelos fornecedores - cada campanha dos grandes grupos é sempre em parte financiada por quem coloca lá os seus produtos, numa perversão das leis da concorrência que torna a posição negocial destes grupos incontestável. Mas também os zombies estão de parabéns: os milhares (milhões?) de clientes que hoje gastaram dinheiro em mercadorias a granel - é para isso que estes estímulos ao consumo desenfreado servem - não chegarão a perceber que parte daquilo que compraram não era absolutamente necessário e por isso viverão felizes na ignorância dos estúpidos. Mas os sindicatos que andaram a fazer campanha contra as cadeias de hipermercados que abriram também não ficam bem na fotografia. A verdade é que os trabalhadores desta rede vão receber a triplicar e terão um dia de férias a mais. E o "povo", essa entidade que, quando quer, sabe comportar-se como uma horda de zombies, esteve literalmente a borrifar-se para a crise e para os direitos dos trabalhadores. As coisas são como são. 
Mas tenhamos uma coisa em mente: nas alegorias políticas em forma de filme de zombies de George Romero, os mortos-vivos acabam quase sempre por ganhar consciência e tomar conta de tudo. Os neoliberais contentinhos com o êxito passageiro de Soares dos Santos poderão ser os humanos do futuro, carne para os zombies de agora. Nada dura para sempre.

(Imagem retirada daqui.)

Adenda: parece que falta uma coisa muito simples a quem critica o Pingo Doce: uma tomada de posição sobre a cadeia e a atitude deplorável que tomou. A minha vale o que vale, muito pouco, mas aqui está: não voltarei a pôr lá os pés. Ponto.

Crise fez surgir o pior dos estereótipos na Grécia e Alemanha

por A-24, em 02.05.12
Uma alemã senta-se num autocarro grego. Tira um livro da mala, abre-o para começar a ler. A pessoa sentada ao seu lado olha para o livro alemão, levanta-se, e vai sentar-se noutro lugar.

Uma grega está num jantar em Berlim. A anfitriã apresenta-a: "Esta é a Barbara, que é grega." Uma das convidadas diz: "Desculpa, deixei a minha carteira noutro sítio." Toda a gente se ri.
São duas histórias ouvidas no Goethe Institut (Instituto Alemão) em Atenas que exemplificam um mal-estar entre a Alemanha e a Grécia. Poderia dizer-se que quem começou tudo foram os alemães: o jornal Bild enviou repórteres com dracmas para a Grécia para perguntar se os gregos gostariam de ter a velha moeda de volta; a revista Focus fez uma capa com uma estátua de Afrodite a mostrar o dedo médio dizendo: "Impostores na família europeia."
A troika, que impôs medidas dolorosas e cortes dramáticos nos ordenados e pensões para garantir o empréstimo à Grécia, não tem cara. A UE tem: é a chanceler alemã, Angela Merkel. Numa sondagem recente na revista grega Epikaira, 77% dos inquiridos concordavam que a política alemã pretende estabelecer um "IV Reich". A animosidade não se mostra apenas nos jornais gregos, que apresentam a chanceler alemã com chicotes ou com a cruz suástica, ou nas manifestações, onde o conceito alemães=nazis é repetido. A antipatia está, também, nas ruas. Um exemplo: um ateniense que tem como língua comum com uma estrangeira o alemão fala baixo - e nota a ironia: "Um grego e uma portuguesa a entenderem-se em alemão, hein?" Mesmo assim alguém ouve e vai acusá-lo de falar a língua dos "terroristas". 
Outro exemplo: no metro, um grego tem uma T-shirt do St Pauli, o clube de futebol de Hamburgo conhecido pelo activismo contra a extrema-direita. Uma turista acha piada e pede-lhe para tirar uma foto à T-shirt, "para um amigo alemão". "Para um amigo alemão? Isso não é bom", responde ele. Ela nota que ele é que tem a T-shirt do clube da Alemanha, e que o amigo é do mesmo clube; algo os une. Mas ele mantém: "Alemão - isso não é bom."
O tema "54 mil milhões de euros que a Alemanha deve à Grécia pela II Guerra Mundial" tornou-se comum. A história das indemnizações tem voltas e reviravoltas: logo após a II Guerra os EUA opuseram-se a grandes compensações da Alemanha aos países prejudicados. A Alemanha pagou parte em bens materiais e em 1990 a Grécia aceitou (sem grande hipótese de se opor, é certo) um tratado, desistindo de pedir mais indemnizações. Mas os "54 mil milhões de euros" são agora uma arma no debate público: se a Grécia deve, a Alemanha também.

Goethe em alta
Enquanto isso, cada vez mais gregos passam ao lado de tudo isto enquanto estudam alemão: pode ser uma porta para um emprego na Grécia ou, mais provavelmente, na Alemanha. Apesar de no Instituto Alemão um semestre de aulas custar entre 660 e 690 euros (em Lisboa, paga-se entre 330 e 370 euros), as inscrições estão a aumentar (no último ano subiram 20% e há agora 350 alunos a ter aulas no instituto que faz, entretanto, desconto para desempregados).
Quando um em cada dois jovens gregos não consegue encontrar emprego, e com postos de trabalho a desaparecerem todos os dias, esta é uma estratégia de fuga. Antonis Blios, 42 anos, parte da vida vivida na Alemanha (os seus avós foram e vieram, os seus pais foram e vieram, e ele nasceu lá), debate-se com a parte da gramática alemã que não domina, porque estudou sempre em grego. Formado em economia, é mediador de seguros. "Não sei o que vai acontecer, portanto vou procurando trabalhos na Alemanha. Mas na minha área tenho de dominar melhor o alemão, por isso estou a estudar", conta. 
"A maioria dos meus alunos são jovens que não querem sair da Grécia", sublinha Gabi, de cabelo vermelho curto e corte assimétrico. Gabi, que só diz o primeiro nome, foi muitos anos professora do Instituto em Petra, mas este fechou em 2000, quando a crise económica na Alemanha ditou o encerramento de várias dependências do Goethe; desde então vive em Atenas. "Ainda outro dia um aluno me pediu para ter o telefone ligado, porque esperava uma chamada urgente", conta. O telefone vibrou e ele saiu para atender; quando voltou vinha lívido. "Tinha acabado de perder o emprego." 

Conversa de cafetaria

As eleições de domingo são um tema inevitável. Barbara Papadopoulou, artista grega a viver em Berlim que está agora em Atenas, matando saudades na cafetaria do Goethe, é a mais política de todos. Vai votar na Esquerda Democrática, o mais pró-europeu dos partidos da esquerda, que defende uma renegociação do memorando e tem 5,4% nas sondagens. "A culpa das medidas da austeridade não é da troika: é do Governo que se decidiu pelos cortes horizontais", defende. "A Grécia continua a ser um país minado pela corrupção. E infelizmente esta situação não trouxe um mínimo de autocrítica, não parece ter trazido grandes mudanças", queixa-se.
A campanha está dominada pela polaridade entre os dois grandes partidos do centro, o PASOK e o Nova Democracia, que aprovaram o memorando com a troika, e a oposição, que na maioria defende desde a renegociação do acordo até mesmo uma saída do Euro.
Christa Tsobani, uma professora do Instituto que nasceu na Alemanha e viveu lá até 2005, diz que não costuma votar. Nunca o fez quando vivia fora, e agora está ainda a ponderar. "Ninguém me convenceu", diz. "Estou farta de ouvir que tenho de ir votar para não dar poder aos grandes. Mas então voto em quem? Todo o sistema não é muito democrático", sentencia. 
Antonis não decidiu o que vai fazer. "As coisas são um pouco complicadas", desculpa-se, num jeito suave, que contrasta com o amarelo-vivo da sua T-shirt de desporto. "Tenho votado no PASOK porque sou de esquerda. Desta vez não sei. Não sou realmente contra o memorando. Quer dizer, acho que não é bom, mas haverá algo melhor?"
PÚBLICO 

As promoções do Pingo Doce

por A-24, em 02.05.12
O timing das promoções foi oportunista e provocador (o que se esperava depois da guerra nos últimos dias entre supermercados e sindicatos). Mas tirando isto, o que justificou tanta algazarra nos media, tanta indignação (São José Almeida falou mesmo em "atentados à dignidade humana"), tantas "manifestações de pesar"? O Pingo Doce ganhou (pelas vendas e pela publicidade). As pessoas ganharam, poupando dezenas de euros. O Estado ganhou milhares de euros em impostos. Os trabalhadores ganharam um dia de salário a triplicar, o direito a gozar uma folga e desconto de 50% em compras. Caramba, até os jornalistas ganharam tema de reportagem num dia soporífero.

O resto é folclore. Folclore da Esquerda-católica, que gosta de apregoar a sua "preocupação pelas pessoas", mas prefere falar do "dumping" e dos atentados a não-sei-o-quê, quando na verdade milhares de pessoas (na maior parte desfavorecidas) tiveram um dia em cheio, com efectivo impacto nas suas difíceis contas. Folclore da Esquerda-caviar, que manda umas bocas ao Pingo Doce e aos coitadinhos manipulados pelo grande capital, porque lhe sobra dinheiro para comprar o que bem entende, ao preço que calhar, no Corte Inglés e nas lojas gourmet. E folclore da Esquerda-socialista, que suplica por políticas de crescimento e desenvolvimento, mas quando vê iniciativas bem-sucedidas com origem em empresas privadas, a que as pessoas aderem por sua livre escolha (e interesse), entra de imediato em pânico, face à necessidade de repensar os seus estereótipos intelectuais.

In Delito de Opinião 

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O segundo post sobre o Pingo Doce

É absolutamente fantástica, no sentido de ser irreal, a forma como a esquerda olha para o "caso Pingo Doce". Uma coisa é certa: o epíteto de esquerda caviar nunca fez tanto sentido.
A título de exemplo, o quanto a esquerda caviar se importa com as pessoas mais pobres (que constituiram a maioria dos que acorreram aos supermercados Pingo Doce para aproveitar a promoção), pode ser visto na forma como o Sérgio, com a educação própria da tradição intelectual em que se insere, os descreve: «a horda de zombies consumistas», que «não chegarão a perceber que parte daquilo que compraram não era absolutamente necessário e por isso viverão felizes na ignorância dos estúpidos
Esta certeza sobre o que é absolutamente necessário aos outros (outros esses que, não sabendo, vivem na "ignorância dos estúpidos") é, de resto, aquilo que define a esquerda em geral, e esta estirpe mimada e arrogante em particular. Mas é triste confirmar a sua cegueira quando ela se traduz tão visivelmente na total ausência de compaixão e decência pelo próximo. No fervor ideológico esquecem-se do fundamental: que não é o desinteresse das massas pelo Dia do Trabalhador, nem são as intenções potencialmente maléficas da empresa, nem o relativo caos que a situação proporcionou. O fundamental é que uns bons milhares de pessoas terão um mês ligeiramente melhor e mais desafogado num ano extremamente difícil.
Nestes momentos percebe-se que é irrelevante dar lições de economia a pessoas assim, porque o que lhes falta é muito mais significativo e não é susceptível de ser aprendido.
PS: De notar também é a ululante imbecilidade dos bovinos que nos pastoreiam, nomeadamente a da ministra Assunção Cristas, sempre na crista da onda estatista, que agora tem «planos para evitar promoções inesperadas». Aqui vemos como a direita se junta à esquerda no desprezo pelos mais pobres.
Rui Botelho Rodrigues in Ordem Natural

a crowd vs the mob

por A-24, em 01.05.12
“(…) No interior da loja era agora difícil circular. As centenas de pessoas com os carros das compras cheios até cima não davam espaço para se passar. Quem não conseguia carros de compras, optava por soluções imaginativas. Alguns arrastavam pelo chão enormes pedaços de cartão com dezenas de produtos em cima. Outros carregavam dezenas de sacos dos mais variados tamanhos igualmente cheios de produtos. Pelo chão da enorme superfície comercial havia centenas de produtos abandonados. Pacotes de esparguete, arroz, latas de salsichas, garrafas de vinho partidas, entre outros, dificultavam ainda mais a circulação. O ambiente era, porém, festivo. As pessoas riam, gritavam. Estavam visivelmente satisfeitas.”, no Público.

Há um ditado popular do qual sempre gostei, segundo o qual, a melhor defesa é o ataque! E hoje assim foi: a promoção da Jerónimo Martins, em resposta às críticas dos sindicalistas no 1º de Maio, colocou os sindicatos em cheque. Reduziu-os à insignificância. E demonstrou à saciedade que as pessoas, antes de lutarem pelos seus direitos, lutam sim pela sua sobrevivência.
A crise económica que afecta Portugal, nomeadamente o crescente desemprego e o (relativo) alto custo de vida, está a conduzir uma vasta secção da população para uma situação-limite. Ora, o que nas últimas horas se passou um pouco por todo o País, para além de sintomático do fracasso da retórica sindical, foi também um alerta muito sério ao Governo. E se as condições de vida continuarem em progressiva degradação, como tudo indica, sooner rather than later a multidão, que como se vê começa a estar inquieta, revelar-se-á violenta. E aquela que hoje foi “a crowd” poderá muito bem transformar-se em “the mob”

Ricardo Arroja in O Insurgente

"Lá vai o português" por José cardoso Pires

por A-24, em 01.05.12
Lá vai o português, diz o mundo, quando diz, apontando umas criaturas carregadas de História que formigam à margem da Europa. 
Lá vai o português, lá anda. Dobrado ao peso da História, carregando-a de facto, e que remédio – índias, naufrágios, cruzes de padrão (as mais pesadas). Labuta a côdea do sol-a-sol e já nem sabe se sonha ou se recorda. Mal nasce deixa de ser criança: fica logo com oito séculos. 
No grande atlas dos humanos talvez figure como um ser mirrado de corpo, mirrado e ressequido, mas que outra forma poderia ele ter depois de tantas gerações a lavrar sal e cascalho? Repare-se que foi remetido pelos mares a uma estreita faixa de litoral (Lusitânia, assim chamada) e que se cravou nela com unhas e dentes, com amor, com desespero, ou lá o que é. Quer isto dizer que está preso à Europa pela ponta, pelo que sobra dela, para não se deixar devolver aos oceanos que descobriu com muita honra. E nisso não é como o coral que faz pé-firme num ondular de cores vivas, mercados e joalharia; é antes como o mexilhão cativo, pobre e obscuro, já sem água, todo crespo, que vive a contra-corrente no anonimato do rochedo. (De modo que quando a tormenta varre a Europa é ele que a suporta e se faz pedra, mais obscuro ainda.) 
Tem pele de árabe, dizem. Olhos de cartógrafo, travo de especiarias. Em matéria de argúcias será judeu, porém não tenaz: paciente apenas. Nos engenhos da fome, oriental. Há mesmo quem lhe descubra qualquer coisa de grego, que é outra criatura de muitíssima História. 
Chega-se a perguntar: está vivo? E claro que está: vivo e humilhado de tanto se devorar por dentro. Observado de perto pode até notar-se que escoa um brilho de humor por sob a casca, um riso cruel, de si para si, que lhe serve de distância para resistir e que herdou dos mais heróicos, com Fernão Mendes à cabeça, seu avô de tempestades. Isto porque, lá de quando em quando, abre muito em segredo a casca empedernida e, então sim, vê-se-lhe uma cicatriz mordaz que é o tal humor. Depois fecha-se outra vez no escuro, no olvidado. 
Lá anda, é deixá-lo. Coberto de luto, suporta o sol africano que coze o pão na planície; mais a norte veste-se de palha e vai atrás da cabra pelas fragas nordestinas. Empurra bois para o mar, lavra sargaços; pesca dos restos, cultiva na rocha. Em Lisboa, é trepador de colinas e de calçadas; mouro à esquina, acocorado diante do prato. Em Paris e nos Quintos dos Infernos topa-a-tudo e minador. Mas esteja onde estiver, na hora mais íntima lembrará sempre um cismador deserto, voltado para o mar. 
É um pouco assim o nosso irmão português. Somos assim, bem o sabemos. 
Assim, como? 
José Cardoso Pires, E agora, José?, Moraes Editora, 1977, p. 19-21.

Sobre o 1º de Maio de 1973

por A-24, em 01.05.12
Às 2:50 minutos do 1º de Maio de 1973, as Brigadas Revolucionárias executaram uma das suas acções mais espectaculares, da qual resultou a destruição de dois andares do Ministério das Corporações (actual Ministério do Trabalho e da Segurança Social), na Praça de Londres em Lisboa. 
Explicaram mais tarde em comunicado (que pode ser lido AQUI, na íntegra): «O Ministério das Corporações é, por um lado, o instrumento mais directo dos patrões portugueses e estrangeiros, que através dele fixam as condições de trabalho do proletariado – salários, horários – enfim, exploração e repressão (…); e, por outro, um instrumento de exploração directa dos trabalhadores, através da Previdência (…) que fornece serviços de Saúde e Previdência miseráveis.» 
Facto demasiado grave e espectacular para que a censura o silenciasse, foi noticiado nos meios de comunicação social e objecto de todas as conversas, num dia quem que se preparavam manifestações proibidíssimas e precedidas por largas dezenas de detenções nas semanas precedentes (Leia-se a circular da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, de 9/5/1973.) 
Durante a tarde, foram recebidos telefonemas com falsos alertas de bomba em várias grandes empresas de Lisboa. Veio a saber-se depois que se tratara também de uma iniciativa ligada às Brigadas Revolucionárias, cujo objectivo era «libertar» mais cedo os trabalhadores para que pudessem participar na manifestação. 
Ao fim do dia, foi o cenário habitual, mas especialmente repressivo nesse ano, que o Avante! relatará mais tarde: «Em Lisboa, numerosos trabalhadores se concentraram na Baixa a partir das 19:30, sendo brutalmente carregados pela PSP à bastonada, soco, pontapé, do que resultaram dezenas de feridos que tiveram de receber tratamento no hospital, sendo feitas várias prisões.»

In Jornal do Avante

Insurgente vs. Esquerda Republicana

por A-24, em 01.05.12
O Neo-Liberal é o dragão das direitas políticas. Há sempre que o tema ou admire e, simultâneamente, todos falam sobre ele, apesar de nunca ninguém ter visto um e qualquer homem intelectualmente bem preparado ter certas dúvidas quanto à sua existência. No entanto o dragão está presente na literatura, no cinema, na mitologia. E também o Neo-Liberal está presente, em manifestos, programas e almanaques de teoria politico-filosófica que, de certa forma, nos presenteiam com tanta ou mais fantasia que muitos dos clássicos de dragões. Mesmo recorrendo à etimologia – arte que não domino – numa tentativa de tentar descobrir o grande mistério do neo-liberal, as dúvidas intensificam-se, não se evaporam. Ora vejamos, Neo implica novo. E eu até estou bem mais confortável a ler os velhinhos, os clássicos, que de novos nada têm. Só se fôr pela idade, mas se assim for, faria sentido começar a chamar Neo-Socialista a todo o desgraçado que me vier com estatisses. Também não me recordo de muitos casos de Liberais a la Insurgente em Governos, mas quem souber pode avisar-me, já que, ao que vejo, sofro de défice de informação. Porque Neo-Liberal é um termo abrangente. O Sócrates é Neo-Liberal e o Blair. O Papa é Neo-Liberal ? Provavelmente. Enfim, com o passar dos anos, o azedar dos debates e a desinformação doutrinária o “Neo-Liberal” tornou-se o “Fáxista” dos tempos modernos. E como o Fáxista, o Neo-Liberal é culpado de todas as desgraças do mundo, a começar na crise financeira e a acabar nas hemerróides de um qualquer coitado.

In o Insurgente em resposta a....

Eu não acho que os neoliberais tenham apreço pela liberdade, ou deixem de ter. Nem acho que os neoliberais tenham uma filosofia. A "filosofia" deles é a "filosofia" da Ayn Rand: possidónia, lambida, infantil, pomposa e dramática. Há 14 anos a ouvi-los aqui no Texas, todos os dias, há muito que deixei de considerar "as ideias" da direita neo-liberal como uma coisa séria. Os argumentos deles são argumentos de miúdos com uma idade mental de sete anos. São contra ou a favor do estado consoante a discussão em que se empenham em cada dado momento. Quando se apanham no governo gastam mais que os socialistass, apertam os direitos dos cidadãos o mais que podem, impõem as ideias da semana com uma raiva evangélica e um desprezo total pela democracia ou pela liberdade. Não há lógica no discurso deles, nem regras, nem coerência interna. Por isso é tão cansativo lê-los e ouvi-los, ou tentar discutir com eles. O discurso da direita neo-liberal é um discurso fora da lógica e das regras do discurso intelectual. Não vale a pena lê-los nem ouvi-los. O Hayek está para a economia como o Paulo Coelho está para o estudo das filosofias orientais. Por isso teve uma vida insignificante até a Margaret Thatcher o desenterrar do esquecimento merecido a que o mundo o tinha votado, e o promover da mesma forma que Alan Greenspan promoveu a Ayn Rand. O Hayek e a Ayn Rand são os Thierrys Guettas da direita.
In Esquerda Republicana

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