Esqueçamos o conformismo, a corrupção e o fascínio pelas elites! Demos lugar à juventude misturada, móvel e solidária. É este o apelo feito pela economista italiana Loretta Napoleoni numa carta ao seu filho.
Querido Julian,
No ano que vem, fazes 18 anos e acabas o ensino secundário, sem dúvida com excitação mas também preocupado. Para o adolescente médio europeu, o futuro deve ser uma visão de aventura e ao mesmo tempo de desolação. Uma visão obscurecida pelo desemprego, pela dívida descomunal, pelos vaticínios de desastre monetário e pela fraca perspetiva de uma carreira profissional segura.
Há 35 anos, uma geração então a sair da escola – a dos teus pais – tinha pela frente um futuro semelhante, excitante e sombrio por igual. Ao atingir a maioridade numa altura em que não se podia esquecer o holocausto nuclear e o terrorismo, essa geração teve de lidar com uma inflação de dois dígitos e com o desemprego. Apesar disso, lançou uma revolução sexual, defendeu o comunismo e o anticonformismo.
Nos anos 1970, essa geração também saiu à rua, gritando palavras de ordem contra os governos, opondo-se a reformas do ensino consideradas retrógradas e elitistas. Exigia o livre acesso às universidades, num continente como agora à beira de um colapso político. Então, a Cortina de Ferro caiu, a Alemanha realizou o seu sonho persistente de reunificação e a Europa até superou a crise da energia.
Em meados dos anos 1980, as economias europeias começaram a crescer de novo e beneficiaram daquilo que parecia ser um longo período de estabilidade. Mas tudo isto viria a revelar-se uma enorme ilusão.
Quase toda a gente – dos políticos aos banqueiros – abusou da tímida recuperação alcançada, tirou partido da desregulamentação e da transferência de funções para o exterior, subcontratou tarefas no estrangeiro, ao mesmo tempo que era desmantelado o que restava do Estado de bem-estar. Em apenas uma geração, as desigualdades de rendimentos fizeram-nos regressar à situação de entre as duas Guerras, preparando o terreno para uma nova Grande Depressão – só que, desta vez, mesmo à nossa porta.
Que foi que correu mal? O nosso desejo endémico de fazermos parte de uma elite, de sermos diferentes, de sermos ricos e poderosos, de construirmos impérios. Um ouro que justifica todos os meios. Os europeus vão ser sempre a prole de Maquiavel, encurralada numa montanha russa histórica capaz de nos trazer uma Revolução Francesa derrubadora de monarquias e, a seguir, alguns anos um Napoleão Bonaparte como imperador. Para sempre prisioneiros das nossas contradições, rejeitamos a igualdade, mesmo quando aclamamos a democracia. Não evoluímos – fracassamos. Mas, apesar disso, a esperança existe.
A nova geração de adolescentes é a primeira que já nasceu dentro da amálgama multicultural da Europa Unida, que já não é povoada apenas por europeus. O multiculturalismo poderá muito bem ser o salvador, que nos libertará do colete-de-forças da nossa história, arrastando o velho continente para uma situação em que outras etnias, menos desenvolvidas do que a nossa mas menos cínicas e mais positivas, desempenharão um grande papel para o futuro desse mesmo continente.
Ao ver as manifestações de estudantes em Parliament Square, em Londres, recentemente, vi uma nova Grã-Bretanha e uma nova Europa. Este país nunca assistira antes àquele tipo de protesto – talvez apenas quando Thatcher quis introduzir o poll tax [imposto municipal] – mas, na altura, a motivação era o dinheiro e não a igualdade.
O sangue novo dos filhos dos imigrantes anima o protesto transnacional e, ao mesmo tempo, cimenta a solidariedade entre os jovens da Europa. Igualmente na defensiva em relação ao amanhã mas decididos a não deixar que a história se repita, os adolescentes querem uma Europa diferente. A sua solidariedade voa sobre as asas da Internet, a praça pública internacional que faz a ligação à WikiLeaks, ao [fórum de] Porto Alegre e a todas as outras iniciativas com vista a transformar o planeta.
Quem me dera ser nova outra vez, para seguir essa via contigo, para partilhar a experiência de remodelar um continente. A minha geração teve sonhos parecidos mas não conseguiu realizá-los. À medida que nos tornávamos adultos, reagrupámo-nos em velhas e novas elites. E é por isso que a corrupção, a desigualdade, a criminalidade são hoje desenfreadas, é por isso que somos governados por uma classe de incompetentes e que uma imprensa de celebridades nos enche de histórias que não queremos ler ou ouvir. Irão vocês vencer onde nós falhámos?
Acredito que sim, porque o paradigma sociocultural da Europa mudou finalmente e aqueles que hoje nos governam não representam essa mudança. Quando a vossa geração chegar ao poder, o paradigma político alterar-se-á inevitavelmente.
Os europeus deixarão de ser exploradores; não se aventurarão a atravessar mares desconhecidos para roubar os tesouros dos outros, não escalarão as montanhas mais altas para hastear bandeiras, nem olharão para Ocidente ou para Leste para decidir o que pensar ou como se comportarem a nível internacional. Serão, sim, capazes de explorar o novo espírito multicultural de um continente revigorado, em busca de novas fórmulas económicas, sociais e políticas. É essa a Europa que sonho para ti e aquela a que quero pertencer.
Presseurope.eu