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A-24

Cronologia dos principais atentados em Moscovo nos últimos anos

por A-24, em 31.03.10
O duplo atentado que aconteceu esta manhã no metropolitano de Moscovo matou pelo menos 36 pessoas – um número que poderá vir a ultrapassar um incidente semelhante que aconteceu em 2004 também no metro da cidade e em que se registaram 41 vítimas mortais.

11 de Junho de 1996 – Uma bomba explode no metro de Moscovo matando quatro pessoas e deixando 12 feridos.

11 e 12 de Julho de 1996 – Uma bomba explode em frente a um autocarro na estação central de Moscovo em plena hora de ponta deixando cinco pessoas feridas. No dia seguinte um ataque semelhante fez 30 feridos. Os atentados foram atribuídos aos rebeldes tchechenos que, dias depois, negaram qualquer envolvimento, mas alertaram que poderiam provocar actos descontrolados de rebelião no seu território.

31 de Agosto de 1999 – Uma bomba explode perto do Kremlin na estação de metropolitano da praça Manezh. A explosão fez 29 feridos. Fontes oficiais consideraram o atentado um acto terrorista mas não fizeram nenhuma ligação específica aos separatistas.

9 de Setembro de 1999 – Uma poderosa bomba destruiu um bloco de apartamentos no sudeste de Moscovo, matando 94 pessoas e ferindo mais de 200. O incidente foi considerado um ataque terrorista.

13 de Setembro de 1999 – Uma bomba destruiu um prédio de oito andares e matou 118 pessoas. Este atentado também foi considerado pelas autoridades como tendo a mão de terroristas e a segurança foi reforçada apesar dos rebeldes tchetchenos terem rejeitado, uma vez mais, qualquer envolvimento. Este ataque e o que ocorrera dias antes abriram a porta para a Segunda Guerra da Tchetchénia.

8 de Agosto de 2000 – Uma explosão numa passagem subterrânea da estação central de Moscovo matou 13 pessoas e deixou dezenas de feridos. O atentado ocorreu em hora de ponta.

5 de Fevereiro de 2001 – Uma pequena bomba explodiu numa das estações de metropolitano mais movimentadas de Moscovo em plena hora de ponta o que resultou em nove feridos.19 de Outubro de 2002 – Uma bomba explodiu numa zona do sudoeste de Moscovo, matando uma pessoa e ferindo sete.

5 de Julho de 2003 – Duas bombistas suicidas mataram 15 pessoas quando se fizeram explodir num festival de rock que decorria ao ar livre no recinto de Tuchino. Sessenta pessoas ficaram feridas.9 de Dezembro de 2003 – Uma explosão na estação central de metropolitano de Moscovo matou seis pessoas.

6 de Fevereiro de 2004 – Uma forte explosão, aparentemente desencadeada por um bombista suicida, destruiu em plena manhã uma composição do metropolitano da cidade. Morreram 41 pessoas e ficaram feridas perto de 250.

31 de Agosto de 2004 – Um bombista suicida fez-se explodir na estação central de Moscovo, matando dez pessoas e deixando mais de 50 feridas.

21 de Agosto de 2006 – Uma bomba matou dez pessoas num mercado suburbano de Moscovo.

A maior crise da Igreja Católica dos últimos 100 anos

por A-24, em 30.03.10
A Igreja Católica atravessa a mais profunda crise do último século. Para encontrar algo de dimensão semelhante, devemos recuar até ao início do século XX, com o anti-modernismo do Papa Pio X. Ou antes, a 1870 e ao Concílio Vaticano I, com o dogma da infalibilidade papal, o cisma dos velho-católicos e o fim dos Estados Pontifícios. Há uma diferença: esta crise atinge um catolicismo universal, ao contrário do de há um século, quando ainda era uma realidade pouco mais que europeia.
Há várias questões à volta deste tema que, de repente, coloca um Papa académico perante um dos mais graves problemas pastorais da Igreja. Será ele capaz de afrontar o problema com a coragem necessária?
Ratzinger é um teólogo notável no diálogo cultural, mesmo com filósofos não-crentes como Jürgen Habermas ou Paolo Flores d’Arcais (como se pode perceber em Existe Deus?, editado na Pedra Angular). Eleito para um pontificado de transição, cuja marca seria afirmar a importância do facto cristão no diálogo multicultural contemporâneo, Bento XVI tem o desafio de “limpar a Igreja” da sua sujidade, como ele próprio afirmou na Via-Sacra de Sexta-Feira Santa de 2005, poucos dias antes da morte de João Paulo II.


1. Esta crise, como diz o étimo da palavra, pode ser uma oportunidade de mudança. A começar pela relação entre catolicismo e sexualidade – que o teólogo Hans Küng definiu como uma “relação crispada”. Não para dizer que o celibato é a causa da pedofilia. O celibato como opção voluntária pode ser dedicação extraordinária a uma comunidade. Como disciplina obrigatória (com excepções nas Igrejas Católicas orientais ligadas a Roma e, agora, com os anglicanos que decidiram aderir ao catolicismo), poderá ser revisto.
É certo que a esmagadora maioria de casos de abusos acontece com pais e familiares próximos das crianças. Como escrevia o Papa na carta aos católicos irlandeses, a pedofilia não é um problema que se restringe aquele país nem à Igreja Católica. Bem pelo contrário. Mas encarar a questão da sexualidade significa afrontar, desde logo, a formação nos seminários, tantas vezes castradora de afectos. E que é uma das causas profundas da pedofilia entre membros do clero.
A Igreja tem, na sua base bíblica e evangélica, uma fonte harmónica e integral que séculos de moralismo esconderam. Ao contrário do que diz Saramago, a Bíblia não é um manual de maus costumes. Mas, ao contrário do que pensam e dizem muitos católicos, ela tão pouco é um manual de bons costumes. A Bíblia é sobretudo uma proposta de relação – do ser humano com Deus e entre os seres humanos como imagem de Deus.
Aqui reside uma primeira dificuldade no exercício que a Igreja terá de fazer: muitos responsáveis católicos insistem numa abordagem dualista, legalista e pecaminosa (numa perspectiva greco-romana) da sexualidade. E que tem sido geradora de hipocrisias.

2. A crispada relação com a sexualidade reflecte-se também no modo como a doutrina católica olha a contracepção – e o preservativo, nomeadamente. Há quatro décadas, a encíclica Humanae Vitae interditou os métodos “artificiais” de planeamento familiar, apenas porque alguns cardeais da Cúria Romana não aceitavam a mudança doutrinal proposta por uma vasta comissão de médicos, teólogos e casais.
Se o Papa Paulo VI (que encarava a possibilidade de mudar a posição oficial) não tivesse cedido à pressão da Cúria, o preservativo não seria hoje um tabu doutrinal (mesmo se distribuído aos milhares por freiras e padres comprometidos na luta contra a sida, por exemplo). E o catolicismo das últimas décadas teria sido bem diferente.
Esta relação difícil do catolicismo oficial com a sexualidade tem manifestações visíveis como os abusos sexuais cometidos por padres sobre religiosas, em África, conhecidos há uma década; ou o padre mexicano Marcial Maciel, fundador dos Legionários de Cristo, de quem se sabe que teve filhos de várias mulheres às quais ocultava a sua identidade, foi pedófilo, incestuoso e toxicodependente.
A instituição por ele fundada é exemplo dos grupos católicos que hoje, na Igreja, insistem na perspectiva moralista e para os quais a vida só importa quando se fala de aborto, preservativo ou homossexualidade.
Não é de estranhar que mais se condene quem mais moralismo apregoa e acaba por ter tantos pecados (ou crimes) no seu interior. Com uma agravante: as pessoas que confiavam os seus filhos a responsáveis da Igreja eram, em grande parte, membros da própria comunidade cristã. Para elas, o sentimento de terem sido traídas por aqueles em quem confiavam é esmagador.

3. A acusação de encobrimento atinge agora o próprio Papa. Na carta que escreveu aos irlandeses, há oito dias, Bento XVI acusa vários bispos de terem falhado “por vezes gravemente”. Seria estranho que o Papa tivesse escrito o que escreveu, se tivesse telhados de vidro. De outra forma, estaria agora sob escrutínio e sem autoridade perante os seus “irmãos bispos”.
Pode haver aqui duas coisas diferentes. Como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), Joseph Ratzinger conhecia, obviamente, vários casos. Mas pode ser forçado dizer que os encobriu. O mais emblemático, noticiado pelo “New York Times” esta semana, revela que nem os poderes públicos agiram sobre o padre que abusou de 200 crianças – tal como aconteceu na Irlanda. E que Ratzinger só conheceu duas décadas depois dos factos.
O célebre documento de 1962 (que Ratzinger, então um padre com 35 anos, não escreveu, ao contrário do que muita ignorância afirma por aí), que defendia o secretismo, foi depois substituído em 2001, não para prosseguir a mesma orientação, mas para dar um passo em frente: o de obrigar os bispos a comunicar os casos de pedofilia ao Vaticano. Só nessa ocasião Ratzinger e a CDF passam a tomar conta destes casos, quando a questão já era um escândalo nos Estados Unidos (dois anos depois, João Paulo II chamaria vários bispos dos EUA para enfrentar a crise, pela primeira vez, de forma dramática). Só o total esclarecimento do papel do Papa em cada caso poderá aclarar de vez a sua quota-parte de responsabilidade – isso mesmo já foi pedido há dias pelo “National Catholic Repórter”.

4. O encobrimento e a tolerância social da pedofilia era a atitude normal até há três ou quatro décadas – o caso Polanski reapareceu a recordá-lo.
Durante séculos, a Igreja Católica entendeu-se como sociedade perfeita, sem necessidade de instâncias civis: tinha os seus tribunais, as suas penas, chegou a ter as suas prisões.
Também sabemos que a comunicação social é mais severa com a Igreja Católica do que com outros. E desproporcional: dá-se sempre mais dimensão aos escândalos do que aos caminhos de solução ou aos resultados, omite-se que o fenómeno atinge uma pequeníssima minoria do clero (embora bastasse um caso para que fosse grave). Sabe-se que os números aparecidos na Alemanha nas últimas semanas são resultado do trabalho iniciado pela Conferência Episcopal quando surgiram os casos nos Estados Unidos – mas isto também quase não é dito.
Mas desde 1990 há uma avalanche de casos. O que se passou na Irlanda, que durou até há poucos anos, mostra que não se atalhou o problema logo que ele começou. Em 1993, os bispos do Canadá publicaram um extenso documento com uma reflexão profunda sobre o tema e propostas de solução – que tiveram sucesso. O caminho deveria ter sido seguido em outros países.
Por isso não se entende a lamentável e infeliz declaração do cardeal Saraiva Martins: a Igreja é pela “tolerância zero”, mas não lava a “roupa suja” em público. Há mais de 60 anos, o Papa Pio XII dizia que a opinião pública é “vital” para a Igreja. Entenda-se, portanto, que a lavagem de “roupa suja” em público mais não é que uma desafortunada expressão para referir o debate interno, que está na matriz genética do cristianismo. E foi pela falta de tolerância zero que se chegou aqui.

5. A mês e meio da viagem de Bento XVI a Portugal, percebe-se que a crise continuará a revelar mais casos. Como em todas as histórias, percebe-se que também há interessados em atingir a credibilidade da Igreja. Mas esta tem que ser a primeira a reflectir o porquê dessa aversão e a procurar razões no seu interior – uma atitude própria desta Semana Santa que os cristãos hoje começam a viver. O cerco à volta de Ratzinger também continuará. Será, por isso, um Papa ferido aquele que virá a Portugal. Talvez rodeado por grupos interessados prioritariamente em defender a instituição dos “ataques” – já correm textos nesse sentido na Internet, em blogues, em mails…
Convém não esquecer que foi a preocupação pela defesa da honra da instituição que levou ao actual estado de coisas. Só uma atitude purificadora e aberta à mudança permitirá à Igreja recuperar a credibilidade perdida nesta crise. Os cristãos chamam a esse acontecimento ressurreição. E celebram-na no próximo domingo.

As contradições das "viúvas negras" da Tchetchénia

por A-24, em 30.03.10
As bombistas suicidas tchetchenas inspiram fascínio e horror desde que em 2002 apareceram em grande destaque no certo ao teatro Dubrovka, em Moscovo.
O regime da Rússia apresenta as mulheres bombistas como um produto da islamização do conflito e as organizações regionais de direitos humanos descrevem-nas como fruto da brutalidade das forças russas na pequena república.
Há quem sublinhe que na maioria dos casos há uma componente pessoal de vingança – muitas vezes pela morte do marido, daí o nome pelo qual são popularmente conhecidas, as “viúvas negras”, mas a razão pode ser também o terem sido espancadas ou violadas pelos soldados russos que agem com cada vez mais brutalidade na região. A tudo isto pode juntar-se uma vida miserável num território minado pela guerra, pela violência e pela pobreza e poucas perspectivas de melhoria.
O especialista em Cáucaso do Norte Alexandre Tcherkassov, da organização não governamental Memorial, diz à AFP que “na maior parte das vezes é o desejo de vingança que as leva a sacrificar-se”.
Mas há também quem aponte casos de bombistas muito novas, solteiras, que podem ter sido coagidas pelos seus compatriotas através de violação (esta traz desonra à mulher ou à família, e a mulher não poderá casar ou ter filhos) ou do uso de drogas. As bombistas podem ainda ser vendidas pela família à insurreição, ou levadas através de outras pressões, violência ou chantagem a cometer estes actos.
Os atentados suicidas levados a cabo por mulheres tchetchenas começaram depois da entrada das tropas russas no território no final de 1999: entre as primeiras bombistas suicidas estão Hawa Baraieva, que em Junho de 2000 matou 27 soldados russos num atentado suicida – a bombista pertence ao clã Baraiev, conhecidos líderes da guerrilha tchetchena –, ou Aisan Sasuieva, de apenas 18 anos que, uns meses mais tarde, se fez explodir junto do comandante russo a quem perguntava repetidamente por notícias do marido e do irmão.

O cerco ao Teatro Dubrovka
O fenómeno começou a ganhar mais atenção mediática com o cerco do teatro Dubrovka em 2002 – entre o grupo de 41 rebeldes havia 18 mulheres, e cinco delas deixaram mensagens gravadas explicando por que levaram a cabo o ataque (todos morreram junto com 119 reféns quando forças especiais russas terminaram o cerco que durou 57 horas).
Apareceram em vídeos difundidos pela Al-Jazira, de vestidos negros e lenço islâmicos, algumas mostrando apenas os olhos delineados com kohl escuro, com os seus cintos de explosivos, explicando as razões do ataque. Após o fim do cerco, as imagens mostravam-nas, com as mesmas vestes negras e explosivos à cintura, mortas nas cadeiras do teatro.

A história das mulheres do cerco do teatro Dubrovka parece ter tantas contradições como a das "viúvas negras" em geral: há descrições de vítimas dizendo que eram elas as mais cruéis (“pareciam guardas prisionais”, disse uma sobrevivente, citada pela da estação de televisão norte-americana ABC), outras sublinhando que eram elas as mais caridosas (“pareciam freiras”, disse outro sobrevivente, citado na revista britânica "New Statesman").

Uma mulher suicida seria algo duplamente estranho na sociedade tchetchena. O conservadorismo ditaria que ela é sobretudo cuidadora - embora as mulheres tchetchenas não existissem apenas no domínio do lar: estudavam e tinham carreiras profissionais, sobretudo antes da guerra. E o suicídio é proibido pelo islão (a na Tchetchénia a maioria dos muçulmanos são sufis, vistos aliás como hereges pelas correntes mais fundamentalistas).
Ainda assim, há relatos de mulheres guerreiras pelo menos desde 1870, diz um artigo da GlobalSecurity.org, e durante a primeira guerra de 1994 a 1996 algumas mulheres pegaram em armas contra a Rússia, incluindo por exemplo como snipers, lembra o diário britânico "The Times".

Depois do cerco do teatro, as "viúvas negras" participaram em vários ataques menos mediáticos, ou noutros mais espectaculares como os que atingiram dois aviões em 2003 (90 mortos), ou o atentado de ontem no metro de Moscovo.

Sobre a pesca do bacalhau na Noruega

por A-24, em 30.03.10
Quem ia pescar bacalhau sofria e chorava, mas só para dentro, que chorar para fora era feio Por Jorge Marmelo
Após 11 anos de proibição, os arrastões portugueses vão poder voltar a pescar bacalhau na Terra Nova, o lugar mítico onde nasceu uma das mais arreigadas tradições gastronómicas nacionais. Enquanto o peixe não chega, fomos ouvir as histórias de quem já por lá andou a pescar e sofrer
Quando, em 1943, fez a primeira campanha do bacalhau na Terra Nova, João Laruncho de São Marcos, o capitão São Marcos, com 90 anos feitos no mês passado, liderava um comboio de embarcações no qual seguiam vários lugres navegando à vela e dois barcos a motor, o São Ruy e o Santa Maria Madalena. Era segundo piloto numa embarcação com 125 homens, o São Ruy, e sentiu-se "chocado" por, em pleno século XX, se andar "ainda a pescar daquela maneira, sem nenhuma evolução".
"Os pescadores dormiam três horas e passavam 20 no mar, ao frio. Primeiro as mãos calejavam e depois gretavam e ganhavam pus por todos os lados. Mas tinham de continuar a trabalhar. Aquilo nem era considerado doença, era trabalho. Lavavam as mãos com água oxigenada e continuavam", conta.
O capitão São Marcos já tinha andado no Mediterrâneo, onde viu de perto a metralha do mundo em guerra, mas, nas paragens geladas do mar canadiano, reinava uma paz relativa. "Em Génova passei um mau bocado, mas na Terra Nova nunca houve confusão, apareciam era muitos destroços de navios afundados", recorda. Dentro dos homens, porém, a batalha naval estava apenas a começar. Esperava-os a dureza das condições de pesca, os frequentes ciclones, as tempestades que "custavam a gramar". "Mas nunca pedi nada a deus. Não acredito. Habituei-me, isso sim, a chorar só para dentro. Os homens choravam com o sofrimento, mas só para dentro, que chorar para fora era feio."


João Laruncho de São Marcos só fez duas viagens nas embarcações tradicionais da pesca do bacalhau e, depois, passou para os arrastões que começavam a tomar conta da frota portuguesa e que alteraram radicalmente as condições da pesca do bacalhau, tornando as "companhas" mais rápidas e um pouco menos duras, já não muito diferentes daquelas que experimentarão aqueles que agora, em 2010, regressarão à Terra Nova e aos míticos campos de gelo onde se forjaram uma das mais arreigadas tradições gastronómicas nacionais e também uma das mais notáveis gestas marítimas deste país de marinheiros.
Aos 49 anos, porém, o capitão São Marcos abandonou o mar e dedicou-se à pesca a partir da terra, planeando e negociando. "Nunca mais entrei a bordo de um navio e não tenho saudades. Quem tem saudades de coisas más é louco ou masoquista", sentencia. "A aventura em terra é muito mais fértil do que no mar. No mar não há nada, é tudo plano e deserto."
Não há, pois, nenhuma nostalgia nas palavras do capitão São Marcos. Pedimos-lhe que nos conte histórias. As mãos tremem-lhe, da idade, traindo a firmeza e juventude que mantém no olhar. "Histórias... A vida é uma história pegada. Quando se tem muitos episódios desses, quando as histórias são contínuas, esquecem-se. Só recordamos quando são acidentais", desculpa-se. "Leia o meu livro", diz a cada passo. "Mas não são histórias do mar, são histórias de uma relação com o mar", conclui. "Leia."
Abrimos, pois, Memórias de Um Pescador ao acaso. Da primeira viagem no São Ruy conta, por exemplo, como informou um pescador da mensagem recebida, via rádio, da mulher e da filha, dizendo "estarem todos bem e saudosos", ao que o homem reagiu baixando a cabeça e dizendo: "Essas putas, mãe e filha, andam por lá a pôr-me os cornos e eu por aqui a parti-los contra os vaus e as tábuas da pana." "E foi assim que a minha alma e espírito se endureceram, já que o muito trabalho e a falta de dormir fizeram o mesmo ao físico", conclui.


O cheiro do sangue
Vitorino Paulo Ramalheira é ilhavense como São Marcos e como a maioria dos capitães da pesca do bacalhau. A Avenida Mário Sacramento, em Ílhavo, ainda é conhecida como "a avenida dos capitães", embora actualmente só lá more João São Marcos, uma espécie de patriarca dos velhos lobos do mar do Norte. "Os outros já morreram todos", diz. Os pescadores eram sobretudo poveiros, das Caxinas, ou nazarenos. "O Vitorino, para mim, foi sempre um menino", diz o capitão São Marcos. Um menino com 80 anos de idade e que chega ao Museu Marítimo de Ílhavo com um sobretudo e um boné que faz lembrar o do capitão Haddock das aventuras de Tintim, mas com o mesmo olhar vivo de São Marcos.
Vitorino Paulo Ramalheira, o capitão Vitorino, também não tem saudades do mar. "Agora só se fosse para ir ver e comer aqueles petiscos", diz. Mas dificilmente podia ser mais diferente do capitão São Marcos. Recorda os "momentos muito amargos", passados "com o coração nas mãos", os naufrágios, os contratempos e as emoções, a "vida áspera e cheia de perigos", mas também os "momentos muito agradáveis" vividos nas campanhas às águas geladas da mítica ilha canadiana.
O capitão Vitorino foi pela primeira vez à Terra Nova em 1951, como terceiro piloto do Gil Eanes, o navio-hospital que apoiava a frota bacalhoeira portuguesa. Para além da assistência médica propriamente dita, o antigo navio alemão - nacionalizado no fim da Primeira Guerra Mundial e que hoje está em Viana do Castelo, transformado em museu flutuante -, levava mantimentos, combustível, sal e água doce para abastecer a frota. "Saía daqui um mês depois e levava encomendas para os barcos, batatas e isco congelado, e também dava assistência religiosa. Tinha um capelão a bordo para dizer a missa e dar apoio moral aos doentes", recorda.
Filho de pescadores, Vitorino Ramalheira foi aconselhado pelo pai a manter-se afastado da pesca do bacalhau. "Nunca gostei de pescar, mas sim de andar à procura de peixe", diz, depois de contar a estranha atracção que a pesca do bacalhau exerceu sobre ele: "Um dia, no Gil Eanes, desci a bordo de um barco onde estavam a fazer a escala do peixe. O cheiro a sangue era indescritível. Aquilo entusiasmou-me."
Em 1952 embarcou como piloto no Elisabeth porque queria casar-se e se ganhava mais no bacalhau - "E nunca mais saí." Comandou depois várias escunas, com as suas quatro velas, muito elegantes, "como gaivotas". Em 1960 tornou-se capitão do Aviz e, cinco anos depois, viu-o arder como uma tocha nos mares da Terra Nova. "Havia muitas gambiarras para se poder pescar à noite e, sendo um barco de madeira, impregnado de óleos, pouco mais havia a fazer do que deixar arder. Felizmente era Setembro, não estava muito frio, o tempo estava bom, e não se perdeu ninguém", conta.
Não havia, nesses barcos, instrumentos que ajudassem a encontrar os cardumes de bacalhau e o sucesso da campanha dependia quase exclusivamente da intuição do comandante, da sorte e de alguma estratégia. O capitão Vitorino reunia todas e demonstrou-o logo na primeira viagem: "Os barcos à nossa volta estavam a fazer 30 ou 40 quintais [1800 ou 2400 quilos], eu fiz logo 180, o que é uma pesca magnífica. Disse, no rádio, que tinha feito 120, mas um tio meu que lá andava repreendeu-me e disse-me que, assim, os outros barcos iam todos pôr-se à minha volta."


Noutra ocasião, decidiu ir mais cedo ao porto de North Sydney abastecer-se da cavala que servia de isco. Seguiu logo para a Gronelândia e já tinha pescado à farta quando os outros barcos lá chegaram. "Era uma luta terrível. A competição entre os barcos eram acérrima", conta. "Quando não encontrávamos peixe, os pescadores até nos chamavam nomes."
Amarrados ao leme
O capitão Vitorino é um excelente contador de histórias. Era possível ficar a ouvi-lo um dia inteiro a contar como se amarravam ao leme nos dias de tempestade, como só no fim dos momentos "mais aflitivos" se pensava no que acabara de acontecer e sobre o "muro de temperatura" que enfrentavam quando passavam a divisória das correntes marítimas na orla dos grandes bancos. "De repente, a temperatura baixa dos 20 para os 5 graus e formam-se grandes nevoeiros. Para os pescadores, o nevoeiro era terrível e o capitão ficava preocupado. Não se via nada."
Nesses barcos tradicionais, o capitão escolhia o sítio onde se ia pescar e, pelas 5h30, eram lançados ao mar barcos mais pequenos, os dóris, os quais se afastavam um pouco, até três milhas de distância, e a partir dos quais os pescadores lançavam 20 linhas com 50 braças de comprimento. Em cada braça (1850 metros) de linha havia um anzol com isco. Os bacalhaus vinham, mordiam e iam ficando presos. Quando a faina corria de feição, era preciso puxar 50 bacalhaus de cada vez. "Era difícil e exaustivo. Era preciso uma força fantástica."
A única ajuda que tinham era a dos "comunistas", o redfish, que se enche de ar quando vem à tona e fica a boiar, tornando as linhas um pouco mais leves. Nessa altura, conta o capitão Vitorino, os pescadores deitavam fora o redfish. Mais tarde haviam de voltar à Terra Nova apenas para pescar esta espécie alternativa.
Com o nevoeiro, o trabalho da pesca fazia-se sem ver nada à volta, apenas com o auxílio de uma agulha de marear, que indicava a direcção do navio-mãe, mas que não contabilizava o vento e as correntes. Os mais novos, "os verdes", tinham de ir na companhia dos "maduros", uma vez que, recolhidos os aparelhos, os pescadores tinham de achar o caminho de regresso às cegas. Alguns não voltavam.
"Era um método obsoleto, mas que tinha virtudes. Não para os pescadores, que tinham uma vida muito dura, mas para os peixes. Aquele método não prejudicava os fundos e o isco escolhia o peixe. Os maiores chegavam primeiro ao isco e os mais pequenos ficavam para poderem crescer e serem pescados depois." Mais tarde, com os arrastões, o bacalhau foi desaparecendo dos bancos, o que motivou a proibição de pescar naquelas águas, só agora levantada, ao fim de mais de dez anos.
Com o método tradicional, não faltava peixe na Terra Nova. O capitão Vitorino conta que, no Creoula, o pai chegou a ver entrar 640 quintais de bacalhau num dia. Cada quintal são 60 quilos. É fazer as contas.
E havia ainda, claro, os icebergues e os campos de gelo que, num navio de madeira, "corta como facas". Certa vez, a sul do cabo Farewell, a bordo do Condestável, o vento puxava para um lado, a água para o outro. Havia ondas altas e, a todo o momento, podia aparecer um bloco de gelo soprado pelo vento. "Foram horas bastante amargas", mas o capitão Vitorino nunca colidiu nas 19 "companhas" que fez. "Nunca me arrependi. Depois das campanhas ficava-se cinco meses em casa e acabava-se por esquecer os bocados maus", garante.
A tempestade perfeita
José Pequeno, 53 anos, fez a primeira viagem para a Terra Nova em 1979, com 23 anos, numa altura em que o bacalhau começava a escassear e a mão-de-obra também. Até ao fim da Guerra Colonial, eram ainda muitos os que aproveitavam a legislação que permitia escapar à luta em África, substituindo o calor das savanas pelo frio da Terra Nova. Em 1979, porém, já não havia colónias para defender ou evitar. Substituíam-se os barcos de arrasto lateral pelos de arrasto de popa. "A pesca à linha estava a desaparecer", confirma Pequeno. Os barcos de madeira também. E o bacalhau que chegava à mesa dos portugueses vinha cada vez mais dos mares da Noruega.
A frota começava a ser reconvertida para outras espécies, o redfish e a palmeta, passando a congelar-se o peixe, em vez de o salgar. O baptismo do capitão Pequeno nos mares gelados do Canadá foi, de resto, para pescar redfish. A campanha durou dois meses. Nada a ver com a pesca de antigamente, pois. Mas foi, ainda assim, "muito marcante", assegura.
A viagem no Nossa Senhora da Vitória estava a parecer fácil, mas o regresso foi atribulado. Perto dos Açores, José Pequeno percebeu, enfim, o que era o mau tempo no mar. "O navio fez de submarino, esteve debaixo de água por causa do peso." E a tripulação, de nazarenos e poveiros, rendeu-se à fé. "Vi homens de barba rija ajoelhados a rezar", conta.
Em 1982, o capitão deixou o Santa Joana a arder na Terra Nova, perto do cabo Flemish, depois de um incêndio ter atingido a casa das máquinas. "Estivemos quatro horas nas balsas, à espera que chegasse ajuda. Dois moços estavam quase em hipotermia quando chegaram o Santa Cristina e o Senhora dos Mareantes. Estava 1 ou 2 graus, mas, com o vento, aquilo torna-se agreste."
Também em 1982, o capitão José Pequeno esteve perto do olho da tempestade perfeita que inspirou o filme The Perfect Storm, com George Clooney, Mark Wahlberg e Diane Lane. "Fomos para sul, para fugir, mas ainda apanhámos uma pequena amostra."
Noutra ocasião, o Nossa Senhora da Vitória esteve uma semana sob mau tempo, uma vaga partiu os vidros todos e arrancou uma balsa, e o barco, sem força para resistir, foi arrastado pelas correntes quase até aos EUA. "Demorámos oito dias para regressar ao pesqueiro e, pelo caminho, encontrámos a balsa que tínhamos perdido", conta José Pequeno.
Entre avarias, balizas partidas, lemes e hélices danificados, temperaturas que perto do Labrador chegam aos 25 graus negativos e movimentos furtivos do gelo, o capitão garante que o mar "também tem coisas boas" e que é "entusiasmante", apesar do Natal sempre passado fora de casa, porque é preciso chegar à Terra Nova no dia 1 de Janeiro, quando começam algumas quotas de pesca. "Fazemos como se estivéssemos em família. Pára tudo às seis da tarde, até às seis da manhã do dia 25." Vão pescar bacalhau e comem bacalhau. "Somos portugueses acima de tudo. Comemos bacalhau pelo menos uma vez por semana quando estamos a bordo. Com grão, é sagrado", sorri.
Aos 53 anos, o capitão José Pequeno conta andar mais dois anos no mar. "Não auguro grande futuro para isto", diz, sublinhando as dificuldades da pesca nos mares da Terra Nova. "Há alturas em que nem se consegue abrir os olhos com o frio. Os redeiros, quando é preciso reparar as redes, só conseguem estar lá fora cinco ou dez minutos e têm de fugir para dentro. Quando se leva um pato, com uma vaga, é preciso ir logo mudar de roupa, senão aquilo congela tudo. Noutras ocasiões, as redes ficam congeladas e, para recolhê-las, é preciso ir lá com a mangueira do vapor."
Depois, diz, "também há histórias muito bonitas, em terra". "Mas essas não se podem contar. Talvez um dia, nas minhas memórias."
Uma mulher a bordo
História curiosa é aquela que conta Manuel Gonçalves Afonso, o chefe Afonso, que passou 23 anos no porão do Santo André, o arrastão que a Câmara de Ílhavo transformou em barco-museu e que o capitão São Marcos chegou a comandar. No início dos anos 80, recorda, o navio teve um piloto do sexo feminino, uma rapariga de Oeiras, destemida, que entrava nas lanchas e trabalhava juntamente com os pescadores da Terra Nova. "O comportamento dos homens era completamente diferente, não se ouvia uma asneira. Aquilo era uma santidade", recorda.
Um dia, porém, a regra teve a sua excepção. A tripulação desembarcou em Saint Jones, onde o Santo André fora reabastecer, e "um daqueles indivíduos para quem é sempre tudo muito fácil armou-se em engraçadinho". "Mas ela não deu hipóteses. Sabia fazer-se respeitar."
O chefe Afonso era responsável pelas máquinas do barco e conta como, às vezes, os pescadores iam para o porão aquecer-se um pouco. "Se lá fora estavam 30 graus negativos, cá dentro estavam 7 ou 8."
Encontrámo-lo no Santo André, onde o chefe Afonso está evidentemente em casa. Debita continuamente dados sobre o arrastão lateral. O nome dos motores, um Werkspoor holandês de 1700 cavalos, sobrealimentado, 265 rotações e passo variável, e um Lister Blackstone para o guincho das redes ("não há melhor do que isto"), as 400 toneladas de combustível com que o barco seguia para a Terra Nova, consumindo seis mil litros por dia, as 200 toneladas da aguada, as 600 toneladas de bacalhau que podiam ser transportadas no porão de salga... "Este é que era bacalhau bom, amanhado, salgado e prensadinho", comenta. "Agora o bacalhau é todo congelado e só é salgado quando chega a terra", lamenta.
A primeira viagem de Manuel Afonso para a Terra Nova foi em 1958. Tinha um trabalho diferente dos restantes: oito horas de serviço na casa das máquinas, excepto quando havia uma avaria e era preciso desmontar tudo e reparar. "Trabalha-se até acabar, 30 e tal horas seguidas sem comer", conta.
Nas águas frias onde o bacalhau habita, as condições são difíceis também para quem tem de tratar das máquinas. O gelo "enfarinhado" tapa os ralos de aspiração de água para a refrigeração dos motores e, por isso, "não havia mãos a medir". "Tínhamos de desentupir tudo de dez em dez minutos."
Os cabos das antenas congelavam e caíam. As placas de gelo sacrificavam as hélices e provocavam fugas de óleo. A água doce congelava nos reservatórios e era preciso racioná-la. "Só se podia tomar um banho por semana." Nos momentos piores, era preciso colocar bojões nas torneiras, para que não pudessem abrir-se. "Depois vieram os vaporizadores que dessalinizam a água do mar e mudou tudo", conta.
Lá fora, às vezes, levantavam-se grandes tempestades com ventos gelados de 200 quilómetros por hora e vagas que entravam no barco e encharcavam também a casa das máquinas. "Andava tudo aos trambolhões."
Entre 1965 e 1990, o chefe Afonso assistiu "quase todos os dias" a histórias que talvez valesse a pena contar - se fosse capaz de recordá-las. Mas lembra-se, isso sim, que as condições de trabalho na Terra Nova eram extremamente difíceis, ao ponto de alguém que saísse para a ponte ficar com as barbas congeladas. "Era tudo gelo, mas é no gelo que está o bacalhau. Muita gente come o bacalhau e não sabe o sacrifício que é pescá-lo", remata. "Agora há quem lá vá só para comprar [aos armazéns] e trazer, sem pescar nada."
Pùblico

Ayrton Senna: eterno campeão faria hoje 50 anos (vídeo)Recorde alguns momentos da carreira do ídolo brasileiro

por A-24, em 21.03.10
O herói partiu, fica a lembrança. 21 de Março é data fulcral nos seguidores de Ayrton Senna. Nascido neste dia do ano de 1960, o antigo piloto de fórmula 1 faria hoje 50 anos. O trágico acidente de Ímola roubou o herói de um povo.
Curiosamente, Senna era a imagem do anti-herói. Quando se sagrou tri-campeão do mundo declarou que «não se sentia importante a ponto de merecer uma festa». Todos lhe gabavam a humildade e o tom discreto e moderado nas acções. A nobreza dos gestos ficou estampada para sempre.
No dia do acidente de Ímola, por exemplo, foi encontrada no carro uma bandeira da Áustria. O piloto austríaco Roland Ratzemberger tinha perdido a vida num acidente semelhante no dia anterior e Senna preparava-se para lhe dedicar uma eventual vitória. Um problema na direcção do seu Williams negou-lhe a oportunidade.
Aos 34 anos, partia um campeão. Mas o rasto deixado em bem legível. Só doze anos após a sua morte, Michael Schumacher conseguiu bater o recorde de «pole positions», que Senna tinha fixado em 65. Ainda hoje é o piloto com mais triunfos no Grande Prémio do Mónaco: seis, sendo cindo deles consecutivos.
O acidente que abalou o mundo desportivo foi há dezasseis anos. As recordações permanecem até hoje. E neste dia, mais que lembrar o momento que levou o herói, é importante recordar a vida do mesmo. Parabéns campeão!

O lado negro da Champions

por A-24, em 21.03.10
O lado negro da Champions: AIK e Parma aprenderam a liçãoReportagem-Maisfutebol: clubes pequenos sucumbem à aposta europeia.
Dos nórdicos se diz, com mais ou menos rigor, serem pessoas frias. Racionais, cidadãos conscientes, organizados. Quem os visita sai com essa impressão, de facto, embora também no norte da Europa haja lugar a excepções. O exemplo do AIK Solna (Estocolmo) é interessante. Anos a fio disputou com sucesso o domínio do futebol sueco com o Gotemburgo e o Malmo. Venceu dez campeonatos, encheu o mítico Rasunda Stadium jogo após jogo e foi premiado com a presença na Liga dos Campeões em 1999/2000. Arsenal, Barcelona e Fiorentina revelaram-se adversários intransponíveis (um empate e cinco derrotas), o sonho durou poucos meses e causou mossa. O ambiente inigualável das noites da Champions tornaram-se uma obsessão. 

O AIK quis voltar a provar o sabor do futebol de topo e deitou tudo a perder. «Investimos demasiado», admite ao Maisfutebol o director-desportivo do AIK, Johannes Wiklund. «Perdemos o rumo durante duas épocas, apenas duas. O clube contraiu empréstimos com juros altíssimos e desequilibrou as suas finanças. Perdemos muitos jogadores e em 2004 aconteceu o impensável.» O poderoso AIK desceu de divisão. Um dos três maiores clubes da Suécia. Impensável. Falência do patrocinador apressa a queda do Parma Em Itália há uma história diferente, embora possua traços em comum. 

O Parma é um fenómeno recente. Subiu pela primeira vez à Serie A suportado no investimento ufano da Parmalat. Às custas do segundo lugar obtido em 1996/97 chegou à Liga dos Campeões. Procurou mais, quis chegar onde não podia e desabou. Os sintomas de crise agudizaram a partir de 2000. Em 2003 a empresa Parmalat abriu falência e fechou as portas. O Parma perdeu o principal patrocinador e o estatuto trabalhado ao longo de uma década. «Foi uma fase negra. Vendemos todos os grandes jogadores que tínhamos. Buffon, Cannavaro, Thuram, Sérgio Conceição e muitos outros. Com esse lucro conseguimos sobreviver», detalha Alessio Paini, director-geral do clube. O clube agoniza, entra em convulsão e chega a ser vendido em hasta pública no ano de 2006. Desportivamente, os danos são irreversíveis. O Parma volta à Serie B, 18 anos depois. «Ainda assim tivemos sorte. Só estivemos um ano na Serie B. Subimos logo depois à primeira divisão e nesta altura somos um clube equilibrado. Mas, claro, é impossível pensar em algo mais do que a manutenção.» O Parma AC ocupa o 12º lugar e tem a manutenção praticamente assegurada. A lição do passado foi entendida por todos no Estádio Ennio Tardini. A ilusão servida em doses maciças Para final de conversa, perguntámos objectivamente: a Liga dos Campeões foi um passo demasiado grande? As respostas coincidem, apesar dos contextos antagónicos dos clubes. «Criou-nos a ilusão de que poderíamos ombrear com os maiores da Europa», assume Alessio Paini, do Parma. «A direcção não quis fazer má-figura na Champions. Por isso maquilhou a limitação do clube com a compra de demasiados jogadores.» Ao contrário de muitos outros, AIK Solna e Parma parecem ter aprendido com os erros. Chegaram ao topo, caíram desamparados e levantaram-se apoiados no realismo.
Mais Futebol

O Cardeal e o Estado Novo: um casamento difícil

por A-24, em 18.03.10
Quando Irene Pimentel começou a estudar a vida do Cardeal Cerejeira tinha dele uma ideia pré-concebida: uma alma gémea de Salazar e a outra face de uma moeda em que Estado Novo e Igreja Católica formavam um todo. Mas descobriu um homem mais complexo, mais dividido. E que teve uma relação muitas vezes tensa com o seu amigo de Coimbra.
No 12º aniversário do 28 de Maio, em 1938, Carneiro Pacheco, o ministro da Educação Nacional de Salazar, organizou em Lisboa um desfile da recém-criada Mocidade Portuguesa. Como mandavam as regras, enviou um convite ao Cardeal Patriarca de então, Manuel Gonçalves Cerejeira. Dificilmente a carta que recebeu na volta do correio podia ser mais violenta.
O chefe da Igreja de Lisboa, e figura maior da Igreja portuguesa, não só lhe comunicou que não estaria presente, como o verberou por ter convidado para a cerimónia uma delegação da Juventude Hitleriana. Isso, escreveu Cerejeira, era "não só ofensivo e perigoso para a consciência católica portuguesa, mas também pouco digno da altivez nacional, sabido o inferior conceito que os alemães têm de nós, filhos (segundo eles) duma raça inferior e negróide".
Em 1938, numa altura em que o regime vivia uma fase dourada e, aqui ao lado, em Espanha, os alemães ainda combatiam ao lado das tropas de Franco contra a República, poucos portugueses teriam condições e coragem para escrever uma carta daquelas, e nenhum outro o poderia fazer sem correr o risco de ser preso. Mas Cerejeira era uma excepção. Não era apenas o "príncipe da Igreja portuguesa", era também o velho companheiro de Salazar, o amigo que conhecera em Coimbra no já longínquo ano de 1911, ambos atraídos pela militância católica.

Primeiro como estudantes, depois como professores, ambos vivendo, a partir de 1914, no Convento dos Grilos, Salazar e Cerejeira eram mais do que amigos e cúmplices: um no Estado, outro da Igreja, haviam conseguido tornar-se nas suas figuras dominantes. O que estava a acontecer em 1938, nove anos depois de Cerejeira se ter tornado Cardeal Patriarca e seis após Salazar se ter tornado, por fim, presidente do Conselho de Ministros, entre aqueles dois homens que tudo parecia unir?
"O choque entre Cerejeira e Carneiro Pacheco a propósito da criação da Mocidade Portuguesa correspondeu à maior crise que o Cardeal teve com o Estado Novo", considera Irene Flunser Pimentel, autora da biografia "Cardeal Cerejeira - O Príncipe da Igreja". Nada lhe agradava nesse projecto, pois "via no movimento algo de muito parecido com o nazismo" e combateu ferozmente a ideia de, para a constituir, se dissolver o escutismo católico. Mas o que o incomodou mesmo foi essa vinda a Portugal de elementos da Juventude Hitleriana. Na época a Mocidade Portuguesa era dirigida por Nobre Guedes, um germanófilo que depois ocuparia o lugar de embaixador em Berlim, pois Marcello Caetano, anglófilo, só lhe sucederia em 1940. E, sobre o regime nazi, Cerejeira nunca teve dúvidas: tratava-se de um totalitarismo pagão quase ao nível do totalitarismo comunista. De resto, nesse mesmo ano de 1938 faria um discurso ao clero do Patriarcado onde condenou o totalitarismo por querer absorver "toda a actividade do indivíduo" e se referiu, em particular, ao nazismo, acusando-o de reclamar para si próprio a condição de divino e de pretender substituir a "concepção cristã pela 'Weltanschauung racista'".
"A forma como define o totalitarismo é uma forma moderna", diz-nos Irene Pimentel. "Tão moderna que cheguei a pensar referir no livro as suas semelhanças com os escritos de Hanna Arendt dos anos 50. Só que aquilo foi feito em 1938".

A difícil Concordata de 1940

Mas se a crise de 1938 - que coincide também com momentos difíceis na negociação da Concordata entre o Estado português e o Vaticano, que só seria aprovada em 1940 - terá sido uma das mais agudas na relação entre Cerejeira e o Estado Novo, não foi a única e revela um Cardeal bem diferente do que a historiadora imaginara antes de iniciar a sua investigação.
"Eu tinha uma imagem mais simplista, a preto e branco, pensava que a Igreja tinha servido o regime e que o regime se tinha servido dela, ponto", conta-nos. "Pensava que Salazar era unha e carne com Cerejeira desde Coimbra, desde o tempo em tinham vivido no Convento dos Grilos, e não imaginava que tivessem tido divergências".
Mas tiveram. Não só por serem diferentes - a Cerejeira nem enquanto novo se conhece inclinação para um namorico, a Salazar conhecem-se algumas relações com mulheres, se bem que menos vivazes do que hoje se quer fazer crer; Cerejeira viajou pelo mundo e gostava de andar de avião (foi o primeiro Cardeal a utilizar esse meio de transporte para ir a Roma participar num conclave para eleger o Papa), Salazar só se deslocou a Espanha e uma só viagem de avião levou-o a não querer repetir a experiência -, mas por prosseguirem agendas diferentes.

"Cerejeira defendia, antes do mais, a sua Igreja, e defendia o regime na medida em que considerava que o Estado Novo a defenderia melhor, sobretudo depois do que se passara no período republicano", explica a autora. "Um bom exemplo disso foram as dificuldades na negociação da Concordata."
Na verdade, apesar da ideia feita de que a Concordata de 1940 representou uma rendição do Estado português perante a Santa Sé, Salazar esteve longe de ser generoso. Tanto na substância dos princípios como na prática dos benefícios. A Concordata acertou o contencioso relativo aos bens da Igreja que tinham sido expropriados pelo Liberalismo e pela República, mas o presidente do Conselho que construíra o seu mito em torno do rigor nas contas públicas ficou muito aquém do que lhe pediam. Da mesma forma a Concordata não colocava o Estado a pagar os salários aos membros do clero, como sucedia - e ainda sucede - noutros estados europeus, ficando o Clero, como notaria o influente filósofo católico Jacques Maritain, condenado a "uma gloriosa pobreza". Por fim, Salazar não cedeu à exigência da Igreja de que fosse possível realizar casamentos religiosos sem efeitos civis, mas admitiu a indissolubilidade dos matrimónios católicos.
"Também houve muita discussão sobre o divórcio, nomeadamente sobre este ser possível nos casamentos não religiosos, mas ainda hoje não conhecemos todos os documentos para fazer uma avaliação final", acrescenta a historiadora.
Mesmo assim, devido à convergência de interesses entre Lisboa e o Vaticano no que toca à acção missionária nas colónias portuguesas, foi assinado ao mesmo tempo um Acordo Missionário que serviu bem os interesses das partes.
O essencial, nota Irene Pimentel, é que tanto Salazar como Cerejeira acreditavam "na separação Igreja-Estado", que o último considerava mesmo a "trave-mestra" da civilização europeia. De resto, esta ideia da separação era recorrente em Cerejeira, que desde novo proferia conferências e escrevera ensaios sobre o tema. O que nem é estranho, se considerarmos que, para os católicos que enfrentaram o jacobinismo republicano, a Lei da Separação de Afonso Costa representava não uma real separação, mas uma espécie de nacionalização da Igreja, cujas organizações locais eram apropriadas pelos militantes republicanos. A investigação mais recente tem mostrado que a forma escolhida pela Igreja para resistir a Afonso Costa se traduziu, na prática, pela real separação entre as órbitas temporais e espirituais, uma vez que se a Igreja deixou de beneficiar de quaisquer privilégios, também recusou a tutela estatal.

As desconfianças de Salazar
Irene Pimentel situa o momento de viragem nas relações entre Cerejeira e Salazar em 1932, depois de este ter chegado a presidente do Conselho após muitos anos a trabalhar, como ministro das Finanças, à ordem de sucessivos chefes de Governo oriundos do republicanismo conservador. No momento da consagração de Salazar o velho amigo de Coimbra quis lembrar que ele "era o enviado de Deus" e que chegara onde chegara "graças ao apoio da Igreja Católica". O professor de Santa Comba reagiu de forma seca, afirmando que estava onde estava "por nomeação do Presidente da República".

"O que em 1932 Salazar diz a Cerejeira é que quem manda no Estado é ele, e quem manda na Igreja é o Cardeal, mas que a partir desse momento os seus caminhos se separavam", sublinha Pimentel. "É certo que a principal fonte pela qual conhecemos este momento de tensão é [a biografia de Salazar escrita por] Franco Nogueira, mas trata-se de uma fonte credível. Para além de que este relato é coerente com o que se passou depois entre a Igreja e o regime".
Na verdade Salazar - que Irene Pimentel suspeita ter-se afastado do catolicismo no final da vida, tal como terá sucedido com Marcello Caetano - nunca subordina a sua agenda política aos desejos de Cerejeira. Talvez o exemplo mais eloquente da falta de colaboração do Estado Novo num projecto que o Cardeal Patriarca alimentava desde sempre tenha sido a demora na criação da Universidade Católica. O bispo de Lisboa formulou esse desejo ainda nos anos 20, nunca deixou de se bater pela concretização desse sonho desde que ascendeu a Cardeal, mas só o veria concretizado no ocaso da vida, no final dos anos 60.
Para o prelado a criação da Universidade foi sempre peça central na sua visão sobre uma desejada recristianização da sociedade portuguesa, que nunca dissociou da existência de uma elite católica culta e influente. A construção do Seminário dos Olivais, em que se empenhou a fundo, era outra das pedras sobre as quais queria reerguer uma Igreja de novo poderosa.
Ora, Salazar sempre desconfiou do projecto universitário de Cerejeira, e este sempre teve de explicar que não pretendia entrar em concorrência com a Universidade pública. Mais: o arranque das faculdades que não se dedicavam à Teologia e à Filosofia - como a de Economia - só acabaria por ocorrer depois de entregar a D. António Ribeiro o seu lugar como Cardeal Patriarca.
"Para Cerejeira a abertura dos primeiros núcleos da Universidade terá mesmo constituído uma das poucas coisas boas do seu final de mandato", concretiza Irene Pimentel. "Abriu em 1968, um dos anos em que mais desgostos teve ao sentir que tudo corria mal à sua volta na Igreja portuguesa, sobretudo ao sentir que já não tinha mão na sua evolução".

Face à Pide e aos católicos progressistas

Manuel Cerejeira, apesar do seu brilho como Académico e até da modernidade de muitas das suas opiniões e tomadas de posição - a ele se deve a consagração dos artistas modernistas como edificadores de Igrejas, patronato que muitos problemas lhe criou aquando da construção, ainda na década de 30, da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa -, era um homem do seu tempo. E isto quer dizer que era um católico fortemente marcado pelas experiências traumáticas da I República e da emergência do comunismo na Rússia. Por isso era não só anticomunista como tinha com a Maçonaria uma relação obsessiva. Curiosamente ao contrário do que sucedeu com Salazar, de quem quase não se encontram frases contra a Maçonaria.
Irene Pimentel considera que isso talvez se deva ao facto de, "enquanto Cerejeira era de uma linha anti-maçónica, católica, integrista, Salazar, como político, teve de lidar com vários amigos influentes, como Bissaya Barreto, que eram maçons e que ele queria que entrassem, como entraram, para a União Nacional".
Em contrapartida, tal não significou que o Cardeal apoiasse incondicionalmente a política de repressão do regime. É certo que enquanto a Pide perseguia os comunistas, Cerejeira quase compreendia, mas foram numerosas as situações em que pediu explicações ou intercedeu pela sorte de presos políticos. Em 1958, depois de ter sido alertado para um caso de "suicídio" na sede da polícia política - a mulher do embaixador do Brasil viu um preso a cair de uma janela - pediu explicações ao director da Pide e, depois, em carta ao ministro do Interior Trigo de Negreiros, escreveu que só esperava que não se fizessem coisas que fossem contra os "princípios cristãos".
Isso é, no entanto, muito pouco para conseguir controlar uma Igreja que, a partir dos anos 50, vê nascer nas organizações que o próprio Cardeal apadrinhara um catolicismo progressista que esta condenava. Isso sucederá nas juventudes católicas - onde é notável o progressivo afastamento de João Benard da Costa, alguém em quem muito apostara -, no "seu" Seminário dos Olivais, onde acaba por substituir o director mas onde não deixa de ter longas discussões com figuras como Luis Moita, à altura ainda sacerdote, ou mesmo na paróquia de Belém onde entra em choque com o padre Felicidade Alves, um intelectual que ele próprio promovera e estimava.
Mas se ainda hoje alguns dos que o conheceram e, depois, saíram da Igreja lhe reconhecem algum valor - "é curioso falar hoje com muitos católicos de esquerda de então, mesmo com alguns que chegaram a ser padres, e verificar que eles não são muito críticos de Cerejeira, antes têm dele uma visão mais matizada", adianta Irene Pimentel -, noutros casos as feridas abertas sangraram abundantemente. Talvez o caso mais evidente tivesse sido o do Bispo do Porto. D. António Ferreira Gomes, que nunca perdoou a Cerejeira a sua ambiguidade quando entrou em conflito com Salazar. Mais tarde viria mesmo a acusá-lo de cumplicidades com o regime que, segundo a historiadora, o Cardeal de Lisboa nunca teve.
"O Bispo do Porto refere-se-lhe, depois da crise, de uma forma quase insolente, provocatória, e nem sequer é rigorosa. Não é verdade, por exemplo, que a Pide fosse todos os dias ao Paço de Santana, onde era o Patriarcado, para recolher informações. Cerejeira não só ficou muito magoado com essas acusações como lhe respondeu, sublinhado que nunca fazia perguntas ao poder político, e muito menos à Pide, sobre a Igreja e as pessoas da Igreja. O que é verdade".
A sua relação com o regime era mais complexa, e por isso mais difícil. "Ele foi sempre muito prudente - excessivamente prudente - e nunca atravessou o Rubicão ao ponto de se colocar numa situação de confronto com o regime", explica a autora. Porquê? Porque, no fundo, acreditava que, depois da República, o Estado Novo servia, em última análise, e apesar das fricções, os interesses da "sua" Igreja.
E os interesses da "sua" Igreja sempre se sobrepuseram a tudo o mais na sua longa e influente vida.

Entre 10 e 20 mil pessoas tentam suicidar-se todos os anos

por A-24, em 18.03.10

Programa de prevenção na Amadora pretende ser projecto-piloto a expandir pelo país. Maioria dos casos tem origem em doença metal.
"Por cada suicídio consumado calcula-se que haja entre dez e 20 tentativas de suicídio não-consumadas." As tentativas de suicídio em Portugal não são contabilizadas, mas os 1035 suicídios registados pelo Instituto Nacional de Estatística em 2008 podem significar dez a 20 mil tentativas por ano, estima Ricardo Gusmão, professor de Psiquiatria e Saúde Mental da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.
Um projecto-piloto de prevenção do suicídio, que arranca hoje na Amadora, contabilizou 240 tentativas de suicídio no ano passado, ou seja, houve cerca de 20 pessoas por mês que deram entrada no Hospital Amadora-Sintra por terem tentado acabar com a vida, "pessoas que, se não recebessem cuidados, poderiam ter morrido", ressalva Ricardo Gusmão, que coordena o programa.
No topo dos métodos utilizados esteve a toma de benzodiazepinas (calmantes como o Xanax, Lorenin, Lexotan e Valium), refere o coordenador nacional do projecto, que se enquadra num consórcio internacional de instituições, a Aliança Europeia Contra a Depressão, financiado pela Comissão Europeia com o apoio do município, e sem qualquer ajuda da indústria farmacêutica, sublinha.
O objectivo do programa OSPI (Optimised Suicide Prevention Programs), que está a ser aplicado nos mesmos moldes em regiões da Alemanha, da Hungria e da Irlanda, é pôr em prática uma série de estratégias científicas que se mostrem eficazes e depois avaliar os resultados, explica. Se, como se adivinha, houver redução de suicídios e tentativas (contados de 2009 a 2012), Ricardo Gusmão acredita que poderá servir de modelo a programas de prevenção de suicídio a generalizar pelo país, no âmbito do Plano Nacional de Saúde Mental.
O ponto de partida é mesmo a constatação de "que 95 por cento dos suicídios têm origem em doença metal" e que, neste universo, a causa mais importante é a depressão - é responsável por 50 a 70 por cento dos suicídios, refere o docente. "Estar deprimido aumenta o risco de suicídio de 11 a 27 vezes, mais do que a relação entre fumar e ter cancro do pulmão."

Médicos vão ser formados
Chegou-se à conclusão, a nível europeu, que a melhor forma de prevenir o suicídio - que, à semelhança do que acontece em Portugal, é a maior causa de morte não-natural na União Europeia - é agir na área da depressão. E aqui está-se a falar em termos latos, na depressão mais comum e crónica, mas também enquanto manifestação da doença bipolar, da esquizofrenia e também a associada a doenças físicas, como o cancro, doenças cardíacas, neurológicas ou reumatológicas.
Como "só dez por cento das depressões são bem diagnosticadas e bem tratadas, há uma grande margem para melhoria", refere o professor, que fez a sua tese de doutoramento (em 2006) sobre a forma como a depressão é gerida pelos médicos de família portugueses. O investigador constatou que existem, por um lado, pessoas com depressão que não são detectadas pelos médicos de família e, por outro lado, pessoas que são tratadas e não precisariam de o ser. A isto atribui, por exemplo, uma fragilidade nos currículos das faculdades de Medicina na altura em que a maioria dos clínicos gerais tirou os seus cursos. "O conhecimento das neurociências deu um pulo nos últimos dez anos."
Uma das estratégias deste projecto é dar formação sobre suicídio a médicos de família e enfermeiros, mas também a padres ou polícias, porque são pessoas que têm contacto com situações- limite e são-lhes passados dados com locais e números de telefone a que as pessoas podem recorrer. Ao mesmo tempo, na Amadora, começa hoje uma campanha de informação, através da distribuição de folhetos e afixação de cartazes, onde a frases como "A depressão pode acontecer a qualquer pessoa" e "Nós podemos ajudar" se junta uma lista de números de telefone com uma linha de apoio.
O projecto já tinha sido parcialmente experimentado nos concelhos de Cascais e Oeiras, desde 2006, mas só na Amadora vão ser estudados os resultados e também se vai intervir, pela primeira vez, "na diminuição do acesso a meios letais", ou seja, as benzodiazepinas que parecem ter "um acesso demasiado fácil", constata o médico. Vão ser feitos cursos de formação sobre depressão e risco de suicídio junto dos médicos de família que os prescrevem (são de receita médica obrigatória) e dos farmacêuticos que as dispensam."Professores carismáticos" para identificar alunos em risco
Num estudo europeu publicado no ano passado consta que, de 16 países europeus, Portugal e o Luxemburgo são os dois únicos países da Europa que revelaram, entre 2000 a 2005, uma tendência de crescimento do suicídio no sexo masculino entre os 15 e os 24 anos. A Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa tem no terreno um programa-piloto de prevenção da depressão e do suicídio em meio escolar para jovens destas idades, nos concelhos da Amadora, Oeiras e Cascais. Chama-se Why Youth Mental Health e arrancou este ano, até 2012.
A doença mental e, em consequência, o suicídio começam na faixa etária dos 15 aos 24 anos, refere Ricardo Gusmão, professor do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. O problema é que os jovens raramente vão aos serviços de saúde em geral, e muito menos aos de saúde mental. É por isso que para detectar jovens em risco é preciso ir até eles, defende.
Um dos objectivos foi identificar nas escolas os professores a quem os alunos se dirigem, mesmo que não ocupem nenhum cargo específico. É o que chama "professores carismáticos", identificados pelos colegas, pelo pais e alunos como "pessoas acessíveis e interessadas", a quem os alunos recorrem. Estão identificados dois a três por cada uma das cinco escolas envolvidas, num universo de cerca de 500 alunos. Os docentes receberam formação para identificar alunos em risco e fornecer dados sobre tentativas e suicídios, bem como para o seu encaminhamento. Caso considerem que há alunos em risco, estão incumbidos de referenciá-los para os serviços de saúde vocacionados para jovens. Se o caso o justificar, seguem depois para médicos de família e até para os serviços de saúde mental de Pedopsiquiatria (15-16 anos) ou já de Psiquiatria para adultos (a partir dos 17 anos).

Clássicos do futebol: Juventus X Torino

por A-24, em 16.03.10
Recent seasons have been nothing short of a rollercoaster ride for Juventus fans. Winners of two consecutive Serie A titles, before being stripped of their crown and demoted to Serie B, La Vecchia Signora then won promotion at the first attempt before finishing third on their top-flight return last season.
Juve, however, are currently stagnating in 12th spot, already seven points behind leaders Inter at this early stage. Faring even worse are city rivals Torino, struggling against the tide in 17th place, one above the drop zone, having won just one and lost four of their seven matches so far - three of them at home.

Adding a further element of uncertainty to this weekend's Turin derby is the injury-ravaged condition of both squads. Juve supremo Claudio Ranieri will have to do without up to seven first-choice players, including Gianluigi Buffon, David Trezeguet, Mauro Camoranesi and Christian Poulsen. Over in the Torino camp, coach Gianni de Blasi cannot call on key men Matteo Sereni, Eugenio Corini, Dominique Malonga and Francesco Pratali.

Despite this flurry of injury-related absentees, both teams know that a win on Saturday in the Stadio Olimpico could help shape the course of their season. The Old Lady are targeting an improvement in their domestic form on the back of Tuesday's impressive 2-1 UEFA Champions League win over Real Madrid, while Il Toro are desperate to avoid being sucked deeper into the relegation mire.

Class divide
As far as the record books are concerned, it is Juventus who have the upper hand on their near neighbours, having won 71, drawn 54 and lost 55 of their 179 matches. In terms of top-flight action their dominance is even clearer, 57 of those wins, 41 draws and just 34 defeats coming in Serie A.
Statistics aside, this derby clash never fails to ignite passions within the northern Italian city, the teams' rivalry based on a long-standing class divide summed up neatly by the words of Turin native Mario Soldati. According to the celebrated novelist and film director, Juventus were "the team of gentlemen, industrial pioneers, Jesuits, conservatives and the wealthy bourgeois" while Torino were "the team of the working class, migrant workers from the provinces or neighbouring countries, the lower middle-class and the poor".
Indeed, the high stakes involved can be traced all the way back to the sides' first meeting in 1907. Alfredo Dick, a former Juve president who founded Torino after being ousted from the Bianconeri, had to retire to the dressing rooms upon feeling unwell. Despite his discomfort, the Swiss textile magnate determinedly remained in the stadium, following the match's progress by way of the roars of the crowd, and was rewarded by a win for Il Toro.

Glory turns to despair for Torino
Torino dominated Italian football in the 1940s, including four consecutive league titles wins (1946-1949), and boasted no fewer than ten first-choice members of the Azzurrinational squad. But the side known as Il Grande Torino, led by inspirational captain Valentino Mazzola, were decimated by a tragic accident on 4 May 1949. On the flight back from a friendly encounter in Portugal, the plane carrying the players and club officials crashed into Superga hill near Turin, killing all onboard. The club‘s only league crown since, their eighth in total, came 27 years later in 1976.
The 1960s and 70s were a period of great social, economic and sporting upheaval in Italy, changes which would prove decisive in establishing Juventus' status as Turin's most successful football club. These changes included the massive emigration of workers from the south of the country towards the northern industrial city in search of employment in the FIAT factories of the powerful Agnelli family - owners of Juventus since 1923. This increased wealth gradually helped widen the gap between the two city rivals, with The Old Lady now having racked up a record 27 league titles, as well as success on the European and world stage.
As a result, derby matches are a valuable opportunity for Torino players to take their neighbours down a peg or two, with clashes between the two teams generally fiercely contested and evenly matched affairs. That said, there are exceptions to any rule and the Granata faithful will not wish to remember a painful 5-0 defeat to Juve back on 3 December 1995.

And while few expect Saturday evening's encounter to be as one-sided, under the current circumstances, any sort of victory for either club would be worth its weight in gold.

Salário mínimo perdeu poder de compra desde 1974

por A-24, em 15.03.10
Se o salário mínimo tivesse sido actualizado desde 1974, repondo a inflação de cada ano, o seu valor em 2010 seria de 562 euros e não os 475 euros anunciados pelo Governo. Aquela quantia respeitaria o limiar de 60 por cento da remuneração base média tida internacionalmente como suficiente para um nível de vida decente.
O debate sobre o salário mínimo está novamente aceso entre organizações patronais e sindicais por causa da aplicação do acordo de Dezembro de 2006 sobre a evolução da remuneração mínima até 2011.
Em 2006, todas as confederações concordaram que o salário mínimo deveria subir até aos 500 euros em 2011. Respeitando o acordo, o Governo anunciou uma subida em 2010 de 450 para 475 euros. Mas as organizações patronais repetem não haver condições de o aplicar em tempo de crise e querem contrapartidas. O Governo já cedeu um ponto percentual nos descontos para a Segurança Social dos trabalhadores abrangidos (26 milhões de euros em 2010), mas o patronato continua a insistir.
Na passada sexta-feira, a reunião técnica para apreciar o documento governamental sobre o impacto em 2010 acabou por centrar-se - tal como a da comissão permanente da concertação social (CPCS) - nas críticas do patronato. É que se os números oficiais estimam impactos inferiores a um por cento dos salários totais, as organizações patronais apontam muito mais alto.
As confederações sindicais escandalizam-se com estas tentativas de "renegociar" um acordo assinado e obter novas contrapartidas. E agarram-se à primeira plataforma que começou a recuperar o poder de compra do salário mínimo.

Salário contra inflação

O salário mínimo existe para garantir um rendimento de base condigno, independentemente de os trabalhadores estarem cobertos pela contratação colectiva. O primeiro caso surgiu na Nova Zelândia e Austrália, ainda no século XIX. Os Estados Unidos legislaram-no em 1938. O caso português integra-se nos mais antigos da Europa. A Holanda criou-o em 1969, a França no ano seguinte e o Luxemburgo em 1973. Portugal e Malta em 1974. Mas o Reino Unido só o instituiu em 1999 e a Irlanda em 2000.
Quando foi criado em Maio de 1974, não se deveu a um excesso. Desde a segunda metade dos anos 60, a inflação era um fenómeno em Portugal devido, sobretudo, aos preços internacionais e à entrada das remessas dos emigrantes. Em 1973, o custo de vida subiu 25 por cento. O 25 de Abril de 1974 apenas abriu a "torneira" salarial.
O salário mínimo fixou-se em 3.300$00. Não abrangeu as forças armadas, os trabalhadores rurais e domésticos, os menores de 20 anos e as empresas com menos de seis assalariados. Mesmo assim, melhorou a vida de metade dos trabalhadores e representou uma duplicação de rendimento para 48 por cento dos assalariados com mais de 20 anos. O aumento médio foi de 870$00, mais de um terço do salário anterior.
Desde então, o salário mínimo foi abrangendo cada vez mais situações, mas perdeu o seu poder de compra. Devido às crises económicas, ao facto de se reflectir indirectamente nas contas do Estado, por causa do pensamento económico adverso durante as décadas de 80-90 e ainda à relutância patronal. O salário mínimo sofreu um primeiro golpe em 1978, após o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). E levou uma profunda machadada durante a crise de 1983-85. O aperto ordenado de novo pelo FMI fez cair o seu valor real para 75 por cento do poder de compra de 1974.

Influência liberal

Nos anos seguintes, os aumentos aprovados pouco ajudaram. Entre 1986 e 1990, registaram-se os seus valores reais mais baixos, só comparáveis com o período de 1994 a 1997, pós recessão de 1993 (68 por cento do poder de compra de 1974). Portugal importou muito da teoria liberal norte-americana que considerava o salário mínimo como causa de desemprego. A Administração Reagan chegou a congelar o salário mínimo entre 1981 e 1989. De 1997 a 2001, assistiu-se a uma ligeira melhoria, mas em 2005 voltou a cair (73 por cento do poder de compra de 1974).
Em parte, esta evolução explica-se pelas reticências dos próprios governos. Em 1999, por exemplo, o relatório do grupo interministerial do salário mínimo frisava a indexação do salário mínimo em "numerosas prestações e subsídios" como causa para maiores gastos orçamentais. Estimar esse efeito indirecto era impossível e, na dúvida, evitaram-se aumentos significativos do salário mínimo. Mesmo sendo visível a sua queda real face à evolução do salário médio, para lá do limite aconselhado.
Os trabalhos em torno da Carta Social Europeia estimaram um limiar de decência para o salário mínimo - 60 por cento do salário médio. O "ponto" era de 68 por cento, mas entrando em conta com a Europa de Leste baixou para 60 por cento. Ora, em Portugal nem essa revisão "em baixo" foi aplicada.
Em 2008, segundo os dados oficiais, a remuneração de base média foi de 892,9 euros, mas, juntando subsídios e ganhos, o salário médio era igual a 1.067,5 euros. Nesse ano, o salário mínimo representou 40 por cento da remuneração de base média. Estimando um aumento salarial para 2009 e 2010, o salário mínimo ideal - ou seja, 60 por cento do salário base - deveria situar-se, na melhor das hipóteses, em 567 euros. Ou seja, mais 92 euros do que o anunciado por José Sócrates.
A única forma de conseguir uma progressão mais rápida do salário mínimo foi proceder à "desindexação" do salário mínimo das prestações sociais. Essa foi a base do acordo de Dezembro de 2006. Em "contrapartida", criou-se um indexante para os apoios sociais cuja fórmula é actualmente criticada pela CGTP por reduzir os apoios sociais e pensões.
Mas o acordo de 2006 implicou uma efectiva recuperação do salário mínimo. Em 2009, já representava 79 por cento do poder de compra do de 1974 e o anunciado para 2010 representará 85 por cento. Uma trajectória que está de novo a ser posta em causa.

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