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A-24

Estrela da Amadora - A refundação

por A-24, em 31.03.12
O Clube de Futebol Estrela da Amadora teve um fim de vida agonizante, sucumbindo ao peso de uma dívida de milhões. Declarado insolvente no início do ano passado, o desaparecimento do clube tricolor criou um vazio na Amadora, um dos maiores municípios do país, que deixou de ter um clube à porta para ter as crianças a praticar deporto e que deixou de ter equipa para ir ver aos domingos ao Estádio José Gomes. Com a tradição de 80 anos de história, mas sem as dívidas, um grupo de sócios decidiu refundar o clube, com as mesmas cores, o mesmo espírito, mas o nome e o emblema ligeiramente diferentes.
Neste sábado, no salão nobre dos Bombeiros Voluntários da Amadora, quem era sócio e/ou adepto do Estrela da Amadora, vai saber tudo sobre o Clube Desportivo Estrela (CDE). Que não terá Amadora no nome. “Começámos por apresentar um nome com Estrela da Amadora no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, mas foi rejeitado”, explica ao PÚBLICO Jorge Pereira da Silva, um dos mentores do projecto (a marca foi registada em Setembro de 2011) e que fará parte dos órgãos sociais do novo clube. Todo o organigrama será apresentado hoje, assim como as condições para adesão, em que os sócios do antigo clube terão condições especiais.
O CDE nasceu de um grupo de reflexão sobre a realidade do Estrela, o Sempre Tricolores, que acompanhou o definhar financeiro e desportivo do clube, sem que nada conseguisse fazer para o impedir. A ideia, conta Jorge Pereira da Silva, já existia há algum tempo, mas avançou com maior velocidade após a realização de um jogo de homenagem ao Estrela em Junho do ano passado que contou com a participação de algumas antigas glórias, como Jorge Jesus, Abel Xavier, Chainho, Calado ou Jordão. “Somos sócios de bancada que desceram ao relvado para pôr a bola a rolar”, diz Pereira da Silva, garantindo que nenhum dos promotores fez parte de anteriores direcções do Estrela.
Por enquanto, não são as conquistas desportivas que estão nos horizontes do CDE. O plano é começar por baixo, com escolas de futebol para crianças entre os seis e os 14 anos, e ter uma secção de atletismo (que já conquistou alguns troféus na última São Silvestre da Amadora), as duas modalidades, acrescenta Pereira da Silva, que estavam na fundação do clube em 1932. Até Setembro, o CDE prevê que possa ter cerca de 200 sócios e 40 crianças a praticar futebol pelo novo emblema, no início sem a vertente competitiva.
Como espaço para as escolas, o CDE quer que seja o Estádio José Gomes, recinto que foi colocado em hasta pública no processo de liquidação dos bens do Estrela para pagar as dívidas aos credores. Ninguém apresentou propostas pela compra do recinto da Reboleira, que tem recebido os treinos e os jogos do Atlético, enquanto duram as obras na Tapadinha. O CDE não quer caridade e apresentou uma proposta à Comissão de Credores, através de Paulo Sá Cardoso, administrador da insolvência do clube (que confirmou a existência da proposta), esperando uma resposta a breve prazo. “Fizemos uma proposta de ocupação de espaço, uma hora e meia por dia de segunda a sábado, que inclui a manutenção e recuperação activa do estádio em regime de voluntariado”, explica Silva Pereira, acrescentando que, se o José Gomes falhar, o projecto pode funcionar num dos relvados sintéticos que existem no concelho.
E dinheiros? “Queremos um clube sustentado e equilibrado”, refere Pereira da Silva, que não quis divulgar o modelo financeiro do projecto, referindo que há muita gente disposta a meter dinheiro no clube, mas que não serão aceites investidores a qualquer preço e que não foi pedida nenhuma verba à Câmara Municipal da Amadora. O principal capital do CDE é mesmo a mística tricolor e a história de um clube cujo ponto alto foi a conquista da Taça de Portugal em 1990. Até jogadores estrangeiros que passaram pelo Estrela estão interessados, como Guy Hubart, o guarda-redes belga que esteve na Amadora entre 1991 e 1995. “Ele está na Bélgica e já nos contactou a pedir, ‘Mandem-me a proposta pelo correio’.”
Público 31.03.2012

A crise do Inter

por A-24, em 28.03.12
Ranieri foi trocado por Andrea Stramaccioni, técnico dos juniores. E Balotelli apareceu na apresentação para lhe dizer um “olá”

O Inter encalhou ao largo da Serie A. O comandante não fugiu à primeira oportunidade num bote, mas levou um empurrão para abandonar o barco. Claudio Ranieri deixou a equipa de Milão no oitavo lugar do campeonato, com 41 pontos e um registo próprio de um ex-campeão encalhado: tantas vitórias (12) como derrotas; tantos golos marcados (38) como sofridos.
Foi o fim da paciência de Massimo Moratti. O presidente do Inter fez o que é costume nestes casos. Deu um voto de confiança depois da última vitória (2-0, em Verona, ao Chievo), mas pegou no chicote quando viu a eliminação da Liga dos Campeões, um empate em casa (0-0, Atalanta) e uma derrota em Turim (0-2, Juventus). “Moratti despediu 17 treinadores em 17 anos. É meu aluno”, brinca Maurizio Zamparini, dono e presidente do Palermo, o maior especialista na arte de coleccionar treinadores.
Desde que José Mourinho saiu do Inter, em Maio de 2010, Moratti nunca mais soube o que fazer à vida. A primeira alternativa foi Rafael Benítez, acabadinho de sair do Liverpool, onde ganhara uma Liga dos Campeões em 2005. Ao fim de seis meses e 13 dias estava desempregado, na antevéspera de Natal e menos de uma semana depois de ganhar o Mundial de Clubes. Quase a caminho da ceia com a família, Leonardo foi anunciado como o substituto. Ora o brasileiro durou seis meses – nem mais um nem menos um dia. Assim que a época terminou, Moratti também lhe disse adeus.
Sai um, entra outro. E o outro foi Gian Piero Gasperini, que só não se tornou recordista porque Mircea Lucescu esteve apenas dois meses e 20 dias à frente do Inter. Gasperini aguentou mais uma semana, mas com quatro derrotas em cinco jogos não podia estar à espera de durar. E assim chegamos a Ranieri, que ficou entre Leonardo e Benítez: seis meses e quatro dias. Está visto, Moratti só tem meio ano de tolerância para um treinador.
Agora o presidente optou por jogar à defesa. Telefonou a Andrea Stramaccioni, que até interrompeu uma entrevista a uma rádio para atender – o técnico falava sobre a vitória dos juniores do Inter na Next Gen Series (uma Liga dos Campeões do escalão). Ontem, na apresentação, dizia as palavras bonitas do costume (“é um sonho que Moratti me ajudou a concretizar”) quando foi interrompido por um fantasma que ainda paira sobre o centro de estágio do clube. Não era Mourinho, mas Balotelli, que aproveitou uma visita a Appiano Gentile para ir à sala de imprensa e cumprimentar o homem que já o treinou. Todos se riem, claro.
Stramaccioni é dono do lugar até ao fim da época. Se agradar, talvez continue. Mas também há outra hipótese à espreita (André Villas-Boas), na posição ideal (desempregado) para Moratti pensar nele. O enredo é o mesmo do Chelsea: uma equipa velha (a média de idades nas últimas jornadas tem rondado os 29/30 anos), a precisar de reformas para voltar aos títulos. Ionline

Povo Manso

por A-24, em 27.03.12
Vós que lá do vosso Império
prometeis um mundo novo,
calai-vos, que pode o povo
qu'rer um Mundo novo a sério.

António Aleixo
 
Se alguém se questionasse sobre o regime de Marcelo dias antes do 25 de Abril de 1974 poderia concluir sobre a mansidão de um povo, apesar das guerras estarem a ser perdidas em África ou do impacto da crise petrolífera nacional na economia portuguesa (algo que depois entrou no rol de culpas do gonçalvismo) o povo continuava tranquilo, se não fossem alguns estudantes tudo estaria calmo. O nosso povo tem destas coisas, uma vezes parece cobarde, outras comportasse de forma que pode ser apelidado de manso, ao contrário dos espanhóis ou dos gregos não ferve em pouca água.
Curiosamente esta mansidão é mais típica à esquerda do que à direita, a direita portuguesa tem um longo historial de golpes e contra golpes ou de arruaças. A maior parte dos golpes e tentativas de golpes de Estado pertenceram à direita e no seu currículo constam ainda os muitos atentados terroristas do ELP, a destruição de muitas dezenas de sedes partidárias ou as manifestações violentas que ficaram simbolizadas pela moca de Rio Maior.
A direita tem alguma razão ao considerar a esquerda como “mansa”, o glorioso sindicalista dos professores bateu os calcanhares quando cumprimentou Passos Coelho, Jerónimo de Sousa dá uns guinchos, Louçã parece ter sido atacado pela doença de Parkinson e José Seguro lá continua todo inchado no seu papel de líder do PS.
O problema do povo ao fim de mais de um século de revoluções falhadas é que o povo sabe que não pode confiar nas suas elites, sabe que os políticos querem o poder para se corromperem, que os magistrados estão mais interessados em poder e mordomias do que em justiça, que os padres apalpam meninos entre as homilias. De que serve ao povo tirar Passos e meter Seguro ou vice-versa se fica tudo na mesma? De que serve ao povo manifestar-se violentamente se acaba por levar ainda mais “nos cornos” e ter de pagar a despesa do arranjo e mais uns carros de luxo para os políticos por conta da corrupção no negócio dos arranjos?
O povo sabe muito bem que só pode contar com ele próprio, que nas horas difíceis os pobres só podem contar com os outros pobres. É por isso que muita gente que anda a abusar da sorte dizendo que o povo é manso ou que o povo gosta da austeridade brutal deve ter cuidado. Os que vão aos seus congressos partidários dizer que estão fazendo uma revolução tranquila empobrecendo ainda mais os que já são pobres é melhor terem tento no que dizem, não vá o povo, como dizia Aleixo, querer uma revolução a sério e certamente menos tranquila do que o desejável.  

in "O Jumento"

Irão é responsável por mais de metade das execuções confirmadas pela Amnistia

por A-24, em 27.03.12
No ano passado houve em todo o mundo pelo menos 676 aplicações da pena de morte e, destas, 360 ocorreram no Irão, segundo o relatório anual que a Amnistia Internacional acaba de divulgar. Houve execuções em menos países, mas os que aplicaram a pena de morte fizeram-no “a um ritmo alarmante”.

Os dados divulgados são aqueles que a Amnistia Internacional conseguiu confirmar, mas ficam muito aquém do verdadeiro número de execuções. De fora fica, por exemplo, a China, que continua a executar “milhares” de condenados à pena de morte apesar de as autoridades continuarem a manter secreta essa informação, sublinha o relatório agora divulgado. A AI também não obteve informações relativas à Síria ou à Malásia, onde é aplicada a pena de morte.

O Irão surge na lista logo após a China, com 360 execuções (mais 108 do que em 2010), seguido da Arábia Saudita, com 82, e do Iraque, com pelo menos 68 aplicações da pena de morte. Os Estados Unidos estão em quarto lugar, com 43 execuções, menos três do que em 2010, logo depois o Iémen com 41 e a Coreia do Norte, com “pelo menos 30” execuções confirmadas.

Os EUA foram o único país do G8 – que inclui também o Japão, Canadá, Alemanha, França, Itália, Reino Unido e Rússia – a aplicar a pena de morte, uma vez que no Japão não houve nenhuma execução, o que aconteceu pela primeira vez em 19 anos.

Apesar de o Irão ser o país onde foram confirmadas mais execuções, a Amnistia Internacional alerta para a probabilidade de o número ser bastante superior e refere ter “informações credíveis” acerca de 274 execuções que não foram oficialmente confirmadas. Segundo a organização, pelo menos três pessoas executadas no Irão tinham menos de 18 anos na altura em que foi cometido o crime de que foram acusadas e condenadas. Entre essas acusações pode estar, por exemplo, o adultério ou a sodomia, no caso do Irão, a “feitiçaria” na Arábia Saudita e os crimes relacionados com o consumo ou tráfico de droga em mais de dez países.

Os métodos escolhidos para as execuções vão desde a decapitação ao enforcamento, fuzilamento ou injecção letal e em todo o mundo há pelo menos 18.750 pessoas condenadas à pena de morte, adianta a AI.

Em 2011 a pena de morte foi aplicada em 20 países, menos do que os 23 onde houve execuções em 2010, mas em menos países houve mais aplicações da pena capital, e no Médio Oriente esse aumento foi de cerca de 50% sobretudo devido às execuções no Irão, Iraque, Arábia Saudita e Iémen.

A Bielorrússia é o único país da Europa ou dos antigos países da União Soviética onde houve aplicação da pena de morte e pelo menos duas pessoas foram executadas. Em grande parte das condenações à pena capital os julgamentos não decorreram de acordo com os padrões internacionais de um julgamento justo, adianta a AI.

“A grande maioria dos países pararam de recorrer à pena de morte”, sublinhou em declarações à AFP o secretário-geral da Amnistia Internacional, Salil Shetty. Ao todo, 96 países já aboliram por completo a pena capital, outros nove aboliram-na para crimes de delito comum e 35 são ainda considerados abolicionistas de facto por não procederem a qualquer execução há pelo menos 10 anos.

Luís Braga, coordenador do grupo sobre a pena de morte da Amnistia Internacional em Portugal, destaca sobretudo três situações em relação à pena de morte: os Estados Unidos, “onde há problemas de discriminação relacionados com a origem social e étnica”, a China, “que é o desconhecido”, e o Médio Oriente. Depois, no caso da Europa, há a situação na Bielorrússia, “É um objectivo importante que a Europa seja um território livre da pena de morte”.  PÚBLICO

Sobre o acordo ortográfico, um excelente artigo de Helena Topa

por A-24, em 27.03.12
Sou uma de­fen­so­ra, em­bo­ra crí­ti­ca, des­te AO. Re­cu­so-me a re­jei­tá-lo li­mi­nar­men­te, e pug­no por uma re­vi­são dos pon­tos que ca­re­cem de cor­re­ção. recente episódio da proibição de seguir a nova norma ortográfica por parte do novo diretor do CCB, Vasco Graça Moura, veio relançar, e incendiar, o debate sobre o Acordo Ortográfico (AO). Debate esse, em boa verdade, escasso, dado que, com honrosas exceções, apenas ouvimos as vozes dos detratores.
 Tudo o que tenho lido e ouvido sobre o Acordo Ortográfico revela quase sempre posições extremas, a favor ou, mais frequentemente, contra. É claro que todos têm o direito de se sentirem lesados com estas mudanças, afinal aprenderam a ler e a escrever as palavras da sua língua de uma determinada maneira, e essa maneira de escrever, que se tornou automática, é agora alterada.
 Mas o que mais me preocupa não é haver pessoas radicalmente contra ou a favor, é haver ainda muita ignorância e uma multiplicação de artigos de opinião que pouco fazem para esclarecer. Penso que caberia aos meios de comunicação social um papel pedagógico, expondo os factos, esclarecendo, chamando linguistas, professores, políticos e cidadãos a pronunciarem-se sobre o AO.
 Este acordo é sobretudo político, fazendo com que os aspetos linguísticos, que deveriam estar à frente das preocupações dos redatores do acordo, quer em Portugal quer no Brasil, tivessem sido ou insuficientemente amadurecidos, ou demasiadamente sujeitos à lógica do acordo, o que implicou cedências, uma uniformização, mas não uma unificação. Não há uma norma absolutamente comum, não poderia haver.
 Mas vamos aos factos. 1) Suprimiram-se as consoantes mudas c e p, mantendo-se quando são articuladas. 2) Suprimiram-se alguns acentos, sobretudo nas palavras graves. 3) Uniformizaram-se e clarificaram-se as regras da utilização do hífen. 4) Foram revistas as regras de utilização das maiúsculas e minúsculas. 5) Foram (re)introduzidas três novas letras no alfabeto, k, w e y.
 Apresentados os factos — não exemplifico por questões de espaço, mas bastaria uma folha A4 para fazê-lo —, passo a expor a minha perspetiva de falante e escrevente nativa da língua portuguesa, também na qualidade de professora de português e de tradutora. Parecem-me óbvias as vantagens de muitas das alterações propostas pelo AO, sobretudo para quem aprende a escrever: a supressão das consoantes mudas, a uniformização das regras da hifenização e da acentuação facilitam a tarefa de quem ensina e aprende a ler e a escrever, sendo as restantes menos relevantes deste ponto de vista.
 De entre todas, parece-me que a supressão das consoantes mudas, pela percentagem relativamente elevada de palavras sobre as quais incide, é especialmente importante. Os dois principais argumentos contra esta alteração prendem-se com: a) a etimologia e a tradição de uma certa norma gráfica e b) as exceções que esta regra admite. Quanto ao primeiro argumento, os detratores falam de uma descaraterização da língua, do perigo de fechamento das vogais que precedem as consoantes sacrificadas pelo AO; quanto ao segundo, são apontadas situações de possível dupla grafia, uma vez que, se se seguir o critério fonológico (“escrevo conforme falo”), é possível criar, no limite, regras “individuais” (ex.: se eu disser “característica” escrevo com C, se disser “caraterística” escrevo sem C).
 Se em relação ao primeiro argumento, embora seja sensível ao critério etimológico da grafia, me custa aceitá-lo sem mais, em relação ao segundo, concordo com o risco de que estas exceções se revestem, sobretudo para quem tem de ensinar (e aprender) a ler e a escrever. De facto, como avaliar a escrita em função da articulação de cada aluno? Como ensinar a noção de norma se ela admite exceções e “regras facultativas”? Voltando ao primeiro argumento, o etimológico, posso contra-argumentar de várias formas: 1) Se a etimologia fosse um valor a preservar a todo o custo, não haveria sequer lugar a reformas ortográficas, como as de 1911 e 1945, em que se verificou, tanto numa como noutra, uma aproximação tendencial entre grafia e fonia (ainda deveríamos escrever “philosophia”, “addição” ou “auctor”, etc., se este critério fosse levado à risca); 2) A ortografia, ou forma correta de escrever, é um esforço para encontrar uma norma, o menos ambígua possível, de registar graficamente os sons da fala; como tal, implica convencionalidade e até um certo grau de arbitrariedade. Ora, parece-me ser desejável uma relação tão clara e inequívoca quanto possível entre a(s) letra(s) e os sons que pretendem transcrever, e penso que no caso da supressão das consoantes mudas se faz um avanço nesse sentido. 3) A análise de algumas palavras que são por certas pessoas articuladas com c ou p (e por outras não: ex.: característica vs. caraterística, sectorial vs. setorial, corrupção vs. corrução) mostra que estamos perante uma mudança linguística (fonética) ainda em curso, que tem vindo a ocorrer provavelmente desde o princípio do século XX. A nova norma trazida pelo AO dá conta dessa mudança, que não é ainda completa, pelo que admite, com as desvantagens referidas, a possibilidade de uma dupla grafia (em muito poucos casos, diga-se, e com tendência a desaparecer). 4) O argumento de que a ausência de consoante c ou p para abrir a vogal precedente não colhe. Quem apresenta este argumento, cita habitualmente palavras como setor, receção, aspeto, porque poderão vir a ser confundidas, respetivamente com s’tor (abreviatura de Sr. Dr.), recessão e espeto (o substantivo, não o verbo). E não sabe que este argumento não é totalmente fiável (por exemplo, nas palavras tactear ou exactidão o c não abre a vogal).
 Em síntese: 1.º Parece-me que este acordo tem algumas vantagens (haver uma maior aproximação entre fala e escrita, e uma maior uniformidade de critérios, nomeadamente na hifenização); 2.º Tem, no entanto, muitas insuficiências e cria problemas novos onde não existiam (as “facultatividades”). 3.º Vai ser mais problemático para as escolas, para os professores que têm de ensinar a escrever e que se vão confrontar com as inconsistências da nova norma. 4.º Parece-me que algumas mudanças são empoladas e dramatizadas (e serão assim tantas e com tantos efeitos? Experimentem ler textos de jornal, aqui no PÚBLICO, por exemplo, onde as duas normas convivem, e não vão notar assim tantas diferenças). Aqui d’el-rei!, como irá um professor explicar ao pobre aluno que ‘Egito’ se escreve sem p e ‘egípcio’ com? Do mesmo modo que terá de explicar, por exemplo, que ‘dicção’ se escreve com c e ‘dicionário’ sem. E outras irregularidades (não só ortográficas) da língua. 5.º Ninguém é obrigado a escrever segundo a nova norma, a não ser que vá ser avaliado por isso. Fernando Pessoa recusou-se a aceitar a reforma ortográfica de 1911 e ninguém o multou por isso, Teixeira de Pascoaes também tinha muitas reservas em deixar de escrever “abysmo” com y porque, segundo ele, escrever abismo com i o convertia numa superfície banal.
 Sou uma defensora, embora crítica, deste AO. Recusome a rejeitá-lo liminarmente, e pugno por uma revisão dos pontos que carecem de correção. É importante que surjam críticas, movimentos de desacordo, mas é importante também que haja uma discussão informada e serena, em que todos os lados e protagonistas estejam representados.

Neonazis e terroristas islâmicos, os nossos pesadelos geminados

por A-24, em 26.03.12

Os primeiros suspeitos pelos assassínios de Toulouse e de Montauban foram três antigos paraquedistas neonazis. O massacre de Utoya começou por ser atribuído ao terrorismo islâmico. São dois rostos opostos da intolerância ao multiculturalismo que se confundem com frequência. 

Afinal, foi um fanático de Alá que emergiu do inferno de Toulouse. Não foi um paraquedista neonazi que andou a ruminar nas entranhas obscuras da história de França, mas um soldado dessa intifada que é incubada quotidianamente nos subúrbios franceses.
Uma guerrilha surda que ganha dimensão, de Toulouse a Paris, nesses "territórios perdidos da República", como os batizou um famoso panfleto de denúncia do antissemitismo vulgar que reina nas escolas suburbanas.
É este mal obscuro, particularmente tenaz em França, que liga as duas pistas exploradas pelos investigadores e a opinião pública, nos dias manchados pela loucura assassina: três jovens militares (de origem norte-africana) mortos a sangue-frio, outro gravemente ferido, e mais quatro pessoas (três crianças e um homem) perseguidas e abatidas como animais, no colégio judaico Ozar-Hatorah de Toulouse, a “cidade rosa” que alberga o túmulo de São Tomás, o mais ponderado dos filósofos cristãos.

Um outro culpado

Pensou-se inicialmente que o assassino seria um dos três paraquedistas expulsos do 17º regimento de Montauban devido às suas simpatias neonazis. Os jornais publicaram uma fotografia dos três homens a fazer a saudação hitleriana, envoltos numa bandeira com a cruz suástica.
Jovens fanáticos, franceses, brancos. Tinham a biografia típica do assassino, aquele que se vinga dos irmãos de armas que o denunciaram, e abate três soldados de origem magrebina, antes de perseguir os judeus numa escola. O protótipo do ativista do partido de Le Pen – o que não significa que todos os eleitores dos Le Pen, Jean-Marie e a filha Marine [candidata da extrema-direita à presidência francesa], sejam assassinos em potência.
A realidade acabou por apontar outro culpado, Mohamed Merah, francês de origem argelina ("imigrante de segunda geração", segundo a nomenclatura em uso), que, há uma da manhã de ontem, telefonou para o canal de televisão France 24, a revelar as razões para tal atrocidade à jornalista de serviço, Ebba Kalondo – uma mulher de ascendência africana (estamos numa sociedade multiétnica) de voz doce e tranquila.
Mohamed Merah disse ser filiado da Al-Qaeda e pretender "vingar os nossos irmãos e irmãs da Palestina", denunciando a lei que proíbe o véu integral para as muçulmanas, bem como a participação do exército francês na guerra do Afeganistão.
Como é possível dois cenários tão diferentes, se não mesmo opostos, poderem ter sido encarados para explicar estes massacres? A resposta é que ambos eram igualmente plausíveis. Tanto o terrorista islâmico como o paraquedista neonazi pertencem à escória da sociedade, são dois pesadelos opostos e que, no entanto, coabitam e não se neutralizam um ao outro, antes se reforçam mutuamente.

O mesmo curto-circuito que em Oslo

O mesmo curto-circuito lógico produzido em Toulouse havia já acontecido em julho passado, em Oslo, após o massacre perpetrado pelo fanático Anders Behring Breivik: oito mortos na explosão de uma bomba e 69 mortos a tiro num acampamento de jovens sociais-democratas.
A primeira hipótese foi a de um ato perpetrado por terroristas islâmicos contra jovens ocidentais. Ora o culpado era um norueguês loiro de trinta anos, que se autointitulava fundamentalista cristão e pró-israelita, hostil ao multiculturalismo e ao islamismo. Quis atingir os jovens socialistas, que considerava responsáveis por uma imigração muçulmana maciça.
Dois pesadelos diferentes, portanto, mas complementares e compatíveis, ao ponto de os políticos terem suspendido durante algumas horas uma campanha presidencial especialmente acirrada. Por respeito pelas vítimas, evidentemente, seguindo as normas de vida que, em França, são ensinadas na escola.
Mas também para dar tempo para se entender, para evitar cometer erros. O tom é firme, [o Presidente Nicolas] Sarkozy fez do tema da imigração e dos estrangeiros o seu cavalo de batalha no combate a Marine Le Pen, ao ponto de o Wall Street Journal o apelidar "Nicolas Le Pen".
O Presidente promete aos franceses uma França mais forte e mais fechada. Não descartou a suspensão do Tratado de Schengen, de livre circulação de pessoas entre países da UE. Uma perspetiva que deixou Angela Merkel bastante indisposta, tirando-lhe a vontade anunciada de participar nos comícios eleitorais de "Sarko”.
É este o clima que prevalece hoje nessa França onde Mohamed Merah, célula adormecida e solitária da Al-Qaeda a viver há vários anos no bairro do Mirail, em Toulouse, decidiu passar à ação. Podia ter sido um paraquedista neonazi. Mas acabou sendo o fantasma de Bin Laden. O que não tranquiliza ninguém.
Press Europe

Imigração - O que se passa na Holanda?

por A-24, em 26.03.12
O primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, ainda não expressou o seu desagrado quanto ao site anti-imigração do partido de Geert Wilders. O filósofo Paul Scheffer considera que este silêncio é revelador das divisões políticas e da sua falta de visão no que respeita a imigração. 

No estrangeiro, quem está minimamente informado sobre a Holanda, sabe que as notícias andam à volta de uma questão: “O que aconteceu a este país tolerante?” Esta pergunta denota uma deceção sincera, mas adota igualmente um novo preconceito. Da mesma forma que antigamente todos os correspondentes escreviam sobre a liberdade, aparentemente ilimitada, no país das túlipas, agora procuram-se assiduamente exemplos que possam ilustrar a convulsão que atravessa o país.
E não é assim tão difícil. As oportunidades são inúmeras, tendo como ponto culminante recente o “site de sinalização” de polacos [o site, lançado pelo Partido da liberdade, pede que sejam assinalados os comportamentos dos imigrantes considerados como discordantes]. Alguém, nas altas esferas governamentais, se dá ao trabalho de ler o deprimente rol de artigos no Beschwerdeportal, no Ost-Pranger, o convite à denúncia dos emigrantes, a linha telefónica “anti-polacos”, o site holandês anti-imigração? E refiro-me apenas, aqui, aos alemães, aos franceses e aos ingleses.
Esta indignação doutros países está, com certeza, parcialmente ligada aos seus próprios interesses. Os dez embaixadores dos países da Europa central e oriental que, em carta aberta, se manifestaram contra este site, teriam muito que explicar no que diz respeito aos direitos das minorias nos seus próprios países. E, relativamente ao Parlamento Europeu, pode dizer-se que quanto mais modesta é a influência, mais as palavras são fortes. Por outro lado, existem problemas reais em torno da livre circulação de pessoas na Europa – ainda mais agora que a Roménia e a Bulgária acabam de aderir.

Um país dividido


Tudo isto é verdade, mas entretanto, a nódoa no tapete continua a crescer. É isto que o primeiro-ministro não consegue ver bem. Em Bruxelas e não só, temos agora a impressão de que, em Haia, se mente bastante acerca da influência real de Wilders no Governo [que ele apoia sem participar].
Este não é um caso isolado. A crise das caricaturas [dinamarquesas] já tinha demonstrado que os conflitos entre os governos irão aumentar na proporção do que se passar nas respetivas sociedades nacionais. A publicação de caricaturas de Maomé desencadeou uma série de reações no Médio Oriente. Em contrapartida, os conflitos no exterior terão cada vez mais repercussões nas nossas cidades, como ficou evidente uma vez mais, na semana passada, com o atentado contra uma mesquita em Bruxelas, relacionado com a guerra civil na Síria.
Estas fronteiras cada vez mais ténues entre o nosso país e o exterior, onde a imigração tem um papel essencial, exigem uma diplomacia ativa. O Governo anterior [da coligação entre democratas cristãos e social-democratas liderada por Jan Peter Balkenende] estava mais atento a este assunto. Quando Wilders lançou [em 2008] o seu filme Fitna, sobre o Islão, as consequências nefastas foram contidas de uma forma subtil. Conseguimos atenuar a ameaça de reações violentas no Médio Oriente graças a um conjunto de iniciativas, em que também intervieram personalidades de primeiro plano da comunidade muçulmana.
Uma diplomacia deste tipo só é eficaz se assentar sobre um consenso sustentado. O silêncio envergonhado de Rutte revela um país dividido em relação ao mundo exterior. Existem diferenças de opinião fundamentais acerca da imigração entre os partidos que apoiam o Governo, e a discórdia no seio da maioria tem vindo a aumentar nos últimos anos.

Será o Islão uma religião ou uma ideologia política?

No início, discutia-se ainda se o Islão seria uma religião ou uma ideologia política. Esta discórdia podia ainda ser conjurada por um agreement to disagree [um acordo pela discórdia]. Atualmente a divergência de opinião afeta o núcleo da integração europeia, ou seja, a livre circulação das populações. O “site de sinalização” dá a entender que não somos obrigados a tratar da mesma forma todos os cidadãos da União, e os seus criadores consideram que a abertura das fronteiras é um erro enorme.
Tudo isto esconde uma diferença ainda mais substancial relativamente à forma de abordar a imigração. Quando os políticos do Partido da liberdade (PVV) propõem que se continue a qualificar a terceira geração como allochtone, ou seja, os netos dos que imigraram, revelam uma opção óbvia. O que quer dizer que os novos imigrantes e os seus descendentes – que em 2025 representarão cerca de um quarto da população –, verdadeiramente, nunca poderão fazer parte da sociedade.
O “site de sinalização” e o silêncio de Rutte testemunham uma divisão crescente. A condenação por parte do Parlamento Europeu é preocupante, mas mais grave é a timidez dos partidos do centro, incluindo os da oposição. Estes nem sempre conseguem manter um discurso com uma visão de futuro sobre a economia e o simbolismo de uma sociedade de imigração. Em dez anos tudo foi dito acerca da integração, mas ainda não conseguimos sair do impasse político. 

Arábia Saudita - Capital Londres

por A-24, em 26.03.12
Para o juiz britânico Stephen Sedley, Nadia Eweida (foto) possui uma "agenda sectária" por não atender ao pedido de sua empresa, recusando-se a remover a pequena cruz que portava no pescoço.

Prática de países muçulmanos como a Arábia Saudita, está se estendendo por todo o Ocidente a proibição de símbolos religiosos cristãos. E de tal modo, que de Porto Alegre a Londres a tendência é erradicá-los, primeiro da vida pública e depois dos próprios indivíduos. A prevalecer tal tendência – que mais se parece uma sinistra palavra-de-ordem –, daqui a pouco se estará exigindo a remoção do Cristo Redentor que abençoa e protege o Brasil, ou da bela cruz que encima a coroa da Rainha Elizabeth.
Podemos imaginar como os muçulmanos – cujo número em diversos países da Europa suplantará dentro de mais alguns anos o de europeus – estão esfregando as mãos de contentamento ao verem ex-cristãos destruírem seus próprios símbolos, enquanto eles punem com pena de morte aqueles que em seus respectivos países ousarem fazer o mesmo, ou muito menos, em relação aos símbolos do Islã.
Há mais. Os líderes muçulmanos vêem que o Ocidente destrói não só seus símbolos, mas até os potenciais portadores e cultores deles pela prática do aborto. E sabem ainda que, na busca infrene de prazeres, os ocidentais não só impedem suas crianças de virem ao mundo, mas querem dele expulsar, por obra da eutanásia, esse ‘estorvo’ chamado velhice. Há correntes ambientalistas mais avançadas que não hesitam sequer em propor um genocídio generalizado para salvar o Planeta!

Mas vamos a Londres

Hilary White, correspondente do LifeSiteNews em Roma, escreve no dia 13 de março último: “Os críticos estão dizendo que pela primeira vez o governo britânico se opôs abertamente à liberdade dos cristãos de expressar em público suas crenças. Num caso que foi levado à Corte Europeia dos Direitos Humanos, o governo do primeiro-ministro David Cameron argumentará que nenhum direito protege os cristãos de portarem a cruz ou o crucifixo no trabalho, porque isso não é um aspecto ‘necessário’ de sua religião”.
Citando o jornal “Sunday Telegraph”, White afirma que ministros do Ministério das Relações Exteriores inglês publicaram uma resposta para o caso, dizendo que os patrões poderão despedir os seus empregados que se recusarem a tirar as cruzes.
Trata-se dos casos de Nadia Eweida e Shirley Chaplin, punidas por usarem símbolos religiosos. Ambas entraram com uma ação junto à Corte Europeia dos Direitos Humanos e estão lutando para estabelecer o direito de portarem a cruz no trabalho sem ameaça de medida disciplinar. Elas argumentam que estão amparadas pelo artigo 9 da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos, o qual estipula que qualquer pessoa tem o direito de “manifestar pública ou privadamente sua religião ou crença, em culto, ensino, prática e observância”.
O caso de Eweida faz manchete no Reino Unido desde 2006, quando a Britsh Airways exigiu desta sua funcionária que removesse a pequena cruz que portava no pescoço. Ela se opôs e foi colocada de licença não remunerada. Apresentou, então, queixa por discriminação religiosa na Corte de Apelação. Em 2008, além de não dar provimento, o juiz Stephen Sedley ainda acusou Eweida de possuir uma “agenda sectária”. Por sua vez, Shirley Chaplin, enfermeira com 31 anos de prática, recebeu de dois hospitais a ordem de não mais usar no pescoço um pequeno crucifixo. Em 2010, utilizando o mesmo argumento do Ministério das Relações Exteriores, o Tribunal do Trabalho disse a ela que não lhe assistia nenhum direito de trabalhar usando a cruz, porque isso não era um “requerimento” de sua fé. Ela respondeu que estava sendo vítima de uma perseguição “politicamente correta” e lembrou que as muçulmanas podiam trabalhar usando véus, sem ameaça de serem despedidas.
O estrondo resultante da decisão da Britsh Airwahys no caso de Eweida levou a empresa a voltar atrás e mudar as regras relativas ao uniforme, de modo a permitir o uso da cruz. Mas a corte considerou que a Britsh não procedera de modo ilegal e discriminatório, acrescentando que, não podendo ser ocultados, os símbolos de outras religiões são aceitáveis. Ou seja, segundo o “alternative judge” da referida corte, símbolos islâmicos, sim; católicos, não!
A correspondente de LifeSiteNews observa que esses dois casos acontecem num momento de grande tensão entre os cristãos e o Estado, cuja legislação igualitária é cada vez mais citada em casos contra cristãos, levando tanto líderes religiosos altamente colocados quanto parlamentares a alertarem para uma crescente tendência contra o cristianismo na vida pública. Link

Crise, uma oportunidade de ouro para as empresas

por A-24, em 25.03.12
Despedimentos facilitados, salários reduzidos, idade de reforma prolongada: sob a pressão da crise, os governos europeus reescrevem o direito do trabalho, para grande satisfação dos empresários. 
A crise provoca a ira na Grécia, em Espanha e em Portugal. Todo o Sul da Europa está prostrado. Todo o Sul da Europa? Não. Nestes países, realizam as velhas reivindicações de alguns. Como as de Juan Rosell, por exemplo, presidente da organização patronal espanhola CEOE. Durante anos, reclamou maior suavidade na proteção contra o despedimento. Atualmente, o Governo fez-lhe a vontade. “Não será a última reforma do mercado de trabalho”, profetiza Juan Rosell, seguro do seu sucesso. A crise é a sua oportunidade.
As empresas europeias agarram a oportunidade com as duas mãos. Sob a pressão da recessão e das dívidas públicas, por todo o lado, os governos estão a fazer regredir os direitos dos trabalhadores e diminuem os custos salariais. O objetivo é tornarem-se mais competitivas e, por isso mesmo, mais atrativas para os investidores. “A Europa está a um passo de se tornar um paraíso para os empresários. Às costas dos trabalhadores”, lamenta Apostolos Kapsalis, do instituto de pesquisa da confederação sindical grega GSEE.
Face à explosão do desemprego e às medidas de rigor da UE, estão de pé atrás. Especialmente na Grécia, onde o Governo reduziu o salário mínimo e os subsídios de desemprego. “São de esperar grandes reduções de salários”, previne Michala Marcussen, do banco Société Générale.
A idade de reforma foi prolongada, o que não só evita que o Estado tenha de pagar pensões, como também aumenta o número de candidatos no mercado de trabalho, exacerbando assim a concorrência por um emprego. “A Grécia é a cobaia do laboratório de reformas europeu”, desabafa Apostolos Kapsalis. “Aqui, testamos as medidas de austeridade que podem ser aplicadas.” O sindicalista avisa que programas semelhantes já estão a ser aplicados noutros países.

Preoteção contra o despedimento tende a desaparecer

Em Espanha, por exemplo, onde o Governo reformou o mercado de trabalho, em fevereiro, sem negociação prévia com os sindicatos – “de maneira muito agressiva”, como reconheceu o próprio ministro da economia, Luis de Guindos -, os primeiros beneficiários destas reformas são as empresas: “Trata-se, nem mais nem menos, de reforçar as suas margens de lucro – e, a curto prazo, isso só é possível através de uma redução dos custos salariais”, observa Patrick Artus, economista do banco francês Natixis.
A onda de reforma não atinge apenas os pequenos países. Também em Itália, o primeiro-ministro, Mario Monti, planeia reduzir muitíssimo os direitos habituais dos trabalhadores. Assim, tendem a desaparecer a proteção contra o despedimento e as suas apertadas regras. Em 2002 já tinha sido feita uma primeira tentativa que falhou perante a resistência da população.
Agora, surge uma nova oportunidade – e o primeiro-ministro não a vai perder. “Sobre as questões de política económica, Mario Monti está na mesma linha que nós”, congratula-se Emma Marcegaglia, presidente da confederação industrial Confindustria.
Os líderes políticos europeus tomaram como modelo a Alemanha, onde a Agenda 2010 e a moderação salarial têm impulsionado a rentabilidade das empresas, e onde a crise foi ultrapassada há muito tempo. “No plano da concorrência internacional, a única solução que a Europa tem, para fazer face às potências emergentes, como a China ou o Brasil, é tornar-se tão competitiva como a Alemanha”, declarou, em janeiro, a chanceler Angela Merkel.

“As medidas vão travar o crescimento”

O nível dos salários alemães e a produtividade alemã servem, assim, de bitola à concorrência europeia – incluindo a França, que perdeu quotas de mercado internacional para outros países, enquanto a Alemanha consolida a sua posição no mercado. Segundos os cálculos do Commerzbank, a produção de automóveis franceses e italianos desceu cerca de 30% entre 2004 e 2011 quando, no mesmo período, os construtores alemães viram a sua produção aumentar 22%.
É forçoso reconhecer que as reformas do mercado de trabalho não são medidas anticrise de curto prazo, são, sim, duradouras. Porque os Estados pressionam-se mutuamente através das suas estratégias de redução de custos. Mesmo os países com salários baixos, como a Croácia e a República Checa, terão de introduzir maior flexibilização no seu mercado de trabalho e têm de rever os seus custos salariais, baixando-os, para relançarem a competitividade, previne o FMI.
Esta competição entre Estados-membros recolhe os favores da UE, que quer fazer da Europa a região mais competitiva do mundo até 2020. “Temos a obrigação de definir uma estratégia de crescimento”, declarou o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso.
Este relançamento da competitividade, à custa de uma redução dos custos salariais, faz-se em detrimento dos rendimentos – e, por isso, à custa do consumo das famílias. “As medidas vão travar o crescimento e o mercado de trabalho durante alguns anos”, prevê Patrick Artus. Resta saber se os primeiros interessados estão de acordo. Os sindicatos portugueses acabam de fazer uma greve geral, e os espanhóis seguem-lhes os passos. Apostolos Kapsalis, o sindicalista grego, convida os alemães a serem mais solidários: “Porque, hoje, somos nós que estamos mal – mas, amanhã, vai ser novamente a vossa vez”.

Mais um excelente artigo sobre a atual situação política na Grécia

por A-24, em 25.03.12
Nos seus relatórios, as páginas estão cheias de análises sobre a dívida, a competitividade da economia e as reformas estruturais, mas agora, quando se fala com alguém pertencente à equipa da troika em Atenas, a conversa vai rápida e invariavelmente parar à política. A Grécia prepara-se para, dentro de pouco mais de um mês, realizar as primeiras eleições desde o início da crise e, entre os técnicos da Comissão Europeia e do FMI, o ambiente é de receio e incerteza em relação ao que irá resultar desta consulta popular. Têm motivos para isso.

Após cinco meses de um Governo com maioria parlamentar liderado pelo tecnocrata e escrupuloso cumpridor do programa de ajustamento Lucas Papademos, a Grécia pode passar, dentro de poucas semanas, para um cenário em que nenhum partido controla sozinho o Parlamento, em que líderes políticos há muitos anos de costas voltadas uns para os outros vão ter de negociar coligações e, aquilo que atormenta especialmente a troika, em que os partidos que apoiam de forma incondicional o programa de ajustamento podem, mesmo coligados, não ser maioritários.
"Os partidos políticos não se suportam uns aos outros, uma coligação é algo que não querem mesmo fazer", afirma preocupado um dos responsáveis da troika presentes em Atenas, que prefere manter o anonimato.
Publicamente, vários líderes políticos europeus têm feito apelos ao entendimento entre os principais partidos. Sexta-feira, o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, defendeu numa entrevista a jornal alemão Bild que, mesmo depois do perdão da dívida e da aprovação do segundo empréstimo, a Grécia, "para ultrapassar a crise, precisa de uma situação política estável".
Mas tudo aponta para que, após as eleições - que esta semana deverão ser agendadas para 29 de Abril ou 6 de Maio -, encontrar essa estabilidade se torne ainda mais difícil. O desânimo da população em relação à situação do país e ao desempenho dos partidos é tal que o cenário mais provável neste momento, olhando para as diversas sondagens de opinião, é o colapso do equilíbrio político que imperou na Grécia durante as últimas quatro décadas.

A entrar no quinto ano consecutivo de recessão, com dolorosas medidas de austeridade a serem implementadas e com o país submetido às exigências dos credores estrangeiros, o descontentamento dos gregos em relação à sua classe política atingiu novos máximos. Cerca de 94% dos gregos dizem não confiar nos partidos políticos, o valor mais alto em toda a União Europeia (a média da UE é de 81%). E recentemente, têm-se sucedido os ataques violentos a políticos, que já levaram as autoridades a formar cordões policiais permanentes em torno das sedes dos principais partidos.
"As pessoas que estão no poder agora são as mesmas que estivavam no passado e nos conduziram para esta situação. São as mesmas 300 ou 400 pessoas e elas precisam de ser penalizadas", diz Stavros Messinis, um empreendedor na área das novas tecnologias em Atenas, que mesmo assim não mostra grande esperança no que possa vir a sair das eleições. "Não espero muito, não é pela actual classe política que vamos resolver os nossos problemas", afirma.

Entre os mais jovens, a desilusão ainda é mais evidente. "Sinto raiva. Há anos que nos prometem que as coisas vão mudar, que a corrupção vai acabar e agora estamos nesta situação. Acho que nestas eleições, vou votar em branco", diz Giannis Christidis, estudante na Faculdade de Economia da Universidade de Atenas.

Colapso do PASOK

Apesar do sentimento negativo em relação aos políticos ser geral, as forças mais visadas são aquelas que, sem interrupção, se foram alternando no poder desde que foi deposta, em 1974, a junta militar que dominava o país.
De um lado, está o PASOK, o partido de centro esquerda que em 2009, com George Papandreou na liderança, venceu as eleições com 40% dos votos e que, nas últimas três décadas esteve dois terços do tempo no poder. Agora, está em autêntico colapso, aparecendo com pouco mais de 10% das intenções de voto em todas as sondagens e enfrentando uma crise financeira interna grave (os seus funcionários já têm salários em atraso há quatro meses).
Há uma semana, Evangelos Venizelos substituiu Papandreou à frente do partido. O ex-ministro das Finanças é, com a sua reconhecida persistência e capacidade de comunicação, a única esperança do PASOK para conseguir manter alguma importância no panorama político grego.
Os seus eleitores (e também os dirigentes) estão a fugir, na maior parte dos casos, mais para a esquerda. O movimento Esquerda Democrática, criado em 2009 por Fotis Kouvelis, conta com vários "desertores" do PASOK nas suas fileiras e identifica-se como um partido de esquerda que é também pró-europeu. Nas sondagens tem aparecido sistematicamente à frente do PASOK, aproximando-se dos 20% dos votos.Mais à esquerda, a coligação Syriza tem vindo a conquistar cada vez mais espaço com a sua forte contestação ao acordo feito com a troika e consegue, em quase igualdade com o histórico Partido Comunista, mais de 10% dos votos.
Na semana passada, dois outros dirigentes do PASOK - Louka Katseli e Haris Kastanidis - abandonaram o partido e criaram um movimento para concorrer às eleições, o Pacto Social, que parece também ter condições para garantir um lugar no parlamento.
Juntos, todos estes partidos à esquerda do PASOK ameaçam chegar aos 40% dos votos e são o maior pesadelo da troika, já que todos se opõem às políticas definidas no programa de ajustamento. A concretização de uma coligação entre eles é considerada extremamente improvável, mas o seu peso no futuro Parlamento vai ser determinante, até porque pode evitar a existência de uma maioria ao centro.

Maioria difícil

À direita, a situação não é muito mais fácil para o histórico do centro-direita, a Nova Democracia, apesar de as sondagens mostrarem que será, com toda a probabilidade, a força mais votada nas próximas eleições.
O partido governava o país em 2009, quando a crise orçamental grega se tornou mais evidente. O seu novo líder, Antonis Samaras, começou por adoptar um discurso de forte oposição ao primeiro acordo com a troika, criticando sobretudo as subidas de impostos. No entanto, acabou por apoiar o segundo acordo, sendo parte integrante do actual governo liderado por Lucas Papademos. Esta inconstância faz com que a Nova Democracia, normalmente a alternativa quando o PASOK perde terreno, não se consiga aproximar dos 30% dos votos nas sondagens, ficando portanto longe de uma maioria absoluta.
Os votos têm fugido mais para a direita, para o LAOS, e mesmo para os radicais de extrema-direita Chryssi Avghi, que podem entrar pela primeira vez no Parlamento. Na semana passada, Pannos Kammenos, dirigente de longa data da Nova Democracia, abandonou o partido para formar um movimento que aposta num discurso anti-troika - os Gregos Independentes -, que promete roubar mais votos a Samaras.
Neste cenário de enorme desagregação, apesar da lei grega facilitar a criação de maiorias parlamentares através da entrega de um bónus de 50 deputados à força mais votada, já ninguém acredita que um partido sozinho possa garantir uma maioria absoluta. E existe mesmo a dúvida que os dois partidos pró-troika e que apoiam o actual Governo interino consigam ter votos suficientes para, em coligação, formarem Governo.
"As sondagens que têm vindo a ser feitas não dão uma maioria à Nova Democracia e ao PASOK. Mesmo assim, acredito que nas próximas semanas vamos assistir a uma recuperação dos dois partidos. Vai ser apertado", prevê Panagis Galiatsatos, jornalista da secção de Política do diário Kathimerini.

Subida dos extremos

Pavlos Geroulanos, ministro da Cultura e do Turismo e membro do PASOK, não acredita numa maioria ao centro para já. "Os extremos vão subir, não acredito que se consiga uma maioria na primeira eleição, vai ser preciso uma segunda ou mesmo uma terceira", afirma.
Depois não é certo que, mesmo na eventualidade da Nova Democracia e o PASOK conseguirem juntos uma maioria parlamentar, os dois partidos sejam capazes de se coligar, dado o longo historial de desentendimentos graves entre os seus dirigentes. Theodoros Pangalos, vice-primeiro-ministro do actual Governo, anunciou ontem o seu abandono da política, dando como razões o facto de o sistema político ser "corrupto" e prevendo que não se irá conseguir chegar a acordo para uma grande coligação.Será em clima de incerteza política pós-eleitoral que a troika irá, mês a mês, continuar a avaliar o desempenho das autoridades gregas para decidir se entrega as tranches do empréstimo assinado há duas semanas. A política, para a troika, permanecerá, nos próximos tempos, como o tema mais importante.

O jornalista viajou a convite da Comissão Europeia
PÚBLICO

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