Em plena Guerra Fria, os EUA lançaram um programa militar chamado ARPA, que viria a dar origem à ARPANET, a rede precursora da Internet. A 29 de Outubro de 1969, a ARPANET conseguiu a primeira ligação entre computadores. Nos anos que se seguiram, a tecnologia passou do ambiente militar para o meio académico, onde permaneceu muitos anos antes de chegar ao resto dos utilizadores. Em quatro décadas, a Internet mudou o mundo. João Pedro Pereira
Piloto sempre foi uma grande esperança. Mas durante muito tempo foi mais falado por causa dos automóveis e das namoradas
Activo, honesto, divertido, talentoso. São muitos os adjectivos para descrever Jenson Button, mas há uma imagem que não descola do piloto que acaba de se sagrar campeão mundial de Fórmula 1. É considerado umplayboy, amante de festas e de automóveis caros. E o próprio Button, recorrendo ao humor que lhe reconhecem, não esconde essa faceta. "Sabem por que é que [nós, os pilotos de F1] temos de estar em forma?", perguntou a um jornalista doGuardian em Junho. "Para apanhar as miúdas!", respondeu, sorridente. O carácter folgazão de Button rendeu-lhe muitas simpatias, outras tantas conquistas amorosas, muito mediatismo, mas também lhe causou alguns dissabores. O britânico chegou à F1 em 2000, com apenas 20 anos. E até se tornou o mais jovem a conquistar pontos na competição (aos 20 anos e 67 dias), recorde entretanto batido pelo alemão Sebastian Vettel (19 anos e 349 dias).
Esta grande esperança do automobilismo tardou, porém, a afirmar-se. O próprio reconhece que estava "totalmente impreparado" quando chegou à F1. Depois de um ano na Williams, de onde saiu porque Juan Pablo Montoya já tinha contrato assinado com a escuderia, Button mudou-se para a Benetton, que ao fim de um ano se transformou em Renault. Flavio Briatore, o patrão da escuderia, não lhe poupou críticas. Em 2001, e depois de o inglês ter sido 17.º na qualificação para o GP do Mónaco, Briatore dirigiu-se a Button e perguntou-lhe se estava à procura de casa em Monte Carlo. "Por acaso, até estou", respondeu Button. "Então, faz-me um favor", disse Briatore: "Não olhes para o lado quando estás na pista". A piada de Briatore tornou-se célebre e durante muito tempo perseguiu o britânico, cada vez mais falado pelas festas, namoradas e pelos automóveis caros do que pelos resultados na pista. Button é o primeiro a autocriticar-se por esse período. "Em 2000, comprei um barco e um Ferrari. Fiquei excitado por ser piloto de F1", explicou numa entrevista ao Guardian. "Sabem como é: tinha 20 anos. Precisava de parecer e de me sentir um piloto de F1", admitiu na mesma conversa, reconhecendo que se desconcentrou.
Fã de superdesportivos
Jenson ainda mantém muitas dessas características dos 20 anos. Tem uma assinalável colecção de carros (Bugatti Veyron, BMW M5, Ferrari Enzo, Mercedes C63 AMG) e namora com uma modelo japonesa, Jessica Michibata. Mas ganhou maturidade. Logo em 2004, o britânico realizou um excelente campeonato, terminando em terceiro lugar.
Foi a primeira prova a sério de que o talento estava lá. "Em 2004, fez dez pódios e deu-nos o vice-campeonato de construtores. Andou sempre melhor do que os companheiros de equipa", recorda ao PÚBLICO Guido Piedade, que trabalhou com Button entre 2001 e 2004, quando foi assistente do chefe de equipa da BAR. Piedade lembra que, no ano anterior, Button tinha sido mais rápido do que Jacques Villeneuve, que tinha sido campeão mundial em 1997. Tiago Monteiro é ainda mais cabal. "É um dos maiores talentos ingleses da sua geração. Talvez tenha chegado um pouco cedo à F1 e as equipas por onde passou também não estavam no seu auge. Na F1, a equipa vale qualquer coisa como 70 por cento", sublinha o piloto português, nada surpreendido com o título de Button. "Dava a impressão que estava a passar ao lado de uma grande carreira, mas ele só precisava de um carro competitivo para mostrar que é um grande piloto", acrescenta Monteiro.
Jenson Button nasceu em Frome, Somerset, no Oeste de Inglaterra. Filho de um antigo piloto de ralicrosse (John Button) e de uma doméstica, o pequeno Jenson cedo se iniciou no automobilismo. Tudo começou com uma prenda - um kart - que recebeu aos oito anos. O irrequieto miúdo considerava tudo monótono e só quando experimentou as corridas de karts é que ficou satisfeito. Os carros e as corridas tornaram-se a prioridade, apesar de, curiosamente, ter reprovado no exame de condução. Depois de ganhar vários títulos nos karts e de ter curtas experiências na Fórmula Ford e F3, Button rapidamente ascendeu à F1. Bastou-lhe um teste na Prost, em que foi mais rápido do que Jean Alesi, para despertar o interesse. Frank Williams abriu-lhe as portas da F1 e o britânico tornou-se o novo menino bonito da competição. Tiago Monteiro recorda-se que a entrada de Button na F1 teve um efeito similar à de Hamilton. "Era o mesmo tipo de piloto, jovem e talentoso", explica o português.
Estilo à Prost
Pelo estilo suave de condução, o inglês tem sido comparado a Alain Prost. "Ele é, sem dúvida, um condutor suave. Sabe gerir bem o material. Poupa pneus, motor, combustível", revela Guido Piedade, sem esquecer também a boa disposição do piloto da Brawn. "Ele foi das pessoas com quem mais me ri no paddock", acrescenta.Ao bom 2004, seguiram-se na carreira de Button quatro épocas de travessia no deserto. E 2009 ainda parecia pior. A Honda desistiu da F1 e Button chegou a pensar que a sua carreira chegara ao fim. Ross Brawn, no entanto, salvou a equipa, Button reduziu o salário para metade e foi premiado com um dos melhores carros da grelha. O piloto renasceu e isso foi evidente, até na forma como se relacionou com a equipa. "As corridas e o carro ocupam grande parte do seu dia, o que, penso, não acontecia no ano passado. Passa os dias ao telefone com o engenheiro. Esse costumava ser o caso do Michael [Schumacher]", contou Ross Brawn à Reuters. Button é, por isso, o piloto do momento. Ele, que passou à "clandestinidade" em Inglaterra quando Hamilton foi campeão em 2008, volta agora à ribalta. E se no ano passado admitiu ter inveja de Hamilton - "se tivesse um irmão e ele ganhasse, odiaria, porque eu quero ganhar" -, agora é tempo de os outros invejarem um campeão chamado Jenson Button.
Em Dezembro do ano passado, Jenson Button estava no aeroporto de Gatwick (Londres). Aguardava as malas, após uma viagem a Lanzarote, quando recebeu uma chamada telefónica que lhe pareceu o maior pesadelo da vida. Do outro lado, estava o seu agente. “Jenson, tenho más notícias. A Honda desistiu da Fórmula 1”. O piloto britânico ficava sem equipa a poucos meses do início da nova temporada. “Pensei que a minha carreira estava acabada”, contou ao Sunday Times em Junho deste ano.
Dez meses depois da desistência da Honda, Jenson Button sagrou-se neste domingo campeão mundial de Fórmula 1. “Isto é o fim de um conto de fadas”, disse o novo campeão, que já se referiu ao seu percurso desta época como um grande filme que “nem precisava de pozinhos à Hollywood”. O “filme” de Button (O estranho caso de Jenson Button, como previsivelmente já lhe chamaram) terminou no Brasil, na penúltima prova do ano. O quinto lugar bastou para garantir o título, já que Sebastian Vettel foi quarto e Rubens Barrichello oitavo. Um quinto lugar pode parecer pouco (tal como Hamilton fizera em 2008 para carimbar o título em Interlagos), mas Button tem razão quando diz que foi uma prova “digna de um campeão do mundo”. “Foi a melhor corrida da minha vida”, argumentou, depois de ter partido de um 14.º posto que até o deixou doente e lhe deu mais uma noite mal dormida, à semelhança de tantas nas últimas semanas.
Great Button ao ataque O piloto da Brawn beneficiou de alguns acidentes nas primeiras voltas para ganhar lugares e protagonizou uma prova ao ataque, realizando várias ultrapassagens, algumas delas bastante arriscadas. “O Kobayashi é absolutamente louco”, clamou Button, referindo-se ao estreante da Toyota, que durante algum tempo lhe barrou o caminho. Barrichello partiu da pole position mas a sorte não esteve do lado do brasileiro. A entrada do safety car, logo no início, impediu-o de ganhar vantagem quando tinha o carro mais leve e nas paragens nas boxes foi perdendo terreno para Mark Webber (Red Bull), Robert Kubica (BMW) e Lewis Hamilton (McLaren), que preencheram o pódio no dia da consagração de Button. Barrichello acabou mesmo atrás do colega de equipa, porque nas voltas finais teve um furo. O dia era, pois, de Button. “Mereço o título após esta corrida. Há 21 anos, entrei num carro pela primeira vez e adorei ganhar. Nunca esperei ser campeão do mundo de F1, mas consegui-o hoje ”, disse o inglês, citado pelas agências internacionais, que falavam de um homem feliz com uma bandeira a dizer “Great Button”. Mas nem foi preciso esperar que Button saísse do carro para se perceber o que lhe ia na alma. Mal cortou a meta, o divertido piloto começou a cantar o tema dos Queen. “Somos campeões! Campeões do mundo!”
Brawn, Ross Brawn Jenson Button é o décimo britânico a vencer o título mundial de F1 e muito se discutirá se merece estar ao lado de nomes como Nigel Mansell, James Hunt ou Jackie Stewart. E se é certo que Button só tem sete vitórias em Grandes Prémios (seis delas nesta época), também é inegável que o britânico foi o que menos erros cometeu entre aqueles que este ano tiveram um carro em condições para lutar pelo título. Ganhou seis das primeiras sete corridas, quando a Brawn era imbatível. E na segunda metade da temporada — quando a Red Bull se afirmou e a Ferrari e a McLaren subiram de rendimento — manteve a regularidade. Pontuou em todas as provas, exceptuando na Bélgica, onde desistiu. O mérito do inglês tem de ser, em boa parte, partilhado com um compatriota: Ross Brawn. Foi ele que salvou a equipa, quando a comprou três semanas antes do início do campeonato, e foi ele que transformou numa máquina vencedora um carro branco, quase sem patrocinadores, e em que ninguém apostava um cêntimo. Ross Brawn deixou cair lágrimas assim que Button garantiu o título de pilotos e de construtores. O britânico confessou não compreender o tamanho da façanha que acabara de conseguir. “Ainda tenho de o absorver. Vai demorar algum tempo, mas é especial, muito especial”, disse o ideólogo da equipa que se tornou a primeira a vencer o Mundial de construtores na época de estreia. E a título pessoal, Brawn também fez história. Ganhou o Mundial pela oitava vez (uma na Benetton, seis na Ferrari e uma na Brawn), além de ver um piloto seu ganhar o título pela oitava vez. Depois de ajudar Schumacher a conseguir o heptacampeonato, Ross descobriu a fórmula (com sagazes opções técnicas) para levar Button ao triunfo, numa equipa que há um ano era última e agora é a primeira.
Classificação do GP do Brasil
1. Mark Webber (AUS/Red Bull-Renault), 1h32:23.081 2. Robert Kubica (POL/BMW-Sauber), a 7.626s 3. Lewis Hamilton (GBR/McLaren-Mercedes), a 18.944s 4. Sebastian Vettel (ALE/Red Bull-Renault), a 19.652s 5. Jenson Button (GBR/Brawn-Mercedes), a 29.005s 6. Kimi Räikkönen (FIN/Ferrari), a 33.340s 7. Sébastien Buemi (SUI/Toro Rosso-Ferrari), a 35.991s 8. Rubens Barrichello (BRA/Brawn-Mercedes), a 45.454s 9. Heikki Kovalainen (FIN/McLaren-Mercedes), a 48.499s 10. Kamui Kobayashi (JPN/Toyota), a 1:03.324s 11. Giancarlo Fisichella (ITA/Ferrari), a 1:10.665s 12. Vitantonio Liuzzi (ITA/Force India-Mercedes), a 1:11.388s 13. Romain Grosjean (FRA/Renault), a uma volta 14. Jaime Alguersuari (ESP/Toro Rosso-Ferrari), a uma volta
Nota: Os outros pilotos não se classificaram.
Mundial de pilotos
1. Jenson Button (GBR) 89 pts CAMPEÃO 2. Sebastian Vettel (ALE) 74 3. Rubens Barrichello (BRA) 72 4. Mark Webber (AUS) 61,5 5. Lewis Hamilton (GBR) 49 6. Kimi Räikkönen (FIN) 48 7. Nico Rosberg (ALE) 34,5 8. Jarno Trulli (ITA) 30,5 9. Fernando Alonso (ESP) 26 10. Timo Glock (ALE) 24 11. Felipe Massa (BRA) 22 12. Heikki Kovalainen (FIN) 22 13. Robert Kubica (POL) 17 14. Nick Heidfeld (ALE) 15 15. Giancarlo Fisichella (ITA) 8 16. Adrian Sutil (ALE) 5 17. Sébastien Buemi (SUI) 5 18. Sébastien Bourdais (FRA) 2
Mundial de construtores
1. Brawn 161,0 pts CAMPEÃ 2. Red Bull 135,5 3. McLaren 71 4. Ferrari 70 5. Toyota 54,5 6. Williams 34,5 7. BMW 32 8. Renault 26 9. Force India 13 10. Toro Rosso 7
A chanceler alemã, Angela Merkel, lançou nova acha para a fogueira do debate em curso no país sobre a imigração e islamismo, avaliando que a tentativa de criar uma sociedade multicultural na Alemanha “falhou redondamente”.
Num discurso feito perante a juventude partidária dos cristãos-democratas (CDU), Merkel defendeu veementemente na noite de ontem que o conceito de “multikulti” e a vivência harmoniosa “lado a lado” com pessoas oriundas de contextos culturais diferentes não está a funcionar no país, que possui uma vasta comunidade de quase quatro milhões de muçulmanos. E instou os imigrantes a “fazerem mais” para se integrarem na sociedade alemã.
Para a chanceler pouco foi “pedido” aos imigrantes no passado para que se verificasse essa maior integração, reiterando a ideia de que os imigrantes devem aprender alemão de maneira a terem melhores oportunidades de escolaridade e no mercado de trabalho.
O debate sobre a imigração na Alemanha tem estado ao rubro desde que, em Junho, o antigo director do Bundesbank e ex-deputado do Partido Social Democrata Thilo Sarrazin publicou um livro em que acusa os muçulmanos de “baixarem a inteligência” colectiva da sociedade alemã.
Sarrazin foi publicamente criticada pelas mais diferentes facções políticas no país e até afastado das suas funções no banco central, mas a popularidade do livro – mais de 650 mil cópias vendidas – dá conta de como as suas opiniões estão a ser ouvidas.
A sociedade alemã parece estar numa tendência crescente acentuada de xenofobia e anti-islamismo. Um estudo publicado quarta-feira, pela Fundação Friedrich Ebert (com ligações ao Partido Social Democrata, na oposição) revelou que um terço dos alemães defende a repatriação dos imigrantes e mais de metade – 58,4 por cento – manifesta-se favorável a restrições à prática do islão. Uma larga fatia de 55,4 por cento dos inquiridos neste estudo, realizado em Abril passado, disse “compreender que os árabes sejam vistos por algumas pessoas como sendo desagradáveis”.
Merkel tem vindo a tentar não hostilizar nenhum dos lados deste debate, argumentando fortemente a favor da mais profunda integração dos imigrantes na forma de vivência alemã, mas ao mesmo tempo instando os alemães a aceitarem que as mesquitas se tornaram parte da sua paisagem social e cultural.
Dentro da CDU a chanceler enfrenta cada vez maiores pressões para adoptar uma linha política mais dura na imigração, sobretudo nas franjas que não revelam predisposição a se adaptarem à sociedade alemã. E as declarações por ela feitas sábado à noite estão a ser vistas como uma tentativa de apaziguar aqueles que lhe criticam inaptidão para lidar com mão mais forte com os problemas da imigração no país.
No dia em que a Comissão Europeia divulgou os resultados do último Eurobarómetro sobre Saúde Mental - que indicam que os portugueses são os maiores consumidores de antidepressivos da União Europeia (UE) -, a ministra da Saúde voltou a defender que os médicos não fazem uma prescrição racional deste tipo de medicamentos e anunciou que está a ser preparado um guia de boas práticas para psiquiatras e clínicos gerais. Uma medida que a ministra Ana Jorge acredita ajudará a acabar com "comparticipações indevidas", sobretudo de " antidepressivos e antiepiléticos de última geração", que são os mais caros.
No último inquérito sobre saúde mental efectuado nos 27 países da UE (que ouviu 26.800 pessoas, 1032 das quais portuguesas), um em cada sete dos cidadãos nacionais entrevistados admitiu que usou antidepressivos nos últimos 12 meses, mais do dobro da média europeia. Os medicamentos foram usados sobretudo para tratar depressões e problemas de ansiedade. Este novo indicador parece confirmar os resultados do primeiro inquérito epidemiológico efectuado a nível nacional, que surpreendeu os próprios investigadores: Portugal é o país da Europa com a maior prevalência de doenças mentais na população - 23 por cento sofreu de uma doença psiquiátrica no último ano e quase metade (43 por cento) já teve uma destas perturbações durante a vida -, aproximando-se mesmo do campeão mundial a este nível, os EUA. No Eurobarómetro, a seguir a Portugal no uso de antidepressivos surgem a Lituânia (11 por cento), Malta e França (ambos com 10 por cento). Os menores consumidores deste tipo de medicamentos são os alemães e os gregos. Comparando os dados deste inquérito com o último Eurobarómetro sobre Saúde Mental (divulgado em 2006), percebe-se ainda que a percentagem de portugueses que procurou ajuda de profissionais devido a problemas psicológicos e emocionais nos últimos 12 meses aumentou significativamente desde essa altura (cinco por cento). Agora, mais de um quinto dos inquiridos admitiu recorrer a apoio de especialistas, uma percentagem também superior à média da UE. Portugal não é, porém, o pior país a este nível (a Roménia está no topo), apesar de se encontrar no grupo dos que apresentam subidas mais pronunciadas desde 2006. São os indivíduos que vivem sozinhos, os que têm dificuldades em pagar as contas "na maior parte do tempo" e os de grupos sócio-económicos mais desfavorecidos os mais afectados. Apesar disto, o absentismo do trabalho é mais baixo do que a média entre os inquiridos portugueses, com 88 por cento a afirmar que não faltou ao emprego nas últimas quatro semanas. O medo de perder o emprego pode ter aqui alguma influência: quando questionados sobre a segurança do seu trabalho, 29 por cento pensam que está ameaçada, de novo uma percentagem superior à média dos países da UE.
Os portugueses são os maiores consumidores de antidepressivos na União Europeia (UE), revela o último Eurobarómetro sobre Saúde Mental, hoje divulgado pela Comissão Europeia. Um em cada sete portugueses consumiu este tipo de medicamentos nos últimos doze meses, mais do dobro da média da UE (sete por cento).
A seguir a Portugal no uso de antidepressivos (15 por cento), surgem a Lituânia (11 por cento), Malta e França (ambos com 10 por cento).
Comparando os dados deste inquérito com o último Eurobarómetro sobre Saúde Mental (divulgado em 2006) conclui-se ainda que a percentagem de portugueses que procurou ajuda de profissionais devido a problemas psicológicos e emocionais nos últimos 12 meses aumentou significativamente desde essa altura (cinco por cento).
Agora, mais de um quinto (21 por cento) admitiu recorrer a apoio de especialistas, uma percentagem também superior à média da UE. Portugal não é, porém, o pior país a este nível (a Roménia está no topo), apesar de se encontrar no grupo dos que apresentam com subidas mais pronuncidas desde 2006.
Apesar disto, o absentismo do trabalho é mais baixo do que a média entre os inquiridos portugueses, com 88 por cento a afirmar que não faltou nas últimas quatro semanas. Mas os portugueses já estão acima da média da UE quando questionados sobre a segurança do seu trabalho (29 por cento acreditam que está ameaçada).
Num tudo são más notícias, porém. A percentagem de portugueses que declararam que "nunca" ou "raramente" se sentiram “tensos” e “cansados” é inferior à média dos outros países da UE.
Para este trabalho foram inquiridas 26 800 pessoas, 1032 das quais portuguesas.
Porto, 09 Fev (Lusa) - O líder da comunidade muçulmana de Lisboa, sheikh David Munir, criticou hoje, na Maia, a confusão crescente do Islão com o terrorismo, desde os atentados de 11 de Setembro de 2001, em Nova Iorque.
"É uma situação insustentável porque, desde então, os muçulmanos entram em paranóia cada vez que rebenta uma bomba no mundo, porque todos pensam que foram eles, mesmo que isso não seja verdade", afirmou.
O sheikh acrscentou que esta mudança de atitude face aos muçulmanos repete-se e muitas outras situações do quotidiano.
"Antigamente, se uma mulher muçulmana tapava o cabelo, era olhada com curiosidade, hoje em dia isso é encarado quase como uma provocação. Já as freiras católicas podem tapar o cabelo à vontade, sem despertar qualquer reacção", exemplificou David Munir.
O líder religioso falava durante uma conferência/debate promovida pelo Instituto Superior da Maia sob o tema "As religiões e a construção do futuro", em que participaram também o bispo do Porto, D. Manuel Clemente, e Nuno Whanon Martins, especialista da religião judaica.
O sheikh Munir aproveitou a ocasião para procurar desfazer uma série de equívocos muito comuns que, no seu entender, distorcem a imagem do Islão.
"Por exemplo, os casamentos arranjados não são Islão, são tradição, se existem é porque fazem parte das culturas locais", afirmou, acrescentando que o Corão garante às mulheres a possibilidade de escolherem os seus maridos e vice-versa.
Sublinhou ainda que os casamentos arranjados são prática em muitas culturas e religiões e até ao século XIX e meados do século XX eram correntes na Europa.
"O mesmo acontece com o dote que as famílias das noivas dão aos noivos,o que acontece também em muitas outras religiões, incluindo a cristãs. Isso não faz parte do Islão, não há nada no Corão que o legitime. Dote não é Islão, é tradição", afirmou.
David Munir admitiu, porém, que o Islão não separa o poder político do religioso.
"No Islão há só um poder e uma lei, a Sharia (conjunto de leis religiosas islâmicas), mas não conheço nenhum país islâmico no mundo que a aplique a cem por cento", defendeu.
Relativamente à posição das mulheres na sociedade islâmica, o sheikh frisou que há muitas proibições em países islâmicos que nada têm a ver com a Sharia, mas sim com costumes locais.
"São exemplos disso, a proibição de conduzir na Arábia Saudita, que não existe em mais país islâmico nenhum, e o acesso a lugares de direcção política, que também não é vedado às mulheres, como se viu no Paquistão, com a senhora Benazir Bhutto, que foi primeira-ministra por duas vezes, num país islâmico".
Criticou também a ideia vigente de que o Islão é contrário ao trabalho das mulheres.
"Vejam o meu caso pessoal, a minha mulher é médica, trabalha e até ganha muito mais do que eu. É claro que isso não vai contra o Islão", garantiu.
Quanto ao acesso à religião islâmica, o sheikh garantiu que "qualquer um que o deseje pode entrar na religião islâmica e é bem-vindo".
Já para um muçulmano, convertido ou de origem, sair da religião as coisas são um pouco mais complicadas.
"Se as pessoas têm dúvidas e querem sair, há sempre toda a abertura para as esclarecer", sublinhou.
Mas se mesmo assim as dúvidas permanecerem, as pessoas são livres de sair, deixando de frequentar as mesquitas "desde que o façam com recato, de forma não ostensiva", mesmo em países islâmicos.
"O Corão diz que aqueles que rejeitarem o Islão terão que se enfrentar directamente com Deus. Os homens não têm poder para os julgar", assegurou.
No entanto, o sheikh admitiu que, embora o Corão não reconheça aos homens a faculdade de julgar os apóstatas, essa atitude é muitas vezes sancionada severamente pelas sociedades islâmicas no seu ordenamento jurídico, sempre e quando o abandono da fé seja assumido publicamente e de forma afrontosa.
Autorizado a comer no refeitório do Kremlin, Álvaro Cunhal, o «marxista de cristal», teve um tratamento de VIP na capital soviética - desde os 500 rublos mensais até ao apartamento no n" 5 da Vorobyovskaya Shossé. Uma visita guiada ao passado, no dia em que o velho líder completa 81 anos
Paula Serra / VISÃO nº 86 10 Nov. 1994
«Sobre o pedido da direcção do PCP: satisfazer o pedido do secretário-geral do PCP, camarada Álvaro Cunhal, e encarregar o Comité Executivo do Soviete de Moscovo de pôr à disposição da Direcção de Manutenção do Comité Central do PCUS, na zona de Vorobyovskaya Shossé, no primeiro trimestre de 1965, um apartamento de quatro assoalhadas. Encarregar a Direcção de Manutenção do PCUS de mobilar o apartamento de A. Cunhal. Extracto do protocolo n.° 107 da reunião do Secretariado de 7 de Dezembro de 1964.» Com este texto, elaborado pelo Secretariado do Comité Central do PCUS (Partido Comunista da União Soviética) e lavrado em documento oficial, o secretário-geral do PCP, Álvaro Cunhal, então no exílio, instalava-se numa zona residencial moscovita, no sudoeste da cidade, a 20 minutos do Kremlin. Próximo da antiga residência do dirigente histórico dos comunistas portugueses ergue-se o Estádio Luzhniki, um dos mais importantes de Moscovo.
É uma zona tranquila mas impessoal, de blocos habitacionais bem ordenados, enquadrados por arruamentos arborizados.
Quando viveu no apartamento situado no prédio n.° 5 da Vorobyovskaya Shossé — bem situado nesta espécie de «Telheiras russa» — Cunhal não chegou a conhecer a estátua gigante do primeiro cosmonauta, Yuri Gagarine, que hoje domina o local.
A abertura à investigação do Centro de . Conservação de Documentação Histórica do PCUS — relativa ao período entre 1953 e 1991 — permite à VISÃO revelar pormenores inéditos da passagem de Cunhal pela capital russa e aspectos desconhecidos, até, da maioria dos seus camaradas de partido. Graças a um tratamento concedido apenas a raros dirigentes do movimento comunista internacional, o líder português gozou, durante a sua permanência, nos anos 60, na antiga União Soviética, de privilégios postos somente à disposição dos mais destacados membros do Comité Central do PCUS. A investigação efectuada em Moscovo permite-nos perceber melhor o estatuto de excepção concedido a Cunhal, o seu prestígio junto dos dirigentes soviéticos e o lugar dominante de Portugal entre as preocupações da URSS.
Mesada
Álvaro Cunhal, que completa hoje, 10 de Novembro, 81 anos, estava já em Moscovo em 1961, logo após a espectacular fuga do forte de Peniche, mas não permanecia muito tempo no mesmo lugar.
Nesse tempo deslocava-se com frequência à Roménia e à Checoslováquia. Nos últimos anos da clandestinidade, o dirigente comunista viveu também em Paris, tendo regressado a Portugal a 30 de Abril de 1974, cinco dias após a Revolução dos Cravos.
Por decisão do Secretariado do Comité Central do PCUS, Álvaro Cunhal já recebia mensalidades de 500 rublos em 1961, o equivalente, na altura, a pelo menos quatro salários médios. Na mesma época, Francisco Miguel e Margarida Tengarrinha, também membros do Comité Central do PCP, e seus camaradas de exílio, auferiam 180 e 130 rublos, respectivamente.
Num protocolo datado de 14 de Setembro daquele ano, o vice-chefe da Secção Internacional do Comité Central do PCUS, V. Terechkin, comunica ao Comité Central o pedido de Álvaro Cunhal no sentido de se instalar na URSS com a sua mulher e a filha, Ana.
Dois dias depois, outro documento autoriza o líder comunista português a frequentar o refeitório do Kremlin — cuja entrada estava reservada a membros do Bureau Político do-Comité Central do PCUS. Neste restaurante era servida, sobretudo, alimentação dietética, o que não desagradava à frugalidade do secretário-geral do PCP.
Todos estes documentos constam do já referido arquivo do Centro de Conservação de Documentação Histórica do PCUS relativo ao período entre 1953 e 1991. A sua progressiva abertura está, ainda que lentamente, a permitir uma melhor compreensão de alguns dos factos mais relevantes do século XX, em que está a trabalhar o investigador português José Muhazes, residente em Moscovo há 17 anos.
Marxista de cristal
A importância de Álvaro Cunhal entre os dirigentes comunistas europeus é reforçada a partir de 1964, ano em que o ideólogo e dirigente do PCUS — e um dos mais relevantes conspiradores contra Nikita Khruchtchev, Mikhail Suslov, destaca a capacidade do líder português. Ao reparar na sua «personalidade brilhante», pureza de convicções e fino trato, chama-lhe «marxista de cristal».
A hierarquia da Nomenklatura comunista mandava que, enquanto viviam em Moscovo ou quando se deslocavam à URSS, tanto Álvaro Cunhal como outros líderes comunistas estrangeiros (caso do brasileiro Luiz Carlos Prestes ou do chileno LUÍS Corvalán) tivessem um tratamento VIP: enquanto a Cunhal era atribuído, por exemplo, um apartamento de quatro assoalhadas, o seu camarada Francisco Miguel, que também passou parte da clandestinidade em Moscovo, só teve direito àquilo a que hoje se chamaria um T-0.
Gendrik Borovik, antigo jornalista da agência Novosti, que esteve em Portugal em Maio de 1974, recorda Álvaro Cunhal, como «um moscovita». «Vivi no mesmo edifício na Vorobyovskaya Shossé, num apartamento perto do de Álvaro. Costumava encontrá-lo no elevador, acompanhado da mulher, de uma criança e da secretária.
Mas nunca falávamos. Eu admirava-o muito. Para mim. Cunhal era um herói como "Che" Guevara. Sabia da sua fuga da prisão em Portugal, um feito espectacular.
Mas ele era muito reservado e só falei com ele quando estive no vosso país, logo a seguir à Revolução. Nessa altura, perguntei-Ihe se se lembrava de mim. Ele respondeu-me afirmativamente, mas penso que quis apenas ser simpático», conta-nos Borovik, que entretanto trocou o jornalismo pela literatura.
Amílcar CabralNas suas estadas em Moscovo, Cunhal não se limitou a utilizar os alojamentos colocados à sua disposição pelo PCUS. Na capital soviética, o secretário-geral do PCP passou também algumas curtas temporadas em hotéis reservados a dirigentes comunistas — entre eles o Presidente e o Arbat. Quem passou igualmente pelo Arbat foi Amflcar Cabral, o líder do PAIGC assassinado 1973, na Guiné-Bissau. Oleg Ignátiev, antigo jornalista da Pravda, e seu correspondente em Portugal entre 1979 e 1984, foi amigo do dirigente africano e recorda alguns momentos do convívio com Amílcar Cabral em Moscovo. E lembra-se também de Cunhal. «Vi-o algumas vezes, nessa altura, no Hotel Arbat, quando ia falar com Amílcar», diz.«Cunhal era muito reservado, e apesar de o admirar muito nunca conversei com ele.» Sempre a mesma reserva, o ar de mistério, a aura de inacessibilidade: a personagem confunde-se com os seus feitos. Para trás fica a vida pessoal de um homem de carne e osso. Álvaro Cunhal não respondeu ao pedido da VISÃO para falar sobre os tempos do exílio.
Mário SoaresEntre a documentação sobre o PCP a que tivemos acesso nos arquivos do PCUS figura ainda um documento sobre a «cooperação», na clandestinidade, entre comunistas e socialistas. Um extracto do protocolo n.° 48 do Secretariado do Comité Central, datado de 14 de Julho de 1972, fala de Mário Soares. Em causa, um pedido de Cunhal para que Soares fosse recebido em Moscovo. As recomendações são explícitas:«l ° — Satisfazer o pedido do Secretário Geral do PCP, cam. A. Cunhal, sobre o convite, em Setembro de 1972, para a deslocação à União Soviética, por um período de três semanas, do líder dos socialistas portugueses, M. Soares.A recepção e estada de Mário Soares ficam a cargo da União das Associações de Amizade e de Laços Culturais com os países estrangeiros.«2º — Encarregar o Ministério das Finanças da URSS de, juntamente com a União das Associações, encontrar fontes para cobrir as despesas com a recepção e a estada, bem como para cobrir as despesas relacionadas com a viagem de M. Soares Paris—Moscovo—Paris. Encarregar o Ministério da Aviação Civil da URSS de transportar M. Soares de Paris para Moscovo, com pagamento em rublos soviéticos.» O texto é assinado por um membro do Secretariado do Comité Central do PCUS.A viagem fora combinada entre Soares e Cunhal, pouco tempo antes, num encontro em Praga. A visita foi acompanhada por Augusto Abelaira, Oscar Lopes e Alexandre Babo. Estiveram em Moscovo e em Leninegrado (São Petersburgo), depois de uma memorável viagem de comboio que Soares recorda num dos seus livros.
JuventudeDescendente de uma família da burguesia rural, Álvaro Barreirinhas Cunhal nasceu a 10 de Novembro de 1913, na freguesia da Sé Nova, em Coimbra. Aos 4 anos passaria a viver em Seia, terra do pai — Avelino Cunhal, advogado — para se mudar definitivamente para Lisboa em 1924. Ainda antes de deixar aquela localidade serrana. Cunhal foi baptizado, a 5 de Maio de 1919, na Igreja de Nossa Senhora da Assunção, tendo como madrinha Nossa Senhora e como padrinho o seu irmão mais velho, António José.As suas actividades políticas começam na faculdade de Direito de Lisboa, onde entrou apenas com 17 anos, em 1930. Torna-se membro da direcção da Associação Académica (1932) e do Senado Universitário (1934). Por essa altura, já Álvaro Cunhal participava nas clandestinas Liga dos Amigos da URSS, Socorro Vermelho Internacional, Liga Contra a Guerra e Contra o Fascismo e Grupos de Defesa Académica. A sua filiação no PCP ocorre também no momento em que entra para a Faculdade. Cunhal terá entrado para a organização através de Cansado Gonçalves, amigo de Avelino Cunhal.Em meados dos anos 30, muitos dirigentes comunistas são presos pela Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), primeira designação da PIDE/DGS. Álvaro Cunhal terá tido o seu primeiro nome de guerra em 1934, sendo então destacado por Bento Gonçalves para organizar a Federação das Juventudes Comunistas. Em 1936 é eleito para o Secretariado da organização, deslocando-se pela primeira vez à União Soviética. Com ele, seguem Domingues dos Santos e Florindo de Oliveira. No mesmo ano, Francisco Paula de Oliveira (Pavel) sobe ao Secretariado do Partido, de onde seria expulso em 1939.
PrisõesSegundo a sua biografia oficial — publicada em 1954 pelo PCP — Álvaro Cunhal terá passado definitivamente à clandestinidade em 1935. Esta versão é, porém, contrariada se tivermos em conta que, no início dos anos 40, o líder dos comunistas assinava artigos no jornal O Diabo e leccionava no Colégio Moderno, de João Soares, pai de Mário Soares. O mais verosímil é que Cunhal tenha passado à clandestinidade em 40 ou 41.Depois de uma passagem de alguns meses por Espanha, em 1936 — o ano em que estala"a guerra civil no país vizinho —, o dirigente comunista é preso em Portugal, a 20 de Julho de 1937. E então acusado de distribuir propaganda na rua. Encarcerado no Aljube, será transferido passados dois meses para Peniche. Julgado em Tribunal Especial, Cunhal é libertado cerca de um ano depois e obrigado a fazer o serviço militar na Companhia Disciplinar de Penamacor. Após uma greve de fome, acaba por ser dispensado por uma Junta Médica, em Dezembro de 1939.Uma série de prisões nas hostes do PCP, nos finais desse ano, levam uma nova fornada de dirigentes às cúpulas do Partido.Em 1939, Cunhal é eleito para o Secretariado juntamente com o médico Ludgero Pinto Basto e Francisco Miguel. O Secretariado e o Comité Central decidem nomear Cunhal secretário-geral do PCP, cargo até então ocupado por Bento Gonçalves, preso na época no Tarrafal. Mas Álvaro Cunhal não aceita ocupar o lugar do «mítico» dirigente comunista. Ainda não tinha chegado a sua hora.
Peniche-MoscovoEm Maio de 1940, Cunhal volta a passar pela prisão durante três meses. É levado da cadeia à Faculdade para fazer o exame final de Direito. O júri é constituído por Paulo Cunha e Cavaleiro Ferreira, mais tarde ministros de Salazar, e por Marcelo Caetano, o delfim do ditador.O líder comunista formou-se com distinção, defendendo a sua tese sobre «A Realidade Social do Aborto».O PCP vive tempos de brasa. Acusado de infiltrações, o Partido fora expulso, em 1939, da Internacional Comunista (IC), que Estaline acabará por dissolver quatro anos depois. Só em 1948 Cunhal regressará a Moscovo — através de canais estabelecidos com os comunistas jugoslavos de Tito — para a reunião do Kominform (Bureau de Informação do Movimento Comunista Internacional). Até 1945, o partido teve de resolver desavenças internas que opunham dois comités centrais.No PCP continua-se a viver no temor das denúncias e das desavenças. Piteira Santos é expulso em 1949, ano em que Cunhal é de novo preso, agora no Luso, com Militão Ribeiro e Sofia Ferreira. O secretário-geral do PCP ficaria sob clausura 11 anos. Tempo para esboçar os célebres desenhos do cárcere, que revelam um traço decidido e sensível. Terá tido tempo, também, para uma incursão na literatura, havendo quem garanta que o romance Até Amanhã Camaradas, assinado sob o pseudónimo de Manuel Tiago, é da sua autoria.A fuga de Peniche, em 1960, foi uma das mais espectaculares evasões das cadeias portuguesas. No dia 3 de Janeiro, contando com a ajuda de um soldado da GNR, Cunhal, Carlos Costa, Francisco Martins Rodrigues, Francisco Miguel e mais seis camaradas deixam o forte de Peniche descendo o muro da prisão por uma corda feita de lençóis. Pouco tempo depois estava em Moscovo, onde, em 13 anos de exílio, passou diversas temporadas. Em Março de 1961 fora eleito secretário-geral do PCP.PerfeitoVadin Zagladin, vice-chefe da secção internacional do Comité Central do PCUS entre 1967 e 1975, 1.° vice-chefe da mesma secção entre 1975 e 1988 e conselheiro do antigo presidente da URSS, Mikhail Gorbachov, para assuntos internacionais, tem uma ideia muito precisa de Cunhal: «Honesto, está muito arreigado às suas convicções, o que pode tomar-se um defeito. Mas é um homem com um grande carisma.» Zagladin teve o primeiro encontro com o dirigente comunista português em 1967. Segundo afirma, «no PCP a última palavra cabia sempre a Cunhal, e os próprios camaradas diziam que não podiam tomar quaisquer decisões ou iniciativas sem consultarem o camarada secretário-geral.» Em 1973, Cunhal pediu ao PCUS para patrocinar a realização de uma reunião do Comité Central do PCP na capital soviética, em meados de 1974. Isto, no entender de Zagladin, significava que, nessa altura, o PCP não esperava a eclosão de um golpe militar em Abril desse ano.
Em Até Amanhã Camaradas, ricos e pobres são personagens com fraquezas e defeitos. O único perfeito e imaculado é o dirigente do Comité Central. Será essa uma história de ficção?.
Uma vez escuteiro, sempre escuteiro. Se este lema é para levar à letra, os escuteiros lusófonos de Macau têm ainda entre os seus membros dois netos de Kim Jong-il, o ditador norte-coreano que mantém todos os países da região à beira de um ataque de nervos, com constantes ameaças bélicas e nucleares contra os seus inimigos, sejam eles reais ou imaginários.
Os dois miúdos são filhos de Kim Jong-nam, que por sua vez é o filho mais velho do homem a quem apelidam na Coreia do Norte, oficialmente, "Querido Líder". O rapaz chama-se Kim Han-sol, tem 14 anos e entrou para os escuteiros lusófonos, como lobito, no ano lectivo de 2003/2004. A irmã, Kim Sol-hei, de 10 anos, ingressou na mesma associação uns meses mais tarde, quando perfez a idade mínima de 6 anos. A sua participação nas actividades dos escuteiros lusófonos de Macau manteve-se sem grandes interrupções até ao ano passado, altura em que deixaram de aparecer, sem que a mãe tivesse informado que iriam ausentar-se.
O afastamento de ambos dos escuteiros lusófonos coincidiu com a publicação na imprensa de Hong Kong e do Japão de notícias detalhadas sobre a vida de Kim Jong-nam em Macau, quando estava ainda por resolver o imbróglio do Banco Delta Ásia. As contas de empresas norte-coreanas neste banco estavam congeladas, a pedido do governo dos Estados Unidos, o que era suficiente para originar todo o tipo de especulações sobre as razões da presença de Kim Jong-nam em Macau.
Julga-se que a família terá então preferido resguardar-se da curiosidade dos media, deixando de estar tanto tempo no território e passando mais longas temporadas em Pequim. Recentemente, no entanto, a imprensa regional disse que Kim Han-sol foi visto na Arena do Venetian, com amigos de escolas internacionais de Macau e Hong Kong, a assistir a um concerto do cantor sul-coreano Rain, o que faz supor que a família continue estabelecida em Macau ou, pelo menos, a visitar o território com alguma frequência.
Ambiente descontraído
É aqui, com grande regularidade, que a imprensa regional - especialmente a japonesa - consegue descobrir e entrevistar Kim Jong-nam sobre as questões da sucessão na Coreia do Norte. Mas as últimas informações davam-no na Tailândia, a passar umas férias, provavelmente para fugir à constante perseguição que os jornalistas lhe movem. Alguns jornais garantem que pediu, entretanto, asilo político em Macau e que esteve quase para ser aqui alvo de uma tentativa de homicídio. Kim Jong-nam nega, no entanto, que esteja em conflito com o regime de Pyongyang e afirma-se mesmo desinteressado da política. Ao que parece, só quer viver a sua vida em paz.
O académico sul-coreano Han Suk-hee, especialista da Universidade de Yonsei nas relações entre a Coreia do Norte e a China, afirmou recentemente ao jornalChosun Ilbo que Kim Jong-nam tem três apartamentos de luxo em Macau e que "quem os conhece percebe que ele não está interessado em suceder ao seu pai", alusão a um estilo de vida ocidentalizado não compatível com o rigor ideológico do regime de Pyongyang. Um desses apartamentos fica nas imediações do Clube Militar. Era para lá que seguiam, muitas vezes, os filhos de Kim Jong-nam quando acabavam as suas actividades como escuteiros lusófonos. Sempre com a mãe e sem guarda-costas.
Mas o que fez os filhos de Kim Jong-nam, netos de Kim Jong-il, ingressarem nos escuteiros lusófonos? Segundo pessoas que falavam com a mãe quando lá os levava, foi "a preocupação em proporcionar-lhes um ambiente descontraído, onde pudessem aprender e crescer ao lado de outros miúdos, praticando actividades saudáveis".
A sugestão terá sido apresentada à mãe, Lee Hye Kyung, por uma amiga inglesa cujo filho frequentava a mesma escola internacional que os netos de Kim Jong-il. "Às vezes chegavam juntas de táxi, mas a maioria das vezes a mãe vinha sozinha com os dois miúdos, de táxi ou de autocarro", disse ao jornal Ponto Final fonte que não quis identificar-se. Notava-se a preocupação de se comportarem como uma família normal, bem integrada no grupo.
Lee Hye Kyung, que também usa o nome Chang Kil Sun, é uma mulher bela, que fez carreira como bailarina e chegou a representar a Trupe de Artes Performativas de Chosun, a mais prestigiada na Coreia do Norte. Quando levava os filhos aos escuteiros esperava por lá que as actividades terminassem, adoptando sempre uma atitude muito reservada. Raramente se fez acompanhar por outros adultos; nas poucas vezes que o fez, apresentou-os como tios das crianças. Havia quem suspeitasse que fossem guarda-costas, mas isso foi só quando começaram a surgir rumores de que os miúdos pertenceriam à primeira família da Coreia do Norte, depois de se saber da presença habitual de Kim Jong-nam em Macau.
A mãe dos miúdos mantinha uma atitude de vigilância constante em relação à filha, por ser a mais nova. Enquanto esperava por ela, fazia conversa de circunstância com alguns dos outros pais, sobre trivialidades da terra. Nunca lhe ouviram um comentário sobre questões políticas. Tal como os filhos, falava em bom inglês. Embora não ostentasse grandes sinais exteriores de riqueza, apresentava-se sempre elegantemente vestida, embora sem os excessos de luxo denunciados pela imprensa sul-coreana.
Os miúdos, que raramente apareciam sem uma consola de jogos ou umgadget que estivesse mais na moda, integraram-se muito bem nos respectivos grupos - ela, lobito, ele já explorador -, revelando óptima comunicação com os colegas. "O rapaz, então, era especialmente extrovertido", conta um dos encarregados de educação.
Os escuteiros lusófonos tudo fizeram para que a sua integração fosse fácil. "Eram muito bem tratados por todos e tenho a certeza de que sofreram uma boa influência desta sua passagem pelos escuteiros", garante uma fonte do grupo. "Mesmo não sendo católicos, iam à missa porque todos os outros escuteiros iam. Foram daqui com os valores do escutismo bem assimilados."
Nelson António, coordenador do Grupo de Escuteiros Lusófonos de Macau - única associação juvenil portuguesa existente em Macau, criada em 1997 -, não quis comentar a passagem dos netos de Kim Jong-il pelo agrupamento, invocando razões de "respeito pela privacidade" dos seus membros. Mas nem por isso deixou de se referir aos valores do escutismo: "São basicamente os valores da cidadania. O respeito pelos outros. O respeito pela Natureza. A interacção entre os miúdos e entre estes e a Natureza. Actividades ao ar livre - essa é a nossa principal insistência", explicou. "Para que não fiquem horas a fio em casa, à frente dos computadores."
Como todos os seus colegas, Kim Han-sol e Kim Sol-hei participaram nas Festas da Lusofonia, onde o rapaz foi visto a cantar As meninas da ribeira do Sado, vestido com capote alentejano. Só não participaram nas cerimónias do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, incluindo o içar da bandeira no Consulado-Geral de Portugal e a romagem à Gruta de Camões, porque 10 de Junho não é feriado em Macau e havia aulas na escola internacional que frequentavam.
Fora isso, apenas não estiveram em todas as outras actividades dos escuteiros lusófonos por se ausentarem frequentemente de Macau. "As ausências mais prolongadas eram quando iam passar férias à Rússia", onde vivia e acabou por falecer, de doença prolongada, a mãe de Kim
Jong-nam, a ex-actriz Sung Hye Rim.
Da última vez, despediram-se como sempre com a indicação de que voltariam em breve. Mas estão ainda por reaparecer, apesar de os seus movimentos em Macau continuarem a ser regularmente noticiados pela imprensa da região. "Deixámos de vê-los há mais de um ano", refere um dos pais.
No final dos anos 60 rebentou em Portugal um escândalo sexual, envolvendo políticos poderosos do Regime do Estado Novo, prostitutas e filhas de prostitutas, meninas muito jovens, de 8 , 9 , 10 anos, que eram entregues pelas mães para se prostituirem com vários dignitários do Regime.Ficou na história conhecido como o "Rallet Rose".
Como se sabe , em 1967 rebentou um escândalo de abuso sexual de meninas, algumas com 8 e 9 anos, por parte de gente muito influente do Regime do Estado Novo. Além de Condes, Marqueses, estavam implicados industriais, empresários e um Ministro do Governo de Salazar. O Correia de Oliveira (ministro da Economia) A PJ prendeu a modista Genoveva, encontrou uma lista com os clientes das meninas. Uma das raparigas foi à PJ , na companhia do advogado Dr. Fernando Pires de Lima e contou tudo o que sabia. Um escândalo ! O Poder quis que o advogado se afastasse. Mas este assumiu a defesa da rapariga. (veja a colecção de vídeos clicando no link)
Joquim Pires de Lima, numa entrevista à revista Pública do Expresso:
“Tudo começou quando uma moça dos seus 16 anos me procurou, com a mãe e o namorado, porque estava a ser apertada na Polícia Judiciária para prestar declarações. Acerca das razões que a levavam a casa de uma senhora modista, que era tida como uma desencaminhadora de menores. E para identificar os indivíduos que estavam relacionados com essa senhora. Tinha receio de que a levassem presa. Isso levou-me a telefonar ao director da Judiciária, com quem tinha boa relação, bem como ao Antunes Varela. Provoquei um grande escândalo dizendo que, com a minha cliente, à PJ, is eu! Não conhecia o isntrutor do processo. Mais tarde detectei quem ele era; era um que estava ligado ao assassinato do Delgado, o agente Parente. Quando soube, denunciei-o. Obriguei a miúda a dizer os nomes de toda a gente. Ficou a saber-se que desde os nove anos andava a ser aproveitada por indivíduos como o conde Monte Real, o conde Caria, o conde da Covilhã, uma data de gente da alta sociedade. “O jornal ( Anabela Mota Ribeiro) pergunta-lhe então: “Com aproveitada, quer dizer abusada sexualmente?
Sim. Se tinham relações completas, isso não averiguei. A PJ o que queria era que ela não dissesse os nomes. “Quero que ela dite para os autos o que ela me disse a mim”. Quando se soube a idade das meninas envolvidas, percebeu-se que isto não era um processo de Ballet Rose á maneira do caso Profumo, cuja mais nova tinha 17 anos, mas um processo de corrupção de menores, com impúberas de nove anos. E miseráveis. Filhas de mulheres-a-dias. Eu queria que a PJ instaurasse um processo crime contra os corruptores de menores e retirasse o nome de Ballet Rose da história.
Foi isso que o Mários Soares e o Francisco Sousa Tavares não perceberam. O caso veio em jornais estrangeiros. “ O jornal italiano ABC publicou um artigo sobre o escândalo sexual com o título
" A caça à lolita no jardim do ministro" ."Sob o título "Caça à lolita no jardim do ministro", relata-se detalhadamente a participação entusiasmada de um membro do executivo, muito próximo de Salazar, em brincadeiras com raparigas de idade inferior a 14 anos, juntamente com outros indíviduos. Nos jardins da grande moradia que esse ministro tinha no Estoril, realizavam-se frequentemente aquilo que era descrito como "caçadas", durante as quais uma dezena de miúdas completamente despidas, com excepção dos sapatos e de uma cabeleira com uma fita colorida, eram soltas como se de uma reserva animal se tratasse. Uma vez em liberdade, os caçadores- "diversos aristocratas, o tal ministro e altos funcionários estatais" - seguiam-lhes no encalço, igualmente despojados de roupas e também com uma fita colorida. O "jogo" consistia na captura da rapariga que tivesse a fita com a mesma cor que o seu "caçador" e na consequente consumação do acto sexual. Noutras ocasiões, as menores dançavam nuas sob holofotes de luz rosa, prática conhecida como "Ballet Rose" e pela qual o caso ficou conhecido."
Do Jornal I:Como é que lhe chega às mãos o escândalo dos "Ballet Rose"?O meu escritório de advogados era na rua do Ouro, 87, 2.o andar. Entra-se por uma ourivesaria que se chama Salgado. Ainda existe. O escritório era do meu amigo Soromenho e do Pimentel Saraiva, dois advogados, muito mais velhos do que eu. Não era um escritório de advogados, como agora. Cada um pagava a sua parte da renda e cada um fazia a sua vida independente. Naquele tempo era assim. Comecei a fazer a minha vida e relacionei-me muito com aquela gente toda da Boa-Hora. Conhecia os escrivães, os advogados, os juízes, o Ministério Público, toda a gente. Sou expansivo, como sabe, não tinha dificuldade nenhuma em conhecer e confraternizar com as pessoas que, geralmente, se abrem comigo. Um belo dia estava na Boa-Hora e apareceu-me um escrivão que me disse: "Ó sr. Doutor, tenho uma coisa para lhe dizer. Há aqui um processo que é uma escandaleira contra estes malandros do regime! É este, aquele, aqueloutro." Fiquei a saber. Um dia ou dois depois, apareceu-me um jornalista do "Sunday Times" inglês, que eu não conhecia, mas veio ter ao meu escritório porque colegas portugueses lhe disseram que eu era da "Oposição". Era público e notório. Tinha criado uma rede enorme de jornalistas estrangeiros com quem convivia e que se tornaram meus amigos. Foi o que me valeu. No "Monde", no "New York Times", na Reuters, no Exchange Telegraph, na France Press... Transformou-se numa rede de amigos, jantávamos e convivíamos com frequência. Eu dei-lhes imensas notícias e eles bateram--se por mim. Quando fui advogado do Delgado, depois do seu assassinato, fui sozinho a Badajoz a guiar o meu carro, um pequeno Volkswagen. Vieram alguns, à distância, mas atrás de mim. E fizeram reportagens e deram notícias, senão eu tinha sido preso logo na fronteira. Foi uma cobertura que eu tive sempre, até ao fim do salazarismo. Eram jornalistas e eram seus amigos pessoais? Uma rede que se amplificou quando esteve exilado em Paris?Sim, eram jornalistas internacionais, correspondentes em Lisboa mas viajavam muito e tinham conhecimentos e apresentaram-me. Em Portugal, quase não tinham notícias - só propaganda - e a única pessoa que lhes dava notícias era eu! Os membros das embaixadas vinham falar comigo, ao meu escritório. Os americanos nunca vinham ao meu escritório, mas marcavam reuniões comigo no jardim do Campo Grande. A esse jornalista do "Sunday Times" nunca o tinha visto na minha vida. Disse-me que queria saber o que era isso do escândalo dos Ballet Rose, tinha vindo ter comigo porque eu era informado, ia muito ao tribunal da Boa-Hora. Disse-lhe que só tinha uns zunzuns, mas que podia apresentá-lo a um escrivão que poderia dar-lhe mais informação. Mas disse-lhe logo: "Ficamos combinados. Se você diz alguma coisa sobre o escrivão ele perde o emprego e vai parar à cadeia. Tenha cuidado, não cite nomes nem as suas fontes." Ele disse-me que era um jornalista responsável, que sabia muito bem como era. Nunca revelava as fontes. Foi assim, em confiança. No dia seguinte, disse-lhe para ir ter com o escrivão a um sítio, que lhe mostrei. E ele publicou tudo em Londres.
E o regime ia caindo...Não ia caindo, mas ficou um bocado abalado. No plano moral. Quando se soube, começou tudo a perguntar "de onde é que isto vem..." E como a PIDE tinha visto um jornalista estrangeiro a entrar no meu escritório, prenderam-me, acusando-me de ter dado a notícia. Eu respondi sempre que não. Nunca disse mais nada senão isso. Eles não tinham nada, nenhuma prova. Oito dias depois de eu estar preso, o jornalista escreveu uma matéria no "Sunday Times", a dizer que era uma pouca-vergonha, "a minha fonte não é esse senhor, isto é eu vi-o, mas ele não me disse nada, porque não sabia nada". Confirmou a minha tese e a PIDE ficou na dúvida e, pelo sim e pelo não, puseram-me na rua. Salazar não gostava de brincar com os ingleses...