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A-24

Cinema: As Serviçais (2011)

por A-24, em 30.11.11

Depois do cinema - As Serviçais é a adaptação ao cinema do livro com o mesmo nome escrito por Kathryn Stockett em 2009. Rapidamente adianto que é um filme melodramático que carrega consigo uma verdadeira montanha-russa de emoções; Tanto nos faz rir, como depressa nos causa tristeza.Tem de tudo mesmo. Ao pretender retratar o preconceito, e as tentativas de mudança de mentalidade das sociedades, é um filme verdadeiro e emocionante, sendo um forte candidato aos Óscares.
Sinopse (PUBLICO): Skeeter (Emma Stone) decide seguir o seu sonho em se tornar escritora. Quando, de regresso à sua cidade, se apercebe da súbita ausência de Constantine (Cicely Tyson), a governanta negra que a criou, pede ajuda a Aibileen (Viola Davis) e a Minny (Octavia Spencer), ambas governantas e amigas de Constantine. É desta maneira que, quase por acaso, nasce entre as três uma cumplicidade que resultará num projecto absolutamente inédito e que irá abalar, para sempre, aquela sociedade minada de preconceitos: um livro onde são contadas, na primeira pessoa, as histórias de mulheres que, apesar de criarem as crianças das famílias brancas como se fossem suas, são ostracizadas devido à cor da sua pele.
Devido à sua duração, o filme acaba por ter diversas sub-histórias, mas devo desde já salientar a magnífica realização por parte de Tate Taylor, que conseguiu interligar as diferentes histórias de maneira bastante inteligente. Nenhum momento ou personagem são esquecidos, está de facto uma adaptação muito boa, pois o argumento apresenta-se sólido e consistente. É um filme bastante duro e realista, que aborda a cruel realidade em que a população de raça negra dos estados sulistas da América do Norte vivia.
É um filme que surpreende a nível de prestações, especialmente por parte de Jessica Chatstain, Emma Stone e Octavia Spencer. Todas elas transmitem as suas emoções no expoente máximo, e será quase que impossível não se estabelecer uma ligação emocional entre o espectador e estas personagens. Muito devido ao facto de cada personagem ser bastante diferente, o que torna possível assumirmos diversas posições. É, de facto, raro que um filme tenha tantas personagens tão bem desenvolvidas, enfim, é verdadeiramente bem actuado. Só um elenco de luxo é que poderá puxar emocionalmente pelo público, e garantidamente é o que acontece neste filme.
Não me vou estender muito mais, mas posso mesmo dizer que é um filme que vale mesmo muito a pena irem ver ao cinema. É deveras apaixonante, que prende a atenção do espectador de início ao fim, e conta com um elenco soberbo que torna o filme muito humano. Recomendadíssimo!

Em Tugu há descendentes dos portugueses negros que cantam "as pombinhas"

por A-24, em 29.11.11

Não é fácil chegar a Tugu, a nordeste de Jacarta, capital da Indonésia. Mesmo ao fim-de-semana, o trânsito que liga à aldeia é caótico, devido à proximidade do porto de Tanjung Priok, o principal do país, com cerca de 430 hectares.

Apesar dos inúmeros camiões que entopem a estrada principal, sente-se uma tranquilidade ao chegar a Tugu, um ex-líbris de Portugal. Junto ao cemitério e à igreja branca datada do século XVII, há um espaço aberto e arvoredo que lembra o centro de algumas aldeias portuguesas, até pelos idosos que por ali vão deixando cair o tempo.
Os ancestrais dos tugu estão ligados aos escravos dos portugueses na Índia que foram levados para a Batávia, antiga Jacarta, por holandeses. Ainda no século XVII, após o fim do império colonial português no Sudeste Asiático, chegaram àquela zona comerciantes, artesãos e aventureiros oriundos de Malaca, Ceilão, Cochim e Calecute. O cruzamento entre os dois grupos fez nascer os chamados “Portugueses Negros”, que tinham em comum a língua portuguesa e a religião cristã.

Os holandeses esforçaram-se por apagar as marcas portuguesas, alterando nomes e impondo o calvinismo mas a língua papiá tugu resistiu. O último falante deste crioulo morreu em 1978. Agora, o idioma é apenas usado na música.

Há ainda uma biblioteca, construída com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, onde a comunidade pode ler em português. A zona é organizada, limpa e agradável e é comum ouvirem-se latidos, ao contrário do que acontece em Jacarta, já que para a maioria dos muçulmanos os cães são animais sujos.
Amor nunca consumado
Arthur, Lisa e Andre são três dos sete irmãos da família Michiels, uma das 150 famílias habitantes de Tugu, embora existam outros elementos da comunidade espalhados pelo país e também na Holanda.
Arthur, o porta-voz da comunidade, é o único que já visitou Portugal. Mas o país está no coração dos restantes, que provavelmente nunca terão oportunidade de pisar terras lusas.
A entrevista decorre numa sala que serve para os ensaios do grupo de música Keroncong Tugu e também para exibir prémios e fotografias. Há uma bandeira portuguesa a ocupar boa parte de uma parede, debaixo da fotografia dos pais da família Michiels, prémios e fotografias com altas personalidades do país, incluindo o actual Presidente da República, Susilo Bambang Yudhoyono.

Apesar de já terem passado 11 gerações desde a chegada dos portugueses a Batávia, alguns deles ainda têm características físicas europeias como uma senhora com cabelos ruivos encaracolados. Andre tem os olhos castanhos e não pretos, contrariando a fisionomia predominante na Indonésia, e também o nariz do irmão Arthur é diferente do da maioria. O porta-voz da comunidade diz que carrega “muitos sentimentos no coração”, porque quando viajou até Portugal não se sentiu português e na Indonésia distancia-se dos restantes por ter um nome europeu. “Quem sou eu?”, questiona, mostrando-se “orgulhoso, mas também triste”.
Até à geração dos pais de Lisa, os tugu tentavam casar entre si, mas agora a situação é diferente, pelo que as características físicas europeias deixarão de se notar, diz.
Os tugu ainda conservam algumas tradições portuguesas, como “beber algum vinho no Natal e no Ano Novo”, mas “a comida é totalmente diferente”, refere Lisa.
Música popular e Ronaldo
O estilo de música popular Keroncong começou a ser tocado com a chegada dos portugueses e do cavaquinho à Indonésia no século XVI. Hoje existem vários músicos de Keroncong no país, mas o Keroncong Tugu, que nasceu em 1998 – embora na comunidade já existisse outro grupo –, é muito famoso porque os indonésios sabem que o estilo nasceu naquela aldeia. O Keroncong alia elementos ocidentais e orientais, algo que também é visível nas vestes usadas pelo grupo.
Segundo Lisa Michiels, “ultimamente os jovens estão a gostar mais do keroncong”. “Nós tentamos apresentar o estilo nas escolas e na comunidade jovem”, acrescenta.
Através da música, os tugu têm aparecido várias vezes na televisão, viajaram pelo país e até para o estrangeiro, como Holanda, Singapura e Malásia. “Queremos mesmo muito, um dia, tocar esta música em Portugal”, confessa Lisa.
Em 2008, foi criado o grupo de dança tradicional portuguesa Romeiros de Tugu, com a ajuda do Instituto Camões. Há ainda um grupo de música para os mais novos, a maioria deles da família Michiels, sendo que durante o encontro com o PÚBLICO há uma criança que canta “Três pombinhas a voar”.
Além disso, os tugu participam em eventos e organizam o festival Mandi-mandi na primeira semana de Janeiro na aldeia, que desperta a curiosidade dos visitantes.
Arthur, que se diz orgulhoso de a comunidade tugu ser portuguesa, afiança que os indonésios gostam de Portugal não só porque os portugueses não tiveram uma atitude “expansiva” na Indonésia como os holandeses, mas também por causa do futebol. “O Cristiano Ronaldo é como um deus”, diz, rematando com um riso aberto.
A música como suporte da cultura tugu
A comunidade faz questão de convidar as pessoas de fora para visitarem Tugu e aprenderem mais sobre a cultura, cujo maior sustentáculo é a música.
O Instituto Camões, que neste momento não tem leitor na Indonésia, ofereceu aulas de Português à comunidade tugu e Lisa e Arthur aproveitam a entrevista para ir recordando palavras e até pratos da gastronomia lusa.
Os irmãos falam com nostalgia também do tempo em que aprenderam a cozinhar e a fazer “renda” e do carinho e atenção que dizem ter recebido do último embaixador português, Carlos Frota, que se reformou este ano. Actualmente, não há embaixador português na Indonésia.
Agora apenas podem treinar o português quando contactam com “alguns amigos portugueses” nas redes sociais. Mas os irmãos estão muito gratos pelas aulas, porque antes disso cantavam as músicas sem saberem o significado das letras.
“O meu pai apresentou-nos a cultura quando ainda éramos crianças. É por isso que nós amamos a nossa cultura e queremos que a nossa próxima geração também goste da cultura e a proteja”, vinca Lisa.
Público

À centésima, Roger Federer conquistou o 70.º

por A-24, em 28.11.11
Se há um recorde mais emblemático para um jogador considerado pela maioria como o maior campeão de sempre, é o de maior número de títulos no torneio que reúne os melhores. E esse recorde é agora de Roger Federer, após o sexto triunfo no ATP Tour World Finals, prova que se iniciou em 1970 sob o nome de Masters. Tal como nos três derradeiros duelos, o suíço derrotou Jo-Wilfred Tsonga e terminou o ano, o seu pior desde 2002, com uma série de 17 encontros ganhos e a conquista do 70.º título em cem finais realizadas.
“Não podia estar mais feliz e não podia estar mais exausto, porque o Jo sugou todas as minhas últimas energias”, disse Federer, após ganhar, por 6-3, 6-7 (6/8) e 6-3, e receber 1,2 milhões de euros por conquistar o Masters sem sofrer derrotas. Tsonga tinha eliminado Federer nos quartos-de-final de Wimbledon e venceu-o no Verão, em Montreal, mas os últimos três duelos caíram para o suíço: “quartos” do Open dos EUA, final de Paris-Bercy e, oito dias antes, primeira jornada do Masters (6-2, 2-6 e 6-4). “Fizeste uma grande época, ganhaste-me em Wimbledon, esta foi a minha vingança em Londres. Terás outras oportunidades”, elogiou Federer que, aos 30 anos, é o mais velho tenista a ganhar o evento.
No seu último encontro da época, Tsonga até estava disposto a partir os dois pés, mas o que faltou foi regularidade. O francês entrou muito determinado e, nos primeiros três jogos de serviço, cedeu somente um ponto. Mas no oitavo jogo, do nada, Federer obteve um break, em branco, que viria ser decisivo.
No segundo set, Tsonga tentou reagir mas esteve mais inconstante e, depois de sobreviver a dois break-points a 1-2, após duas duplas-faltas, acabou por ceder no quinto jogo. Ao fim de apenas uma hora e 11 minutos, Federer serviu para escrever mais uma página na história da modalidade, só que acusou o momento e o francês conseguiu o seu primeiro break no encontro. No tie break, Federer liderou por 5
2, serviu a 5/4 e um ás deu-lhe o primeiro match-point, a 6/5, salvo pela direita de Tsonga que voltou, dois pontos mais tarde, a aparecer.
O set decisivo teve o seu momento-chave no oitavo jogo, no qual Tsonga salvou corajosamente dois break-points, mas cedeu no terceiro, permitindo que Federer servisse a 5-3. Desta vez, o suíço não vacilou e fechou com um jogo em branco, uma hora e oito minutos depois de ter servido a 5-4 no segundo set.
Tsonga, que tentava ser o primeiro francês a ganhar a prova – depois de uma única tentativa por Sébastien Grosjean, em 2001 – fechou o ano com exibições que irão dar-lhe bastante confiança para preparar 2012. “Sem ti, talvez pudesse ganhar todos os torneios, mas estás aqui e és o melhor”, disse Tsonga.
Público

Renasceu a Lisboa antes do terramoto

por A-24, em 27.11.11
Recuemos até 31 de Outubro de 1755, véspera do sismo que arrasou Lisboa. Deambulemos pelo emaranhado de ruas sujas e nauseabundas, de traça medieval, e depois continuemos a pé até à beira do Tejo. Entre o labirinto de casas e ruelas desordenadas, abre-se o Terreiro do Paço, praça ampla com uma fonte no meio: de um dos lados, sobressai o torreão do Paço da Ribeira, onde vivem o rei e a corte. Não muito longe, encontramos a Igreja da Patriarcal, a recém-construída Ópera do Tejo ou a Ribeira das Naus, onde ficam estaleiros de construção naval.
No dia seguinte, 1 de Novembro, pelas nove e meia da manhã, a crosta terrestre rompeu-se no mar, ao largo de Portugal, e a terra tremeu com uma tal violência que grande parte da cidade ficou reduzida a escombros. Com magnitude de 8,5 graus, um dos maiores sismos de que há memória, o terramoto de 1755 é considerado a primeira grande catástrofe natural da história.
Uma hora e meia depois chegou o tsunami, gerado pela deformação no fundo do mar quando se deu o sismo, e inundou a zona ribeirinha da capital. Por último, os incêndios. Os fogões no casario denso, sempre acesos, atearam fogos que cobriram Lisboa de negro.
Terão morrido dez mil pessoas, nas estimativas recentes, entre as 200 mil que habitavam a cidade. Umas terão ficado debaixo dos escombros. Aquelas que fugiram para as margens do Tejo, sobretudo o Terreiro do Paço e o Cais do Sodré, foram apanhadas pela onda, que chegou com cinco metros de altura e avançou 250 metros terra adentro.
Foi em cima destas ruínas que renasceu uma Lisboa de ruas largas e geométricas na Baixa, tal como conhecemos agora. A cidade erguida da catástrofe - cujos trabalhos de reconstrução foram dirigidos por Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro Marquês de Pombal - sepultava assim muitos vestígios da antiga, descrita nos textos da época como caótica, cujas ruas e becos não obedeciam a qualquer plano prévio. Descreviam-na ainda como nojenta (as bacias com dejectos eram despejadas no Tejo) e contava-se que estava sempre a ser fustigada por incêndios.

Documentos, gravuras, litografias ou mapas perpetuaram a memória da cidade desaparecida, que foi sendo resgatada em projectos de investigação. Há cinco anos, na passagem dos 250 anos do terramoto, o Museu da Cidade quis ir mais longe e iniciou a recriação virtual a três dimensões da cidade pré-pombalina. Hoje, às 19h, faz-se a apresentação pública dessa reconstituição, com o presidente da câmara, António Costa, e a vereadora da Cultura, Catarina Vaz Pinto. Em quiosques multimédia, os visitantes podem agora reencontrar a Lisboa à beira do terramoto e cruzar-se com edifícios e algumas das zonas mais marcantes da cidade. Quem quiser pode visualizar as reconstituições rodando-as 360 graus. Ou ainda ver vídeos que reconstituem percursos - por exemplo, uma vista panorâmica da cidade, a frente ribeirinha,ou a Rua Nova dos Ferros.

Uma maqueta especial

Tudo partiu de uma das peças mais emblemáticas no museu - a maqueta que representa Lisboa antes do terramoto, construída pelo maquetista Ticiano Violante sob a orientação do olissipógrafo Gustavo de Matos Sequeira, na década de 1950. Com mais de dez metros de comprimento, por quatro de largura, a maqueta em gesso ficou pronta em 1958, para ser incluída no ano seguinte numa exposição sobre os 200 anos do terramoto. Através dela tem-se uma visão global da cidade naquela época. Podem identificar-se os edifícios de maior interesse, como palácios, igrejas, conventos, hospitais e fortificações, e as praças e ruas.
uma peça que capta a atenção de todo o tipo de público. Era intenção do museu explorar o manancial informativo que a maqueta contém, no sentido de tornar a leitura deste objecto e da cidade que ela representa mais clara", conta a directora do Museu da Cidade, Cristina Leite, que concebeu e dirigiu o projecto.
Uma equipa do museu partiu daquele conhecimento de há 50 anos sobre a cidade na véspera do sismo e vasculhou toda a documentação, desde fontes cartográficas, iconográficas, textos inéditos até plantas e dados arqueológicos. Com esta informação, construiu ainda modelos físicos de edifícios e ruas e forneceu os dados a uma empresa portuguesa de design, arquitectura e publicidade. A partir daí, a SWD Agency fez a reconstituição em 3D e a sua animação multimédia (o que custou 185 mil euros, segundo Cristina Leite). O resultado é a recriação de 25 pontos, situados principalmente entre o Castelo de São Jorge e o Chiado. Renasceram edifícios que se tinham perdido, como a Casa da Ópera, outros que sobreviveram apesar dos danos, de que é exemplo o Convento do Carmo, conservado como ruína e ícone do terramoto. "Os 25 pontos foram todos desenvolvidos com qualidade fotorrealista, com bastante rigor ao nível do detalhe, de acordo com a informação que nos foi dada", conta João Sarmento, director-geral da SWD Agency.
A textura dos materiais, as rugosidades ou até a sujidade não ficaram esquecidas e foram acrescentadas aos modelos construídos no computador - "quase como se estivéssemos a pintar um edifício". É a atenção aos pormenores ou às texturasque torna diferente esta recriação virtual, frisa Sarmento.
Cristina Leite diz igualmente que o "pormenor" e o "realismo" são as marcas distintivas da reconstituição virtual do Museu da Cidade. "Além do rigor científico, é muito realista, para que as pessoas sintam que estão quase a olhar para uma imagem fotográfica", refere. "Quando olhamos para os modelos tridimensionais, conseguimos perceber o tipo de pedra usado na construção, a cor dos caixilhos das janelas..."

Na Rua Nova dos Ferros


Imaginemos então que acabámos de aterrar na Rua Nova dos Ferros,também conhecida por Rua Nova dos Mercadores, aproximadamente onde agora é a Rua do Comércio. Fervilha de actividade, ou não fosse das principais artérias comerciais da Lisboa pré-pombalina. Nas suas arcadas e por detrás de prédios de três, quatro, cinco andares, de janelas encarnadas, paredes amarelas e varandas, encontramos uma sucessão de lojas. Vendem-se panos, sedas, especiarias ou livros. Aqui há também serviços ligados ao mundo dos negócios e das finanças. Paralela ao rio, por detrás do Terreiro do Paço, tal como a sua sucessora, a Rua Nova dos Ferros é das mais amplas entre casario apertado. "Era uma artéria já referenciada desde o século XIII e cresceu com os Descobrimentos", diz Cristina Leite.
Também é palco de festas religiosas, como procissões, e castigos públicos, como açoites. À noite, talvez encontremos pregoeiros que percorrem a cidade a lembrar a população dos cuidados a ter com o fogo doméstico. Só nesta rua estão documentados quatro grandes incêndios.
Mesmo junto ao rio, o Terreiro do Paço é a praça do aparato político. É nela que estão o palácio do rei, no complexo do Paço da Ribeira, e edifícios ligados ao comércio marítimo, como a Alfândega. "É palco habitual de grandes acontecimentos públicos, como aclamações reais, touradas, festas e cortejos", lê-se num folheto do Museu da Cidade para a exposição.
A memória do Paço da Ribeira e do seu torreão pode ver-se hoje nos dois torreões construídos na praça depois do sismo. Do complexo também não sobreviveu a Igreja da Patriarcal, com uma vistosa torre sineira. Nem a mítica Ópera do Tejo, inaugurada sete meses antes do terramoto e onde só foram apresentadas duas obras.
A segunda praça mais importante da cidade é o Rossio. Zona de confluência entre o espaço urbano e o rural, nela realizam-se feiras e mercados, autos-de-fé ou touradas. É aqui que estão o Palácio dos Estaus (transformado em Palácio da Inquisição) ou o Convento de São Domingos e o Hospital Real de Todos-os-Santos, que era dos equipamentos públicos mais importantes.

A viagem virtual à capital antes do sismo não vai ficar por aqui. A próxima etapa, diz Cristina Leite, é alargar a reconstituição a outros edifícios e áreas urbanas, como o Aqueduto das Águas Livres. Também vão recriar-se cenas históricas, como uma procissão, uma tourada, um auto-de-fé ou uma ópera. Tudo para trazer de volta a capital de um império, cuja destruição impressionou tanto Voltaire (e o resto da Europa) que o escritor pôs o seu Cândido (1759), acompanhado nas suas andanças pelo mestre Pangloss, a chegar a Lisboa minutos antes de a terra tremer: "Depois do tremor de terra que destruiu três quartas partes de Lisboa, os sábios do país não encontraram meio mais eficaz para impedir a ruína total da cidade do que dar ao povo um auto-de-fé. Fora decidido pela Universidade de Coimbra que o espectáculo de algumas pessoas queimadas a fogo lento, em grande cerimonial, era um meio infalível de impedir a terra de tremer", diz-nos ironicamente. "Apoderaram-se de um biscainho acusado de ter casado com uma comadre e de dois portugueses que tinham comido um frango tirando-lhe a enxúndia [banha]." Pangloss acabou também preso, por ter falado demais, e a ironia continua: "O biscainho e os dois homens que se tinham recusado a comer a enxúndia foram queimados e Pangloss, contrariamente ao uso, foi enforcado. No mesmo dia, a terra tremeu de novo com um ruído espantoso."Agora já é mais fácil imaginar Voltaire, através do seu Cândido, nas ruas e praças dessa Lisboa.

No Second Life

Octávio dos Santos, escritor e jornalista, interessou-se tanto pela Ópera do Tejo, feita em ruínas pelo sismo de 1755, que, há cinco anos, desafiou historiadoras da Universidade de Évora e a empresa Beta Technologies a recriarem o edifício. Era o início de um projecto que, usando as tecnologias do Second Life, um mundo virtual onde qualquer um pode entrar criando uma personagem, ou avatar, tem estado a reconstituir a zona da cidade atingida pelo sismo. O projecto, que custará 275 mil euros, já recriou o Paço da Ribeira e os seus jardins, ou a Igreja da Patriarcal. Enquanto não está no Second Life, há um vídeo para o mostrar(http://lisbon-pre-1755-earthquake.org). "Vamos recriar procissões, touradas, espectáculos", diz a historiadora

Duma russa considerou Estaline culpado de uma chacina com 70 anos

por A-24, em 26.11.11

Duma, câmara baixa do parlamento russo, condenou o antigo ditador José Estaline pela execução em massa de cerca de 22 mil polacos na floresta de Katin, durante a Segunda Guerra Mundial.
Os deputados russos consideraram agora que Estaline e outros altos quadros da antiga União Soviética ordenaram aquele crime em 1940.
Esta declaração formal da Duma, semanas antes de uma visita do Presidente Dmitri Medvedev à Polónia, foi bem recebida em Varsóvia, apesar de surgir 70 anos depois dos factos.
Num debate acalorado, os deputados comunistas ainda se opuseram à proposta, alguns deles procurando desmentir que as autoridades soviéticas tivessem tido qualquer culpa no que aconteceu então perto da fronteira da Rússia com a Bielorússia. Mas ao fim e ao cabo foram derrotados pela maioria.
Durante décadas, a propaganda soviética procurou apresentar a chacina como obra dos nazis, que ocuparam Katin depois de em 1941 terem invadido a União Soviética. Mas em 1990 veio a ser conhecida toda a verdade, nos últimos dias da URSS.
A Duma disse ontem esperar que este reconhecimento das culpas de José Estaline signifique “o início de uma nova época” nas relações entre russos e polacos, baseadas em “valores democráticos”.
Cerca de 8000 das vítimas de Katin eram oficiais que foram feitos prisioneiros durante a invasão da Polónia pelos soviéticos, em 1939. Os restantes eram médicos, professores, deputados, polícias e outros polacos detidos depois de serem acusados de trabalharem como secretos ou sabotadores.

Reino Unido é o país da União Europeia com mais obesos

por A-24, em 26.11.11
Entre 8% e 25% dos adultos na União Europeia são obesos, segundo dados divulgados pelo Eurostat. A Roménia é o país onde há menos obesos (8% para as mulheres, 7,6% para os homens) e o Reino Unido é o país mais pesado (23,9% entre as mulheres, 22,1% entre os homens.
Os dados referem-se a cidadãos com mais de 18 anos e ao período de 2008 e 2009. Foram incluídos no estudo apenas 19 países, ficando de fora oito em que não existem dados disponíveis, incluindo Portugal.

Concluiu-se que os valores variam entre 8% e 23,9% para as mulheres e 7,6% e 24,7% para os homens, um valor que é sempre inferior ao registado nos Estados Unidos. Do lado de lá do Atlântico, a obesidade afectava 26,8% das mulheres e 27,6% dos homens em 2009.


A seguir à Roménia, os países com menos obesos são a Itália (9,3% entre as mulheres e 11,3% nos homens), a Bulgária (11,3% e 11,6%) e a França (12,7% e 11,7%).


Há quatro países onde a obesidade afecta mais de quinto das mulheres das mulheres: Reino Unido (23,9%), Malta (21,1%), Letónia (20,9%) e Estónia (20,5%). Entre os homens, há mais de 20% de obesos em Malta (24,7), no Reino Unido (22,1) e na Hungria (21,4).


Não foram detectadas diferenças significativas entre mulheres e homens em cada um dos países. É na Letónia que a diferença entre homens e mulheres é mais significativa – se as obesas são 20,9%, os obesos são 12%, o que representa uma diferença de 8,9%.


Os dados provêm de um inquérito sobre a saúde na Europa (European Health Interview Survey) e acabam de ser publicados pelo Eurostat. Concluiu-se que a percentagem de obesos aumenta consoante a idade, sendo maior nos escalões etários mais elevados. Nas mulheres, as maiores diferenças entre escalões etários foram detectadas na Letónia, Eslováquia, República Checa e Estónia. Os dados apontam também para uma diminuição da percentagem de obesos quanto mais elevado for o nível educacional.


Neste inquérito foi considerada obesidade um valor de índice de massa corporal superior a 30. Este valor é calculado dividindo o peso, em quilos, pela altura, em metros, ao quadrado. Ou seja, quem pesar 60 quilos e medir 1,70 deve dividir 60 por 1,70 ao quadrado. Feito o cálculo, se o resultado rondar os 30 está-se perante uma situação de obesidade.

Rússia, Bielorrússia e Cazaquistão criam Espaço Económico Comum

por A-24, em 19.11.11
Os presidentes da Rússia, Bielorrússia e Cazaquistão proclamaram hoje a transição para uma nova etapa de integração: o Espaço Económico Comum, e acordaram criar um órgão supranacional de direção desse processo: a Comissão Económica Eurasiática.
Essas decisões ficaram fixadas numa declaração hoje assinada no Kremlin de Moscovo pelos presidentes russo, bielorrusso e cazaque: Dmitri Medvedev, Alexandre Lukachenko e Nursultan Nazarbaev.
Este encontro realizou-se na véspera da entrada em vigor do pacote de acordos internacionais que cria o Espaço Económico Comum, no quadro do qual, a partir de janeiro de 2012, será garantida a liberdade de circulação de mercadorias, serviços, capitais e força de trabalho entre os três países, já ligados pela União Alfandegária.
A declaração sobre a integração económica eurasiática não só constata a passagem para um Espaço Económico Comum, mas aponta a via da posterior aproximação deste “trio”, cujo objetivo é a criação da União Económica Eurasiática, “baseada nas normas e princípios da Organização Mundial do Comércio e aberta, em qualquer etapa da sua formação, à adesão de outros Estados”.
Segundo o documento assinado, o “quartel-general” da integração: a Comissão Económica Eurasiática, que irá ter poderes supranacionais cada vez maiores, começará a funcionar no dia 01 de janeiro de 2012.
Essa comissão irá ser dirigida pelo Conselho Económico Supremo Eurasiático, constituída pelos primeiros-ministros dos três países e que terá poder para assinar acordos internacionais, criar representações em terceiros países e em organizações internacionais.
O Presidente russo, Dmitri Medvedev, mostrou-se convencido de que a União Económica Eurasiática, criada pela Rússia, Bielorrússia e Cazaquistão, evitará os problemas que enfrenta a zona euro, porque os países participantes partem de um plano económico mais ou menos igual.
“Durante a nossa integração, nós podemos evitar os problemas que enfrenta a UE, porque, primeiro, avançamos para isso conscientemente e, segundo, compreendemos quem se integra na nossa União Eurasiática”, declarou ele hoje, numa conferência de imprensa com os seus homólogos da Bielorrússia e Cazaquistão
Segundo ele, a União Eurasiática “não é um conglomerado de países diferentes”, mas, “por enquanto, são três países com história e passado comuns”.
Além disso, Medvedev sublinhou que “todos os três países são economias em rápido crescimento”.
O dirigente russo revelou que há outros países que pretendem aderir à nova união.

Benfica, FC Porto e Sporting devem 350 milhões de euros aos bancos

por A-24, em 13.11.11
Os clubes de futebol estão dependentes do financiamento bancário e começam a sentir muitas dificuldades de acesso ao crédito. Segundo as contas de António Samagaio, professor do ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão), "a dívida financeira (empréstimos à banca e empréstimos obrigacionistas) da SAD do Benfica está em 157 milhões de euros, a do FC Porto em 98 milhões e a do Sporting em 95 milhões", o que totaliza 350 milhões de euros.

"Quando vencer esta dívida, será que os bancos vão voltar a conceder empréstimos? Tenho dúvidas de que esta política seja sustentável", afirma ao PÚBLICO António Samagaio, depois de ter analisado os relatórios e contas individuais divulgados pelas SAD dos "três" grandes clubes nacionais. Contactados pelo PÚBLICO, os responsáveis dos principais bancos (CGD, BES e BCP) não quiseram comentar o caso particular de nenhum cliente, mas referiram que estão a ser mais rigorosos na concessão de crédito a todas as empresas e que os clubes de futebol não fogem à regra.
Um recente estudo encomendado pela Liga de clubes à Universidade Católica revelou que o endividamento dos clubes portugueses da I Liga aumentou 500 milhões de euros nos últimos dez anos. E o problema agrava-se agora, por causa da crise da dívida europeia. Em Julho passado, Fernando Gomes, presidente da Liga e agora também candidato à presidência da Federação Portuguesa de Futebol, revelava que já havia alguns bancos com "indicações para não emprestarem dinheiro aos clubes de futebol".
António Samagaio acrescenta que o atraso do FC Porto no pagamento da transferência de Mangala ao Standard de Liège "é um indício" das dificuldades de acesso ao crédito: "Se calhar ninguém emprestou nesse momento", diz o professor do ISEG, fazendo a mesma leitura de declarações de Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, que ontem repetiu o alerta de que as dificuldades económicas vão obrigar o clube a "investir menos".
Uma parte importante dos empréstimos dos clubes de futebol é de curto prazo, o que os deixa muito expostos às actuais limitações dos bancos. Reflexo disso é também a subida das taxas de juro que os clubes pagam. "No seu relatório, o FC Porto revela que a taxa média anual dos empréstimos foi de 4,39% em 2010 e de 6,78% em 2011", aponta António Samagaio, considerando que, até mesmo nos empréstimos obrigacionistas, os "clubes estão a financiar-se a taxas proibitivas".
"O empréstimo obrigacionista do FC Porto é de 8% e do Sporting 9,5%. Eles não têm um negócio capaz de gerar rentabilidade para cobrir este custo de capital", avisa o professor do ISEG, acrescentando que a SAD do Benfica é a mais endividada. "O Benfica tem tido uma estratégia de endividamento significativa. Só em 2008-09, recebeu (em termos líquidos) 44 milhões de empréstimos." Hélder Varandas, especialista em finanças de futebol, salienta precisamente os encargos com juros que foram assumidos pelas SAD na época 2010-11: "Quase 14 milhões de euros (ME) no caso do Benfica e 5 ME nos casos de FC Porto e Sporting."
"Quando olhei para as contas dos clubes, vislumbrei a situação das contas públicas do país", diz mesmo António Samagaio, sublinhando que os "próprios auditores chamam a atenção para que a continuidade destas SAD está assente no pressuposto de lhes ser mantido o apoio financeiro."


Mudar de vida


Paulo Reis Mourão, professor de Economia na Universidade de Braga, a quem o PÚBLICO também pediu para analisar as contas das SAD, defende que o estado das finanças dos clubes deve "gerar uma séria preocupação nos adeptos": "A volatilidade do financiamento pode levar a que um clube, que antes poderia permanecer longos anos num alto patamar, fique descapitalizado rapidamente e possa mesmo cair no risco de desaparecimento." É que, segundo Reis Mourão, antes os clubes "estavam dependentes da economia local, mas agora o seu sangue está nos mercados financeiros".
Estes especialistas não hesitam em dizer que os clubes têm de mudar de vida. A diversificação de fontes de financiamento é um caminho, como os fundos de jogadores (ver caixa). Mas só isso poderá não chegar, até porque a situação económica e as novas regras do fair play financeiro (ver outro texto) podem baixar significativamente o valor das transferências de jogadores, receita importante para os cofres de emblemas exportadores.
se o Benfica é o clube mais exposto ao endividamento bancário, o FC Porto é aquele que mais depende do mercado de transferências. É que os "dragões", apesar de somarem lucros há cinco anos seguidos, só conseguiram equilibrar as contas graças a avultadas transferências de jogadores. "Desde 2005-06, o FC Porto teve um saldo positivo de transferências de jogadores de 135 ME. O Benfica tem um saldo positivo de 40 ME e o Sporting um saldo negativo de 15 ME", resume António Samagaio, para quem uma contenção dos custos é inevitável.
O professor do ISEG contesta ainda o argumento, frequentemente usado pelos clubes, de que os activos que têm são suficientes para cobrir os passivos. "O valor de mercado do plantel do Benfica, mesmo que vendessem todos os jogadores, não era suficiente para cobrir o passivo e o dinheiro que os accionistas lá colocaram quando constituíram a SAD", avisa.

'Piratas do ar' portugueses desviaram avião há 50 anos

por A-24, em 09.11.11
Cinquenta anos depois do desvio de um avião que visava derrubar Salazar, alguns destes 'piratas do ar' reúnem-se para assinalar a efeméride e tentar impedir que a sociedade esqueça a sua luta contra a ditadura.

O célebre desvio do Super-Constellation da TAP 'Mouzinho de Albuquerque' foi feito por meia dúzia de 'resistentes', para quem era preciso fazer algo «em grande» que abrisse caminho à liberdade que não existia com Salazar no poder, como contaram à Lusa alguns dos autores do golpe
Meio século depois, a iniciativa de tentar impedir que este episódio da história portuguesa seja esquecido é da Associação Promotora do Livre Pensamento (APLP).
O presidente da APLP, Luís Vaz, explicou à Agência Lusa os propósitos deste encontro, que decorrerá quinta-feira num restaurante em Lisboa: «Passar à juventude uma mensagem pedagógica sobre a importância deste acontecimento histórico».
«Sendo a APLP uma associação que pretende manter a memória viva sobre os acontecimentos históricos, não podíamos deixar de recordar este episódio e inseri-lo no contexto da luta anti-fascista», disse o historiador, autor de vários livros sobre o anti-fascista Hermínio da Palma Inácio.
O desvio foi protagonizado por Hermínio da Palma Inácio, um resistente que na altura era conhecido e perseguido pela polícia política.
Com ele alinharam Camilo Mortágua, João José Martins, Amândio Silva, Maria Helena Vidal e Fernando da Costa Vasconcelos.
Os 'piratas do ar' embarcaram em Casablanca no avião, que fazia a rota Lisboa-Tanger-Casablanca-Lisboa, e obrigaram o comandante a sobrevoar Lisboa e outras cidades a baixa altitude para lançarem panfletos contra o regime de Salazar.
Os revolucionários regressaram a Marrocos, tendo posteriormente seguido para o Brasil.
Em Portugal, o regime acumulava mais esta fenda, a qual se seguiu ao desvio do paquete Santa Maria, que tinha ocorrido em Janeiro desse ano.
«Este é um acontecimento que marca o início do fim do regime», explicou Luís Vaz, considerando que a sua lembrança é uma forma de mostrar à juventude que, «mesmo sem emprego e numa ditadura económica, é possível ter energias para o combate».
Para o historiador, hoje em dia «não há uma ditadura, mas sim ditaduras psicológicas».
«A juventude é criativa e vai saber actuar, não nestes moldes, mas saberá como resistir», disse.

O dia em que os alemães derrubaram o Muro

por A-24, em 09.11.11
Alemanha: Há 20 anos foi abolida a barreira que desde 1961 separava um país e dois sistemas

O bloco de Leste, um império regido pela batuta da União Soviética, entrou em reforma acelerada em 1994, graças à ‘perestroika’ de Mikhail Gorbachev. Mas o regime comunista da Alemanha Democrática (RDA) resistia e adiava a mudança. O então presidente da RDA, Erich Honecker, sentenciou mesmo, no início de 1989, que o Muro, a que muitos chamavam o ‘da vergonha’, continuaria a existir dentro de cem anos. A 18 de Outubro, antes de os acontecimentos revelarem a dimensão do seu engano, o Politbüro (Comité Central) do Partido Socialista da RDA, premiou a sua obstinação, com o beneplácito de Moscovo, forçando-o a demitir-se.
Outras cabeças rolaram, e seriam os novos líderes do país, a quem cabia planear uma reforma suave, a ver-se confrontados com a crescente revolta popular. Egon Krenz, sucessor de Honecker, e Günter Schabowski, membro do Politbüro e porta-voz do governo, são nomes cruciais do ‘canto de cisne’ da Alemanha de Leste.
A gigantesca manifestação que reuniu mais de um milhão de pessoas a 4 de Novembro, na Alexanderplatz, a reclamar eleições livres, foi o derradeiro prenúncio do que estava para acontecer. O Politbüro planeava a abertura de fronteiras para o Natal, mas a pressão social forçou uma antecipação. Na reunião decisiva, a 9 de Novembro, Krenz fez aprovar um despacho para acelerar o processo, e foi entregue a Schabowski o comunicado que daria conta da abertura de passagens para o Ocidente.
A medida devia entrar em vigor no dia seguinte, mas Schabowski, numa conferência de imprensa transmitida em directo, leu o comunicado e, por engano, declarou que as restrições de viagem para o Ocidente ficavam abolidas de imediato.
O anúncio criou um silêncio de incredulidade. Mas pouco depois milhares de alemães de Leste precipitaram-se para a rua e correram para os postos de controlo. Apanhados de surpresa, os guardas não reagiram, e o resto, como é hábito dizer-se, é História. As fotografias de uma mole compacta de pessoas eufóricas penduradas no topo do muro que, durante 28 anos, dividiu uma cidade e dois blocos políticos, são a imagem do fim de uma era.
A 3 de Outubro de 1990, Helmut Kohl, chanceler da Alemanha Ocidental, fechou definitivamente o capítulo aberto um ano antes. Formalizou a reunificação alemã e tornou-se o primeiro líder da Alemanha unida desde a derrota de Adolf Hitler.

FRASES
‘Os trabalhadores empregam todas as suas forças a construir casas. Ninguém tem intenção de erguer um muro’, W. Ulbricht Pres. da RDA – 1961
‘Não tenhais medo. [...] Mudai a face desta terra’, Papa João Paulo II – 1979
‘Dentro de cem anos o Muro continuará a existir’, Erich Honecker, Presidente da RDA – 1989
‘Não estou a tentar acelerar as coisas, mas há uma força que nos conduz’, Helmut Kohl, Chanceler alemão – 1990

REUNIFICAÇÃO, ENTRE O SONHO E A REALIDADE
O chanceler Helmut Kohl ficou na História como o arquitecto da reunificação alemã, mas para muitos alemães o país continua dividido. Vinte anos após a queda do Muro, persistem muros mentais e diferenças de facto. A mais visível é a diferença económica. Em 20 anos, cerca de 1,5 mil milhões de euros foram transferidos para ajudar o Leste. Apesar disso, o nível de vida dos ‘Ossis’ (alemães de Leste) é ainda bem inferior e serão precisos muitos anos para o equiparar ao dos ‘Wessis’. Não é de estranhar, pois, que um em cada dez alemães de Leste deseje o regresso ao passado.

MUROS QUE DIVIDEM O MUNDO
1 – Berlim: Erguido em 1961, dividiu Berlim e a Alemanha durante 28 anos. Simbolizou a cisão entre Europa ocidental e bloco comunista.
2- Índia: Barreira com quase 500 km divide Caxemira. Junto ao Bangladesh, nova barreira em construção. Terminada, terá 4000 km.
3 – Rio de Janeiro: No início do ano o Brasil começou a erguer muros de betão, com três metros de altura, para isolar 11 favelas da cidade.
4 – Bagdad: EUA ergueram em 2007 um muro de 5 km de extensão e 3,6 metros de altura a separar um bairro sunita dos bairros xiitas vizinhos.
5 – EUA: Ao longo dos 3000 km de fronteira entre EUA e México foram erguidas barreiras numa extensão de quase 560 km.
6 – Israel: Em 2002 inicia-se a construção, na Cisjordânia, de um muro de cinco metros de altura para isolar Israel de povoações palestinianas.
7 – Marrocos Enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla estão protegidos com valas, arame farpado e barreiras com sensores de movimento.
8 – Coreia: Criada em 1953, a Zona Desmilitarizada tem 4 km de largura. Tem muros com 250 km de extensão nos dois lados da fronteira.
9 – Chipre: A Linha Verde divide áreas turca e grega. Foi estabelecida nos anos 60 sob supervisão da ONU e tem 180 km de extensão.
10 – Ulster: Barreiras de paz erguidas nos anos 70 para controlar violência entre católicos e protestantes 40 muros persistem em Belfast.

MILHARES EM BERLIM NA FESTA DA LIBERDADE
Os 20 anos da queda do Muro de Berlim serão assinalados hoje na capital alemã com a Festa da Liberdade, um conjunto de actos festivos que arrancam com um concerto dirigido pelo maestro Daniel Barenboim e culminam no derrube de um dominó gigante. Cerca de mil peças de dominó, com dois metros e meio de altura, foram montadas nas linhas antes ocupadas pela barreira que separou os alemães durante 28 anos. A sua queda decorre num espaço entre o Reichstag, sede do Parlamento alemão, a Potsdamer Platz e a Porta de Brandemburgo.
Personalidades políticas de todo Mundo marcam presença, entre elas a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, e o primeiro-ministro português, José Sócrates.

CRONOLOGIA DE UMA CIDADE DIVIDIDA
1945 – Maio: Fim da II Guerra Mundial. Berlim dividida entre o sector soviético, a Leste, e os sectores americano, francês e britânico, a Oeste.
1948/49 -Tropas soviéticas bloqueiam Berlim Ocidental. Ponte aérea aliada durou 15 meses.
1949 – A 23 de Maio nasce a RFA. A 7 de Outubro é fundada a RDA.
1953 – Revolta dos operários de Berlim Oriental contra as deficientes condições de trabalho é reprimida pelo Exército Vermelho.
1961 – 13 Agosto: É encerrada a fronteira entre Berlim Oriental e Berlim Ocidental. O Muro começa a ser construído.
1963 – Presidente norte-americano John F. Kennedy visita Berlim Ocidental e profere a célebre frase ‘Eu sou um berlinense.’
1973 – As duas Alemanhas estabelecem relações diplomáticas.
1987 – Ronald Reagan visita Berlim Ocidental e exorta o líder soviético Mikhail Gorbachov a derrubar o Muro.
1989 – Setembro: A Hungria abre a fronteira com a Áustria, permitindo a saída de milhares de alemães orientais para o Ocidente.
Outubro: Gorbachov visita Berlim Oriental e pede às autoridades da RDA para não travarem as reformas.
4 Novembro: Um milhão de pessoas participa numa manifestação pró-democracia em Berlim Oriental. Governo demite-se 3 dias depois.
9 Novembro: RDA anuncia inesperadamente a abertura das fronteiras. No meio dos festejos, o Muro começa a ser derrubado.

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