Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

A-24

Junta militar dissolvida na Birmânia

por A-24, em 30.03.11
A Birmânia tem a partir de hoje o seu primeiro Governo civil em quase meio século. O generalíssimo Than Shwe dissolveu a junta militar e retirou-se para passar o poder a um novo Presidente.

Mas não se esperam caras novas na elite que governa o país. A começar por Thein Sein, que era até agora primeiro-ministro e se demitiu de general para poder assumir a presidência deste próximo Executivo – a última fase de um processo de transição para uma “democracia disciplinada” traçado pela junta.
Hoje, o Conselho do Estado para a Paz e o Desenvolvimento (nome da junta) foi extinto, noticiou a televisão estatal. De seguida, Thein Sein tomou posse como Presidente de um Governo com 30 ministros, a maior parte deles generais na reforma ou ainda no activo que já faziam parte do poder. 
O general Min Aung Hlaing terá assistido à cerimónia como novo chefe das Forças Armadas, posto que seria o último cargo oficial de Than Shwe, adianta a AFP. “Ainda não sabemos se ele já assumiu as suas funções”, ressalvou um responsável birmanês, numa declaração que a agência francesa interpretou como um sinal da incerteza que continua a pairar sobre o futuro daquele que dirige o país com mão-de-ferro desde 1992. Ninguém imagina ver Than Shwe a abandonar a política: ainda que não tenha nenhum cargo específico, o generalíssimo tem todos os instrumentos para continuar a influenciar a governação nos bastidores.
“O grande público não se deixa enganar por estas mudanças cosméticas”, comentou Maung Zarni, da London School of Economics. O analista birmanês no exílio na Tailândia Aung Naing Oo argumenta: “Não vimos nenhuma forma de democracia nestes últimos 50 anos por isso isto parece-se mais com uma experiência”.
A libertação em Novembro passado da Nobel da Paz Aung San Suu Kyi, ao fim de sete anos de prisão domiciliária, criou alguma expectativa de que algo poderia estar prestes a mudar no regime político birmanês. Mas não foram enviados quaisquer sinais de abertura depois disso. A Reuters salienta que dezenas de leis foram aprovadas secretamente, e desencadeou-se um gigantesco e opaco processo de privatizações, permitindo lançar as bases para que nenhum mudança significativa possa ocorrer e o país continue a ser dominado pelos generais e os empresários seus aliados.
O boicote da Liga Nacional para a Democracia nas eleições legislativas realizadas dias antes da libertação da líder da oposição – as primeiras em duas décadas, consideradas fraudulentas pela comunidade internacional – significa a ausência total do partido de Suu Kyi na assembleia. 

(Itália) Sílvio Berlusconi, uma história que cruza a política e o futebol

por A-24, em 23.03.11
Helicópteros a rasgar o céu azul e o inconfundível barulho das hélices ao som da obra-prima de Richard Wagner, "The Ride of the Valkyries". Podia ser o "Apocalypse Now", mas não. É Silvio Berlusconi a apresentar-se oficialmente aos adeptos do Milan como novo presidente do clube.
Filho de um bancário e de uma secretária, criado numa Itália em reconstrução, após a espalhafatosa derrota na Segunda Guerra Mundial, o pequeno Silvio sonha com riqueza e poder. Domingo sim, domingo não, o pai leva-o pela mão a ver o Milan do trio de suecos Gre-No-Li (Gren, Nordahl e Liedholm). Aos 18 anos, Berlusconi já é corrector de imóveis, profissão que divide com a de cantor (pimba, imaginamos nós) em cruzeiros pelo Mediterrâneo.
Na Universidade de Milão, estuda Direito (por linhas tortas...) e entra no negócio das empresas de construção. Funda a Cantieri Riuniti Milanese, em 1961, e a Edilnord di Silvio Berlusconi & Co., em 1963. Aos 23 anos e à frente de uma equipa de jovens arquitectos, edifica dois grandes conjuntos residenciais nos arredores de Milão. Ainda hoje é acusado de charlatão pelas figuras mais influentes da sociedade italiana, como o realizador Nanni Moretti. Silvio segue imperturbável. Ganha (má) fama e (bom) dinheiro.
Nos anos 70, larga a construção e dedica-se à comunicação. Compra um canal de televisão de 1974 e logo expande o negócio no sector, multiplicando as emissoras através de uma rede de televisões locais, reunidas na empresa Mediaset. A programação é chapa cinco: concursos à Luís Pereira de Sousa e programas de entretenimento à Júlio Isidro.
Em 1985, o governo francês concede-lhe a primeira rede privada daquele país, La Cinq. Uns meses depois, Berlusconi adquire acções da Chain e da Cinema 5. Em seguida, compra os Estúdios Roma. O céu é o limite. E lá voltamos nós aos helicópteros. No dia 20 de Fevereiro de 1986, faz uma oferta de compra ao Milan, o moribundo Milan, que passara duas épocas na 2.a divisão e tem dívidas que nunca mais acabam, via má gestão do presidente "Giussy" Farina. À porta do centro de estádio Milanello, havia mais credores que jornalistas.
A 23 de Março de 1986, confirma-se a compra do Milan por parte de Berlusconi. Faz hoje 25 anos. O treinador era o sueco Nils Liedholm, um dos integrantes do Gre-No-Li. A equipa já era capitaneada por Franco Baresi, que recorda as primeiras palavras do Il Cavaliere: Vamos ser os melhores do mundo. "Aquilo fez-me confusão. Aliás, fez-me rir! Tão só porque nem sequer éramos os melhores de Milão, quanto mais de Itália, Europa, mundo. Mas depois..."
Depois, o Milan cresce. Berlusconi descobre Arrigo Sacchi e contrata Van Basten mais Gullit. No primeiro dia da pré- -época, à porta de Milanello, não há credores. Só jornalistas, embasbacados com aquele cenário. Ao som de "The Ride of the Valkyries", chegam os helicópteros, e os jogadores apresentam-se um a um. "Bem sei que fui gozado mas precisava de um espectáculo daqueles para mudar a mentalidade do Milan", justifica Berlusconi. É o delírio. Os lugares cativos do Estádio Giuseppe Meazza ficam lotados em Julho, algo nunca visto. Antes de Silvio, o Milan levanta 25 troféus. Pós-Silvio, já são 26, com sete scudetti, cinco Champions e três Mundiais. É o clube com mais títulos internacionais do mundo, a par do Boca Juniors (18). Música, maestro!

Lista do top 20 de clubes mais titulados na era-Berlusconi
46 FC Porto
39 Rangers
35 Manchester United
34 Bayern Munique
33 Barcelona
28 Real Madrid
28 PSV Eindhoven
28 Ajax
26 Milan
21 Liverpool
21 Celtic
19 Inter
18 Arsenal
18 Juventus
17 Chelsea
16 Olympique Lyon
15 Benfica
15 Werder Bremen
14 Paris SG
12 Sporting
Nota: só clubes que chegaram às finais europeias (Taça/Liga dos Campeões, Taça das Taças e Taça UEFA) na presidência Berlusconi, ou seja, desde Março de 1986

sobre o único campeão sul-africano da Fórmula 1 - Jody Scheckter

por A-24, em 19.03.11
Walter Wolf era um multimilionário canadiano de origem eslovena, que enriquecera construindo brocas de perfuração, vendando-as para a industria petrolífera. A meio dos anos 70, decide investir no mundo da Formula 1 e compra em 1976 a Williams, que decide transformá-la na Wolf. No ano seguinte, contrata Scheckter e o projectista Harvey Poselwaithe (1944-1999), e decidem construir um chassis simples, mas eficaz. Tão eficaz que ganhou na sua primeira corrida! Ao inicio fulgurante de Scheckter em Buenos Aires, seguiram mais duas vitórias, no Mónaco e em Watkins Glen, para além de mais seis pódios e uma pole-position, na Alemanha. No final da época, Scheckter é o vice-campeão do mundo, com 55 pontos, a 16 do campeão do mundo, o austríaco Niki Lauda.
Continua em 1978 na Wolf, mas os resultados são mais modestos. Sem vitórias, o melhor que consegue são dois segundos lugares na Alemanha e no Canadá, numa temporada dominada pelos Lotus 79 de efeito-solo. No final, é sétimo classificado, com 24 pontos.

No final dessa temporada aceita o convite para pilotar na Ferrari, ao lado de Gilles Villeneuve. Os críticos achavam que ele não conseguiria aguentar as pressões de guiar na Scuderia, mas as coisas acabaram por ser o contrário: o novo Ferrari312T4, com efeito-solo, tornou-se na melhor máquina do ano, e Scheckter, mais maduro, conseguiu levar o carro mais vezes ao fim que o seu companheiro quebecois. Resultado: três vitórias (Bélgica, Mónaco e Itália) e uma “pole-position” e 49 pontos oficiais (em 60 conseguidos) fizeram-no, aos 29 anos, no primeiro campeão sul-africano de Formula 1.

Com isto, Jody Scheckter tinha conseguido o que queria. Agora só tinha que cumprir o contrato até ao fim e retirar-se. Só que a temporada de 1980, que deveria ser de despedida, foi calamitosa, e Scheckter teve a sua pior temporada desde há muito tempo: apenas dois pontos e o 19º posto no campeonato. Mas já tinha alcançado o que queria, logo, podia retirar-se à vontade. Aos 30 anos.

A sua carreira na Formula 1: 113 corridas, em nove temporadas (1972-80), dez vitórias, três pole-positions, cinco voltas mais rápidas, 33 idas ao podium, 246 pontos oficiais, em 255 pontos conquistados. Campeão do Mundo de Formula 1 em 1979.  
Após a sua carreira no automobilismo, Jody emigrou para os Estados Unidos, onde fundou uma empresa de armamento, especialista em simulação de situações de emergência para elementos do exército e da policia. Em meados da década de 90, vendeu a empresa e tornou-se multimilionário. Casou-se uma segunda vez e teve mais quatro filhos para além dos dois que teve no seu primeiro casamento: Thomas Scheckter e Toby Scheckter. Esses tornaram-se pilotos de competição e o pai ajudou-os nas suas carreiras.
link

Do americans love jews?

por A-24, em 18.03.11
What if Jews Knew That Americans Love Them?

During Purim, we hear ahear a lot about who hates the Jews (Haman), but what about who likes the Jews? The Jewish holiday that is full of upside-down surprises is a perfect time to confront a difficult truth: Americans love Jews -- a lot. Even more than they love Protestants and Catholics.
As a 38-year-old American Jew, I am a product of my generation's anti-Semitism education machine. For me and probably most older Jews, it is difficult to digest the data. But the numbers, which come from multiple respected studies in the last five years, are irrefutable.
In their recent and remarkable survey of American religion, American Grace, sociologists Robert Putnam and David Campbell report about the "feeling thermometer" they use to measure how Americans feel about various religious groups. They asked respondents to indicate "how warm they feel toward different social groups on a scale of 0 to 100."
In the period they gathered the data, 2006-2007, Americans said they had warmer feelings toward Jews than any other religious group -- even a degree or two higher than Catholics and Mainline Protestants.
Readers who might be tempted to doubt the veracity of the data (after all, one of the study's authors, Putnam, converted to Judaism when he got married and raised his children as Jews) must also digest a decade of studies by the Pew Forum on Religion and Public Life, which show exactly the same results: that American attitudes toward Jews are as positive -- or even a few degrees warmer -- as attitudes toward Catholics, and significantly higher than toward any other religious group (the Pew data does not ask about attitudes toward Protestants).
Polling reports from the Anti-Defamation League also point toward a growing American love for Jews. In 2009, an ADL nationwide survey of Americans found "anti-Semitic attitudes equal to the lowest level in all the years of taking the pulse of the American attitudes toward Jews. The survey found that 12% of Americans hold anti-Semitic views, a decline from 15% in 2007 and matching lowest figure ever recorded by ADL, in 1998."
There are only two ways to interpret these multiple sources of data: either Americans now believe it is completely socially unacceptable to tell a pollster that they don't like Jews, or Americans really do have really positive feelings towards Jews.
As a rabbi who works primarily in interfaith settings, I have countless personal anecdotes that suggest we have entered an era of philo-Semitism in America. A large class of evangelical seminary students hangs on every word I teach them about the rabbinic tradition or the biblical prophets. Non-Jews come in to the office, ask me about the collection of Hebrew volumes of the Talmud, and ask me, with deep curiosity and respect, to show it to them. Wherever I go, hosts go out of their way to make sure there is something kosher I can eat.
These are superficial examples, of course, but that is exactly the point: at a superficial level, instead of treating Jews with disdain, fear or disgust, large majorities of Americans now have positive associations with Jews.
This data, of course, does not mean that real threats to the Jewish people do not exist. Anti-Semitism remains rampant and goes unchecked in countries around the world. Hateful attitudes toward Israel, whether one counts such attitudes as anti-Semitic or not, proliferate. Some Iranian leaders continue to threaten the destruction of Israel and the Jews and are working diligently to obtain the tools needed to carry out such threats.
All these realities mean that philo-Semitic attitudes in America are that much more unique and compelling. In America today, threats toward Jews are not external but rather internal; millions of intermarried couples are not raising Jews (even though many are), and levels of participation in Jewish life by post-b'nai mitzvah teens is dangerously low.
Paying attention to American philo-Semitism matters so much because young Jews are caught in a major cognitive dissonance: They are taught from an early age that the world hates the Jews, but they feel fully embraced by their American peers. Putnam and Campbell note that since the 1960s "anti-Semitism has continued to fall through generational replacement -- younger people are less likely to harbor anti-Semitic views than older generations."
Are American Jews ready for a narrative of philo-Semitism? I recently presented this data to an adult education class organized by a regional chapter of the American Jewish Committee. I asked the learners to rank different religious groups by likability by Americans. Of 20 learners, 19 got it wrong. Middle East scholar Aaron Miller has said, "Jews worry for a living, because the arc of history has taught them to." Is it any surprise we have trouble hearing a narrative of philo-Semitism?
We tune in to stories about a Jewish passenger who caused a plane to land early when he pulled out his tefillin, an eruv in the Hampton's that is meeting resistance and a grave marker that was desecrated by hoodlums. Such stories make headlines in American Jewish press precisely because they are exceptional and not the norm, and because they feed a narrative we expect. Yet these headlines do not represent mainstream American Jewish life in 21st century America.
Three recent major newscycles, each of which would have been devastating for American Jews two generations ago, suggest how powerful this new context of philo-Semitism really is: Madoff, Mezvinsky and Muslims.
Why didn't coverage of the Bernie Madoff scandal spiral into anti-Semitic rants about evil Jewish business practices? With an identifiable Jewish antagonist bilking everyone -- even nonprofit endowments -- it was the perfect setup for anti-Semitic headlines, cartoons and jokes. But they never materialized.
And where was the American uproar when the daughter of an American president married Marc Mezvinsky wearing a tallit under a chuppah in a ceremony by a rabbi?
And if you were asked to choose the most likely faith group to serve as America's scapegoat, could the answer be in doubt? The same polls that say Americans love Jews also say that Americans are queasy about Muslims, who score the lowest of all religious groups in all the surveys noted earlier. While Jews can put a synagogue wherever they want, Muslims are forced to engage in sophisticated public relations battles in communities across the country if they want to build a mosque. If Chelsea had married a Muslim, what would the headlines and blogs have said?
American culture had definitively shifted away from the old stereotypes. Jews are no longer the Other. We are not strangers in a strange land.
Can Jewish identity survive being so well-liked? Some will cling to old narratives and say that philo-Semitism is just an advanced form of anti-Semitism -- a sophisticated strategy to kill Jews with kindness. Without the threat of anti-Semitism, a central component of Jewish identity, Jews will slowly disappear.
I, for one, believe American Jews will survive the transition to being well-liked in America. Like singing in a major key after centuries of singing in minor, it will feel weird at first but it will eventually become authentic. The 4.7 million people who listened to that Hanukkah song by the Maccabeats have a clue as to what major-key Judaism might feel like.
The challenges of Judaism in a major key are great. Fundraising letters that claim the Jewish sky is falling in America must be re-written to attract younger Jews like me who throw such letters directly into the trash. Our educational approaches must shift by teaching young Jews that throughout Jewish history the world has often treated us with disdain and that there have been numerous exceptions to the rule, with 21st century America as the most prominent example. Most importantly, conceptions of Jewish identity that require a negative environment to thrive must give way to positive, more nuanced and complex conceptions of Jewish identity that can thrive in an environment of philo-Semitism.
It is time for American Jews to see the everyday respect, kindness and fairness that Americans offer to Jews as a sign that Jews in America today are actually respected, well-liked and considered normal.
The Book of Esther mentions no Persian resistance to Haman's decree to destroy the Jews. Is there any doubt how Americans would react to a modern-day Haman's decree? This Purim, as we drown out Haman's name with shouts and groggers, let us thank God for our lot in America and commit to building and celebrating Jewish lives that can thrive even when we are loved.
Rabbi Justus N. Baird
Director, Center for Multifaith Education, (Huffington Post)

Suicídio é a causa de morte não-natural mais comum no país

por A-24, em 15.03.11
Os óbitos por lesões autoprovocadas intencionalmente ultrapassaram as mortes na estrada. Porém, há falhas nos registos destes números.

A taxa de suicídios em Portugal está dentro da média europeia (David Clifford (arquivo))
Em 2008 registaram-se 1035 suicídios em Portugal, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). No mesmo ano, o Ministério da Administração Interna refere que terão ocorrido 776 mortes na estrada, na sequência de acidentes de viação. O suicídio consolida-se, desta forma, como a principal causa de morte não-natural. O fenómeno verifica-se desde há poucos anos e justifica-se com o aumento do número de óbitos por lesões autoprovocadas intencionalmente, mas, sobretudo, com uma diminuição nos números oficiais das vítimas mortais em acidentes de viação. No entanto, os especialistas alertam que podem existir falhas importantes no registo destes números.O cadastro iniciado em 1960 mostra que, durante muitos anos, a primeira causa de morte não-natural no país foram os acidentes de viação, que, nos piores anos de 1975 e 1988, chegaram a somar um total de 2676 e 2534 mortos, respectivamente. A partir do ano 2000, os números começaram a ficar cada vez mais próximos e a primeira ultrapassagem dos suicídios foi em 2004. Neste ano, o INE reporta 1195 suicídios e o MAI 1135 mortos em acidentes de viação. Em 2005, uma ligeira descida dos suicídios (passaram para 910) dava o primeiro lugar aos mortos na estrada (1094). Porém, desde 2006 que os óbitos por lesões autoprovocadas intencionalmente ocupam o primeiro lugar nas causas de morte não-natural.
De uma diferença mínima entre os 868 suicídios para as 850 mortes a lamentar nas estrada, em 2006, no ano seguinte o fosso alargava com o aumento de óbitos por lesões autoprovocadas intencionalmente (1014) e a manutenção da tendência descendente nas vítimas mortais em acidentes de viação (854). Estes são os números crus. Mas os vários especialistas contactados pelo PÚBLICO referem que, dificilmente, estes serão os números reais. Segundo argumentam os profissionais de saúde mental, faltará contabilizar alguns dos registo efectuados pelo INE ao abrigo da "mortalidade por sintomas, sinais, achados anormais e causas mal definidas". É que, explicam, algumas das mortes de causa indeterminada poderão ser atribuídas a suicídio. Segundo o INE, mais uma vez, a taxa deste tipo de mortalidade sem uma causa definida em 2008 ascende aos 64,5 por cem mil habitantes, enquanto, no mesmo exercício estatístico, os suicídios se ficam pelos 7,9 por 100 mil habitantes.Por outro lado, o registo das vítimas mortais em acidentes de viação também poderá estar aquém do que realmente se passa nas estradas do país.

É que apenas este ano começou a contar para as estatísticas o número de vítimas com ferimentos graves que acabam por morrer no hospital nos 30 dias seguintes ao acidente de viação. É a chamada contagem "de mortos a 30 dias" adoptada internacionalmente. Até agora, oficialmente, as autoridades portuguesas contabilizavam apenas os mortos no local do acidente ou a caminho do hospital. Para obter um total mais fidedigno e próximo da União Europeia, onde já se registam os "mortos a 30 dias", as autoridades acabam por aumentar o valor em 14 por cento. A taxa oficial de suicídio em Portugal está dentro da média europeia. Nos anos 90 notou-se um decréscimo do número de suicídios, que chegaram aos 519 em 2000 (o mais baixo valor registado desde 1960). Hoje, são o dobro. Segundo os dados oficiais, há países europeus com taxas bastante mais elevadas, como é o caso, por exemplo, dos países de Leste ou a Alemanha. No Sul da Europa, Portugal surge nos países com mais alta taxa, em grande parte devido ao elevado número de suicídios de idosos, a sul do Tejo. Os homens suicidam-se mais do que as mulheres e se o género feminino opta por intoxicação medicamentosa, o masculino parece preferir métodos mais violentos como o enforcamento, as armas de fogo ou, sobretudo nas zonas rurais, o envenenamento com pesticidas. Mas será na adolescência que se registam mais tentativas de suicídio.

Portugal importa 30 por cento dos alimentos por produzir poucos cereais

por A-24, em 08.03.11
No dia 28 de Janeiro deste ano, o agrónomo e ex-ministro da Agricultura Armando Sevinate Pinto foi ao supermercado e, na banca da fruta e dos legumes, tomou nota da globalização.

Lá estavam morangos ou mamão do Brasil, cogumelos da Holanda, espargos do Peru, beringelas da Espanha, nêsperas da Guatemala, amoras do México, mirtilos do Chile, romãs da Turquia ou pimentos do Uganda. Sim, também havia maçãs e pêras de Portugal, mas esta "babel" hortofrutícola que se encontra nas grandes superfícies está na origem daquilo que o também ex-ministro Gomes da Silva designa por "mito urbano". De acordo com esse "mito", Portugal deixou de ter agricultura, importa tudo o que produz, abandonou terras, estoirou as ajudas europeias na compra de jipes ou de casas em Cascais e é hoje um sector marginal e incapaz de ajudar o país a sair da crise.
Verdade? Nem tanto. A agricultura nacional nunca foi capaz de garantir abastança. Todos os anos, o país tem de importar quase um terço das suas necessidades alimentares, uma factura que, em 2009, quase dava para construir o novo aeroporto de Lisboa (a diferença entre o que exportou e o que importou rondou os 4000 milhões de euros). Mas, feito o registo, será que, como se ouve dizer com frequência, a dependência externa se agravou? Não agravou. Mais: se a produção global estagnou e a necessidade de importar comida se manteve foi principalmente por causa da redução brutal da área e da produção de cereais. Sem essa redução, o sector agrícola não seria hoje visto como um patinho feio da economia, mas talvez como um herói da competitividade nacional.

Uma questão recorrente

O problema dos cereais é velho de 200 anos. O facto de ser a base da alimentação humana confere-lhe sensibilidade política e todos os governos desde o liberalismo tentaram o mito do auto-abastecimento - a "Campanha do Trigo" de Salazar, lançada em 1929, destacou-se tanto pelo fracasso dos seus fins como pelos danos ambientais que causou. Quando os preços no mercado mundial atingiram um pico em 2008 e voltaram a subir em Junho de 2010, esperava-se que os agricultores reagissem. Nem isso. Em 1990, por exemplo, dedicaram cerca de 424 mil hectares (um hectare é equivalente à área de um campo de futebol) à cultura de trigo e do milho; mas, em 2009, essa área estava já reduzida a 157 mil hectares. Em termos de produção, as quantidades reduziram-se para um terço. E o país tem de comprar lá fora 75 por cento dos cereais que consome.
Para a maioria dos especialistas, as condições do solo e do clima impedem grandes ambições. "Não tenhamos ilusões a esse respeito", diz Arlindo Cunha, doutorado em Economia Agrária e ex-ministro da Agricultura. Francisco Avillez, professor universitário jubilado, acredita que as novas áreas de regadio que estão a nascer no Alqueva podem aumentar áreas de produção, mas sem grande impacte nas contas gerais da cultura. António Serrano, ministro da Agricultura, admite que a produção se eleve, mas dificilmente poderemos produzir mais de um terço dos grãos do que consumimos.

O factor PAC

Esta convicção alargada depende, em última instância, de um factor principal: a Política Agrícola Comum (PAC). Sem terem de semear para receber subsídios, muitos agricultores constataram que entre o que investiam e recebiam na colheita não era compensador; daí ao abandono de terras mais pobres foi um passo.
Mas se é evidente que há uma crise grave nos cereais, nas outras culturas a situação é mais favorável. A agricultura foi capaz de se adaptar aos mercados e aproveitar a sua feição mediterrânica para suprir as perdas. Se é verdade que, medido em preços correntes (não actualizados pela inflação), o valor da produção de cereais caiu de 343 milhões de euros em 1986 para 155 milhões em 2009, os hortícolas aumentaram de 371 para 1094 milhões, as frutas de 586 para 1082 milhões, o azeite de 590 mil euros para oito milhões e o vinho de 342 para 678 milhões de euros. Ou seja, hoje, o sector hortofrutícola, no qual o país tem vantagens comparativas (é, por exemplo, capaz de produzir legumes dois meses antes dos holandeses ou belgas), já representa um terço do valor final da produção da agricultura.


O mesmo com menos terra

E este desempenho que contraria os "mitos urbanos" torna-se ainda mais notável se considerarmos que a área agrícola é hoje muito menor. E que é trabalhada por quase metade das pessoas que a cultivavam em 1986. Gomes da Silva nota que o desaparecimento de explorações foi mais veloz que a redução da área utilizada, o que triplicou a área média das propriedades e reforçou a sua competitividade. Regra geral, os agrónomos dizem que as terras abandonadas eram "pobres" ou "marginais", incapazes por isso de sustentar uma produção agrícola moderna. Francisco Avillez chama também a atenção para o facto de, em muitos casos, não se poder falar de "abandono de terras", mas da sua "extensificação". Por exemplo, quando um agricultor deixa de semear batatas e passa a cultivar forragens para alimentação de bois e vacas. Armando Sevinate Pinto, que foi alto-funcionário da Comissão Europeia e ministro da Agricultura com Durão Barroso, vai no mesmo sentido e diz: "Não conheço um único hectare de terra boa que esteja fora de produção".

Redução persiste

Há quem não partilhe o optimismo. Em causa, receia o ministro da Agricultura, pode estar já o abandono de áreas agrícolas boas. Os dados estatísticos parecem dar-lhe razão, ao revelarem que a redução da área agrícola persistiu na década passada, quando, entre 2003 e 2007, desapareceram 30,6 por cento das explorações (a maior razia na UE a 27) e sete por cento das terras agrícolas (pior só na Roménia e na Eslováquia, enquanto em Espanha a ocupação agrícola cresceu 1,6 por cento no período).
Se é verdade que a produção agrícola, em valor bruto de produção, estagnou, mas não caiu, ao contrário do que é ideia corrente, pode acreditar-se que o sector "tem margem para reduzir a dependência externa de alimentos", diz António Serrano. "Se nos deixarmos de apostas erráticas, podemos aumentar as exportações em 15 por cento e reduzir as importações em 25 por cento", diz Sevinate Pinto. "Temos de organizar os sectores e seguir os bons exemplos, como o das frutas e legumes", considera António Serrano.
Ainda assim, todas as expectativas, todas as projecções se baseiam na crença de que se manterá um nível de protecção do sector no âmbito da PAC, que, além de ter canalizado para Portugal no último ano cerca de 800 milhões de euros em ajudas ao rendimento, mantém uma protecção alfandegária contra a concorrência externa. Se, como lembra Francisco Avillez, a pecuária nacional tiver de concorrer com a da Argentina ou do Brasil, se os cereais se abrirem à máquina produtiva dos Estados Unidos, então pouco haverá a fazer.

Como as revoltas árabes mataram a narrativa da Al-Qaeda

por A-24, em 07.03.11
A Al-Qaeda é um dos grandes derrotados das revoltas árabes deste início de ano, mas não é certo que a organização fundada há mais de 20 anos por Osama bin Laden e Ayman al-Zawahiri não consiga encontrar oportunidades nos novos cenários abertos pelos movimentos que já derrubaram dois ditadores e combatem agora o coronel Muammar Khadafi na Líbia.

Estas revoltas "demonstraram que é possível alcançar mudanças políticas significativas sem recurso à violência terrorista", disse ao PÚBLICO Paul R. Pillar, que durante 30 anos analisou o Médio Oriente e os grupos terroristas para a CIA e hoje está na Universidade de Georgetown. Nesse sentido, "são um golpe importante na ideologia e na narrativa" da jihad" global.
Derrubar os autocratas árabes aliados dos países ocidentais, com o egípcio Hosni Mubarak à cabeça, foi desde sempre o objectivo principal da rede de Bin Laden. Como única alternativa a estes regimes, denunciados como corruptos e despóticos, a Al-Qaeda apresentava a sua interpretação do islão. E nesta narrativa, a violência surgia como método exclusivo para atingir qualquer mudança e quebrar o ciclo alimentado pelo apoio dos Estados Unidos a estes regimes. Da mesma forma que em Washington e na Europa cada um destes líderes era visto como a única alternativa aos grupos islamistas - considerados, da Al-Qaeda à Irmandade Muçulmana, igualmente assustadores.
Pillar avisa que é "demasiado cedo" para proclamar o fim da Al-Qaeda, como fazem alguns analistas. "É uma derrota total para a Al-Qaeda, que em mais de 20 anos foi incapaz de desestabilizar regimes que manifestantes desarmados derrubaram em poucas semanas na Tunísia e no Egipto", afirma, por seu turno, Jean-Pierre Filiu, professor nas universidades Science Po (Paris) e Columbia (Nova Iorque).
"Estas revoluções foram travadas sob slogans democráticos, heréticos para os jihadistas. A Al-Qaeda tem tentado aproveitar este novo cenário com a sua propaganda, mas a verdade é que no mundo árabe já ninguém liga ao que Bin Laden e Zawahiri dizem", nota ainda Filiu, numa entrevista por email.
O saudita apátrida tem-se mantido em silêncio, mas o egípcio Zawahiri já surgiu a comentar os acontecimentos recentes, tentado de forma quase desesperada reivindicar um papel para Al-Qaeda nestas revoltas e apelando, em simultâneo, à criação de um Estado islâmico no Egipto pós-Mubarak.
Entretanto, também a Al-Qaeda no Magrebe veio declarar o seu apoio à sublevação líbia, descrevendo-a como "guerra santa" e afirmando que faz sentido derrubar Muammar Khadafi porque o general é um "inimigo de Deus". "Lutámos constantemente e unicamente na vossa defesa", reclama ainda o grupo, dirigindo-se aos civis que na Líbia decidiram que era tempo de se revoltarem contra quem os oprimia, seguindo os exemplos dos vizinhos tunisinos e dos egípcios.

Uma opção estratégica

Filiu, autor de "Apocaypse in Islam", publicado já este ano nos Estados Unidos, descreve os movimentos de revolta nos países árabes como "democráticos, populares e inclusivos". E pacíficos, apesar de terem sido "obrigados a recorrer à violência na Líbia pela repressão ordenada pelo regime de Khadafi". Mas a guerra civil que se desenha na Líbia não retira importância ao facto de "a paz" ter sido a opção "enquanto [esta] foi viável". Para o professor especialista na rede de Bin Laden, esta foi, da parte dos manifestantes nos vários países, uma "escolha estratégica para confrontar a violência dos regimes reinantes, os seus exércitos, as suas milícias e os seus mercenários".


É por isso que Filiu vê nestes movimentos "a maior derrota infligida à Al-Qaeda desde o nascimento da organização". Para que serve o grupo de Bin Laden se a realidade demonstra que, afinal, a mudança não só é possível, como pode acontecer em semanas, sem bombistas suicidas nem slogans anti-América e anti-Israel? 
"No Egipto e na Tunísia há um sentimento muito forte de que tudo o que está a acontecer está a ser feito internamente, pelas mãos de egípcios e tunisinos. O foco internacional da Al-Qaeda é simplesmente irrelevante. E o argumento da Al-Qaeda, de que era preciso expulsar os Estados Unidos da região antes de ser possível qualquer mudança em casa, é simplesmente errado, como ficou agora provado", explica Nathan J. Brown, analista do think tank Carnegie Endowment for International Peace e professor na Universidade George Washington, autor de vários livros sobre política no mundo árabe e o islamismo.Uma enorme oportunidade

As palavras dos académicos também já tiveram eco nas declarações dos políticos. No Reino Unido, a secretária de Estado da Segurança, Pauline Neville-Jones, afirmou que estas revoltas promovidas por "jovens que pedem maiores liberdades" são uma "enorme oportunidade" para o esforço de contraterrorismo dos países ocidentais, ao enfraquecerem a teoria da Al-Qaeda - que os próprios países ocidentais tinham assumido - de que a democracia e o islão não são compatíveis. O secretário da Defesa dos Estados Unidos, Robert Gates, preferiu sublinhar que estes acontecimentos "destroem o argumento da Al-Qaeda de que a única forma de uma população se livrar de um regime autoritário é através da violência extremista".
O grande trunfo de Muammar Khadafi na reconciliação com os EUA e com a Europa que ensaiara na última década foi precisamente o papel que podia desempenhar na luta contra a Al-Qaeda. "Os nossos serviços secretos estavam radiantes por poderem obter qualquer informação sobre a Al-Qaeda e, para além disso, a Líbia constituía para nós uma ligação a outros países do Magrebe onde a Al-Qaeda estava muito activa", afirma a antiga secretária de Estado de George W. Bush Condoleezza Rice, num documentário emitido há dias no canal de televisão France 5. A luta contra a Al-Qaeda serviu de justificação para o apoio a antigos e novos aliados, independentemente do grau de repressão que estes impusessem às suas populações.
Para Brown, a consequência imediata destes movimentos de revolta é ter "tornado a Al-Qaeda menos relevante, não tanto tê-la derrotado".

Uma retórica gasta

Num artigo publicado no site da CNN, o jornalista Peter Bergen ("The Osama bin Laden I Know") escreve que as revoltas no Médio Oriente vêm "sublinhar a crescente irrelevância da Al-Qaeda para os muçulmanos", notando que "mesmo antes de os revolucionários terem tomado as ruas da Tunísia, a Al-Qaeda já estava a perder a "guerra das ideias" no mundo islâmico".
Para Bergen, isso deve-se, por um lado, ao acumular de vítimas muçulmanas dos seus atentados suicidas (de que o Iraque é exemplo, desde que as tribos sunitas se revoltaram contra os fundamentalistas estrangeiros) e, por outro, ao simples facto de Bin Laden não ter nada para oferecer às dezenas de milhões de jovens desempregados e sem expectativas espalhados pelo mundo islâmico.
O britânico Jason Burke, jornalista e autor de vários livros sobre a Al-Qaeda, também considera que a retórica do grupo "já estava gasta antes da "Primavera árabe"". Num texto que assina no "Guardian", Burke nota que "a liderança da Al-Qaeda está física, cultural e ideologicamente demasiado distante dos acontecimentos actuais para poder desempenhar aqui qualquer papel significativo". Do Cairo a Bengasi (Líbia), "os slogans são uma rejeição explícita da mensagem da Al-Qaeda, não fazem qualquer referência a fé nem à "aliança cruzados sionistas", escreve Burke. E acrescenta: "Se Khadafi e Mubarak são descritos como traidores, é a nação - uma ideia que a Al-Qaeda vê como uma criação ilegítima do Ocidente - que eles traíram, não a umma, a comunidade global de muçulmanos."
Para alguns estudiosos, isto acontece não só por Bin Laden não ter nada a oferecer a estes jovens, mas também porque eles fazem parte de uma geração pós-islamista. "Assistimos à chegada de uma geração que nasceu na crise, que nunca considerou o islamismo como solução para todos os seus problemas, porque o islamismo já fazia parte da paisagem política quando esta geração se tornou politicamente consciente. Esta geração não é ideológica", afirmou em entrevista ao blogue Rue89 o politólogo Olivier Roy (autor, entre outros, de "Genealogia do Islamismo").Nathan Brown concorda que estes protestos não são liderados por movimentos ideológicos, "nem as suas exigências, para lá das reformas políticas, têm uma natureza ideológica", mas lembra que "os movimentos ideológicos não desapareceram". Na verdade, sublinha, "tanto os movimentos islamistas [a Irmandade no Egipto], como os sindicatos [relevantes na Tunísia] participaram [nos protestos] e provavelmente vão procurar ter um papel político mais forte" do que desempenhavam.

Paquistanização e irrelevância
Quanto à Al-Qaeda, a dúvida é agora saber até que ponto os jihadistas do Médio Oriente e do Magrebe vão conseguir aproveitar o período de caos político que se vive onde os líderes vão sendo derrubados - e o arrastar do conflito na Líbia. Brown, o analista do Carnegie Endowment, considera que "onde existir caos a Al-Qaeda vai beneficiar". Neste momento, afirma Paul Pillar, "a Líbia parece o país mais provável para a Al-Qaeda explorar oportunidades" e tentar ocupar os vazios.
Mas a prazo, contrapõe Jean-Pierre Filiu, o que "a revolução árabe" vai fazer é "aumentar a "paquistanização" da Al-Qaeda" que já se adivinhava nos últimos anos. "Os jihadistas globais vão funcionar cada vez como mercenários ideológicos dos jihadistas paquistaneses [e afegãos], fornecendo-lhes uma justificação "árabe" que é cada vez menos relevante."

Khadafi ameaça Europa com nova vaga de clandestinos

por A-24, em 06.03.11
O líder líbio, Muammar Khadafi, agitou o fantasma de uma nova crise de imigração ilegal na Europa, ameaçando libertar uma onda de clandestinos no território europeu se os países ocidentais não o ajudarem a combater a revolta contra o seu regime. “Milhares de pessoas da Líbia vão invadir a Europa e não haverá ninguém para as impedir”, avisou Khadafi.
Numa entrevista ao francês “Journal du Dimanche”, Khadafi voltou a responsabilizar a Al-Qaeda pela insurreição no seu país, mas acrescentou um novo detalhe dirigido aos leitores ocidentais: “Vocês têm uma jihad islâmica à vossa porta no Mediterrâneo. Osama Bin Laden está a instalar-se no Norte de África. Vocês vão ter Bin Laden à perna”, alertou, reclamando maior apoio para esmagar as forças terroristas.
“Eles vão atacar a 6ª Frota dos Estados Unidos. Vocês vão começar a ver actos de pirataria a 50 quilómetros das vossas fronteiras. Os homens de Bin Laden vão poder exigir resgates por terra e por mar, estamos a caminhar para uma crise internacional”, alegou, confessando a sua “surpresa” pelo facto de ninguém na Europa ter ainda percebido que “o que está a acontecer na Líbia é uma guerra contra o terrorismo”. “Como é possível que ninguém nos ajude”, interrogou-se.
O dirigente líbio – que recebeu a publicação francesa na sua tenda, no sábado – concedeu que a actual violência no país é o mais duro desafio à sua liderança de mais de 40 anos na Líbia, e garantiu estar totalmente disponível para colaborar com uma investigação independente aos acontecimentos. “Antes de mais nada deixe-me dizer que nós gostaríamos muito de ter uma comissão de investigação das Nações Unidas ou da União Africana a trabalhar na Líbia”, frisou, garantindo que o seu regime não imporia nenhuns limites à actuação deste painel.
“E digo-lhe até que veria com bons olhos que fosse a França a liderar e coordenar esse inquérito”, acrescentou Khadafi, lembrando a sua tradição de colaboração com o Governo gaulês e as suas relações de amizade com o Presidente Nicolas Sarkozy.
No Cairo, o ministro dos Negócios Estrangeiros da França, Alain Juppé, ignorou as referências do ditador líbio à sua alegada proximidade com Sarkozy e usou palavras duras para falar do regime de Khadafi, sublinhando que o líder líbio “está totalmente desacreditado e deve partir” e que a França considera a sua “folia criminosa totalmente intolerável”.
“A França, assim como muitos dos seus parceiros internacionais, não é favorável a uma intervenção militar ocidental na Líbia que teria efeitos muito negativos”, precisou Juppé. Mas, notou, “na hipótese dos combates se tornarem ainda mais sangrentos temos de estar preparados para reagir. Essa é a razão por que aceitamos que seja estabelecida uma zona de exclusão aérea na Líbia, sob o mandato das Nações Unidas e com a participação da Liga Árabe e da União Africana”, acrescentou.

Hingis: "Fiquei orgulhosa por ter chegado a número 6 do mundo outra vez"

por A-24, em 03.03.11

Encontrar Martina Hingis na Herdade da Comporta durante estes dias não é uma surpresa. A ex-tenista, que dominou o ranking mundial entre 1997 e 2001, acompanha o marido, Thibault Hutin, que participa na 4.ª edição do Atlantic Tour. Mas a presença da antiga número um do mundo tem roubado as atenções a alguns dos melhores cavaleiros do mundo. Nada a que Hingis não esteja habituada. Longe dos courts, a suíça de 30 anos continua de sorriso pronto e disponível para conversar, dar autógrafos ou entrevistas, como esta que deu ao PÚBLICO, durante a sua terceira visita a Portugal.
Como se sente nesta sua nova vida de cavaleira e longe dos courts?
Sempre gostei de competir com os meus cavalos e foi assim que conheci o meu marido. Às vezes é bom fazer alguma coisa sem pressão. É algo completamente diferente do ténis, embora por vezes frustrante, pois fui número um durante quatro anos seguidos e aqui não tenho o mesmo nível. No hipismo não tenho nenhumas ambições. É um desporto muito diferente do ténis: temos que nos concentrar durante um minuto, mas quando se comete uma falta, acabou. No ténis, temos mais tempo, podemos perder um set, acordar e ganhar. É também um desporto caro e não se ganha o mesmo dinheiro. Quando ganho um cheque de 1500 euros, parece que falta um zero [risos]. Mas, graças ao ténis, tenho dinheiro para praticar este desporto. Tenho dois cavalos de competição aqui comigo e tenho um outro para reprodução.

Lembro-me que teve uma queda de um cavalo cinco semanas antes da sua primeira final de Roland Garros, o único torneio do Grand Slam que nunca ganhou...
Tinha 17 anos, mas sempre fiz outros desportos como hipismo, esqui... sempre gostei de variedade na minha vida. Se jogasse só ténis não era eu. Gosto de me mexer, da velocidade, embora não vá aos limites. Sempre tive esse estilo de vida e quando fazia preparação física era sempre ao ar livre. Se ficasse num ginásio, morria. Gosto de ser flexível de modo a ser igualmente flexível no court e ter estratégias de jogo diferentes. Essa queda pode não me ter ajudado em Roland Garros, mas se calhar ajudou-me a ganhar Wimbledon, umas semanas depois.

E a outra final, em 1999 [perdeu com Steffi Graf, por 4-6, 7-5 e 6-2] em que recebeu um ponto de penalidade por se ter deslocado ao court adversário para verificar uma marca (quando vencia por 6-4, 2-0) e que acabou por virar o público contra si?
Essa também gostava de ter ganho. Arrependo-me mais dessa. Estive a vencer 6-4, 5-4, 30-30, a dois pontos da vitória, mas o meu serviço não estava a funcionar. As pessoas estão sempre a lembrar-me disso, em especial os jornalistas [risos], de resto não costumo pensar nela. Na verdade, há pouco tempo, estive a rever o vídeo com o meu marido e fiquei surpreendida com o nível de jogo, com um ténis de alta qualidade. Perdi no fim, mas foi um grande jogo, ténis de qualidade, bons pontos, longas trocas de bola, bastante táctico... Estou também orgulhosa por ter feito história, pois foi um encontro que foi votado pelos fãs como o melhor de sempre [votação online no site oficial do WTA Tour].

Terminou essa final em lágrimas e nem queria regressar ao court para a entrega de prémios. Como é que recorda agora esse momento?
Sim, claro que foi uma final com muita emoção, porque queria ganhar. Mas sempre houve histórias sobre mim. Sempre fui muito emotiva, sempre a sorrir quando estava a ganhar, zangada quando isso não acontecia. Naquela altura havia jogadoras com personalidades muito diferentes, havia as irmãs Williams, Capriati, Seles, Kournikova, caras diferentes com estilos diferentes... foi um bom tempo para o ténis. Hoje em dia, todas as jogadoras têm um mesmo estilo, unidimensional.

Essa falta de variedade de estilos foi uma das razões por que regressou no final de 2005?
Senti que ainda tinha uma hipótese e sempre era melhor fazê-lo com 25 anos do que com 30. Fiquei orgulhosa por ter chegado a n.º 6 do mundo outra vez. Hoje é espantoso o que acontece com Kim [Clijsters], chegar a número um... Não sei se hoje é mais difícil chegar ao topo, mas o ténis é mais físico, há mais jogadoras com um nível alto, como Wozniacki ou Jankovic, e ainda estão no circuito veteranas como as irmãs Williams (quando jogam bem), também Li Na com 28 anos a chegar à final do Open da Austrália... Até a Serena, quando está bem fisicamente, é espantosa. São as jogadoras da velha geração que conseguem jogar um ténis melhor, mais técnico, porque têm uma melhor educação. As mais novas têm um ténis mais standard e, quando as coisas não estão a correr bem, não têm plano B.

Os regressos de Justine Hénin e Kim Clijsters não a fizeram pensar num segundo regresso? Não teria gostado de ter saído do circuito de outra forma que não a acusação de consumo de cocaína que precipitou a retirada definitiva, em 2007?
Já faz parte da história, mas claro que não é a maneira como queremos abandonar uma modalidade em que estivemos no top durante tantos anos. É uma coisa que não posso mudar. Fiz um regresso que teve sucesso e pronto.

A sua ligação actual ao ténis resume-se a fazer comentários para a televisão e a rádio?
É mais a acompanhar algumas jovens jogadoras da Academia que a minha mãe tem em Zurique - temos a melhor sub-14 da Europa, Belinda Becic, vão ouvir falar dela! Jogo duas a três vezes por semana com amigos, faço umas exibições, vou jogar o torneio Legends [prova de veteranos] em Roland Garros e, talvez, em Wimbledon, e depois o Team Tennis [competição por equipas muito popular nos EUA, que junta actuais e antigos campeões] - sempre gostei do espírito de equipa! Não preciso de fazer nenhuma preparação especial porque estou a sempre fazer diferentes desportos.

Que jogadoras actuais gosta mais de ver?
Das novas, a única que está no top é Caroline Wozniacki. Acho que ela é muito eficaz, tira o máximo das suas capacidades. Mas só quando ganhar um Grand Slam é que terá o reconhecimento do mundo do ténis. Joguei com ela umas três vezes e era 20 ou 30 no mundo e deve ter melhorado bastante. No serviço, é muito consistente e, claro, disputa muitos torneios. O que lhe falta é um Major, pois é aí que se tem de ganhar às melhores quando elas estão no máximo.



Conhece algumas jogadoras portuguesas?
Conheço a Michelle Brito, bati bolas com ela umas duas vezes, há três anos, numa exibição em Liverpool e outra vez nos EUA. Quando era nova tinha potencial, mas hoje é preciso mais. Fisicamente é pequena, tem esse défice, por isso tem de trabalhar mais nas outras áreas. Como eu: como não era muito alta nem forte, tudo o resto tinha de ser muito bom, quase perfeito.
Público

Dez olhares sobre a Europa - Quando a minha filha usar burqa

por A-24, em 02.03.11
A mulher é o futuro da Europa, pode ler-se em algumas revistas. Mas muito perspicaz será aquele que for capaz de prever como será esse futuro. A romancista checa Petra Hůlová apresenta a sua visão trágico-cómica.

"Esta já está a preparar-se para usar a burqa", diz o meu marido, apontando, a sorrir, para a nossa filha de seis meses, que acaba de puxar instintivamente o cobertor até aos olhos. Gracejamos muitas vezes, ao imaginarmos como poderá ser a Europa do futuro dos nossos filhos: quando a Internet se tiver tornado um símbolo de um passado distante, como aconteceu com o telegrama e com o fax, e quando, ao recordarmos as nossas representações atuais do futuro, as pessoas se torcerem de riso, como com todos esses filmes de ficção científica da época do cinema mudo. Mas, de facto, não podemos deixar de pensar no futuro.
Experimentem! Aliás, não é verdade que se espera que todos os europeus responsáveis se preparem para o futuro? É certo que o cidadão europeu não pertence a um povo primitivo, não é como esses fatalistas que vivem sem se ralar com o amanhã, ainda que não ter Internet, nem bicicleta, nem autoclismo na casa de banho, não faça de alguém um ser inferior. O mesmo se pode dizer do uso da burqa, apesar de, na Europa, os muçulmanos não serem muito apreciados. No entanto, estes sentem-se em casa na Internet e, em muitos casos, muito melhor do que na França ou na Alemanha onde nasceram.

O futuro da Europa pertence às mulheres?

Hoje, o debate sobre os muçulmanos e a Europa está no auge. Até no meu país natal, a República Checa, onde encontrar um muçulmano nas ruas de uma das  cidades não é coisa muito fácil. "Não interessa", afirmam alguns dos polemistas checos de direita. "Que vão todos para o diabo!" Até agora, no meu país, à falta de um número suficiente de muçulmanos, estes dirigem os seus ataques contra os ciganos, os vietnamitas e, por vezes, as mulheres.
Até as revistas mais conformistas, cheias de belas imagens, dedicadas à área casa e jardim, dizem que o futuro da Europa pertence às mulheres. Afirmar isto não tem, pois, nada de extraordinário e as pessoas que se opõem a tal ideia são apenas aquelas que têm qualquer coisa contra as mulheres ou que imaginam as europeias do futuro usando burqas e pensam que, vestidas dessa maneira, terão maior dificuldade em governar. Desde que, evidentemente, ainda haja alguma coisa para governar – no fundo, a questão mais importante.
A espécie europeia está em vias de se extinguir, lentamente e, segundo alguns, a culpa é das mulheres emancipadas, às quais deveria pertencer o futuro da Europa. Quanto mais elevado é o seu grau de formação, mais independentes são financeiramente e menos filhos têm, essas desgraçadas! Algumas feministas defendem que a culpa é dos homens, porque foram eles que inventaram a pílula contracetiva, para poder gozar plenamente os prazeres da carne, sem o risco da procriação. Mas será que o regresso coletivo ao preservativo iria inverter a situação? Dificilmente.

Na República Checa somos particularmente alérgicos às instruções

Quando olho para a nossa filha, da qual só vejo espreitar, sob as cobertas, dois pequenos olhos azuis e uma cabecinha careca de bebé, imagino-nos às duas, europeias, dentro de 30 ou 40 anos. Então, já terei ido juntar-me ao exército das reformadas exasperantes. Iremos invadir as ruas, aos magotes, umas velhas amargas, daquelas para quem o passado era melhor, como sempre acontece quando os velhos olham para trás, para a sua própria juventude. Um pouco senil e sem ilusões, irei protestar, com os meus contemporâneos, contra a quarta geração de livros digitais, daqueles que se podem meter no bolso como um bilhete de amor, sempre com o meu telemóvel de décima segunda geração ligado, para o caso de os meus netos quererem falar comigo, enquanto a minha filha, a caminho de uma reunião, voa a 500 km/h numa autoestrada virtual. Com o vidro aberto, a burqa a flutuar elegantemente ao vento. A autoestrada estará cheia de mulheres idênticas.
As europeias dos anos 2040 voltarão a lutar (quantas vezes o fizeram já!) pela emancipação. Desde que, evidentemente, tudo corra bem e consigamos lá chegar. Não estou com isto a referir-me às euro-regiões, à moeda única ou à ideia da Europa, mas sim às cidades, aos patrimónios e às pessoas. Como nos filmes-catástrofe, imagino um desastre ecológico, o colapso da Internet, o aparecimento de uma epidemia. Perante a possibilidade de tais catástrofes se verificarem, as perspetivas da extinção lenta da espécie europeia ou de haver na Europa uma maioria de muçulmanos parecem bem aprazíveis. Quanto às mulheres, mesmo que voltassem a ficar em casa isso não seria, no fundo, assim tão grave. Na verdade, não seriam precisas muitas coisas para nos livrarmos desta visão sombria do futuro. Bastaria que nascessem mais crianças, que vivêssemos mais modestamente e que fossemos menos gastadores.
Olho para a minha filha, deitada ao meu lado, e tomo consciência de que, dentro de alguns anos, serei eu quem falará com ela usando "ses", enquanto ela me vai lançar olhares carregados. "E és tu quem me diz o que devo fazer?" É sempre a mesma coisa. Os estímulos só servem para irritar. Ao fim de 40 anos de experiência comunista, nós, na República Checa, somos particularmente alérgicos aos estímulos. Que ninguém se lembre hoje de querer fazer engenharia do futuro! Exceto, talvez, quando se trate de um fórum ou de um seminário, em que se apresentam comunicações e se discute inocentemente. E chega. Aliás, a História não mostra que os acontecimentos têm sempre um desfecho diferente daquele que se esperava? Sem dúvida. Aqui temos uma conclusão bem simpática. Mas quem acredita realmente nela?

Pág. 1/2