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A-24

Miguel Macedo demitiu-se - e vão ter pena dele

por A-24, em 17.11.14
PEDRO SANTOS GUERREIRO

Afinal ainda há ministros que se demitem. Afinal ainda há consequências políticas. Afinal um escândalo de Estado ainda é um escândalo do governo. A demissão de Miguel Macedo só não era óbvia porque Passos Coelho segura todos os seus ministros. Provavelmente, para se segurar a si.
A decisão de Miguel Macedo de abandonar o governo embaraça Paula Teixeira da Cruz e Nuno Crato por não terem feito o mesmo. E deixa Passos não só fragilizado pela crise governativa mas mais sozinho: Macedo era um dos ministros mais populares do governo na exata medida em que era um dos mais discretos - e dos melhores; e era um esteio político imprescindível de Passos Coelho. Do trio indefetível Passos-Relvas-Macedo, dois caíram. Mas voltemos ao escândalo.
O escândalo é a Operação Labirinto, que já levou à detenção e interrogatório de 11 suspeitos, que terão criado uma rede de corrupção na aprovação dos chamados "vistos gold". Entre esses suspeitos estão altos quadros do Estado. Pela primeira vez um chefe de uma polícia foi detido. Mas o problema de Miguel Macedo não era só esse. Nem era só um. Eram pelo menos quatro.
Há pelo menos quatro pessoas no centro deste escândalo que têm relação com Miguel Macedo, ou foram nomeadas por ele ou sócios dele (é aliás notável como tantos políticos têm empresas de consultoria de empresas e de imobiliário, mas essa é matéria para outras análises). O SEF e o INR estão sob pressão, o SIS e a PJ estão em tensão. E portanto Miguel Macedo demite-se para "defender a autoridade de Estado".
Esta posição de Miguel Macedo serve-lhe de biombo reputacional, o que se percebe. Não sendo suspeito de nada, também não será doravante investigado por nada. Além disso, quem se demite nestas condições tende a ser percebido como honrado, numa pré-absolvição. É como se uma demissão por razões políticas fosse uma imolação pessoal por danos causados por terceiros.
Acontece que este caso não é bem assim. A criação de "vistos gold" foi uma decisão política, teve implementação política e tem controlo político. Estes vistos são um negócio, em que o Estado vende direitos de cidadania no espaço europeu a quem pague pelo menos meio milhão de euros, em que agentes imobiliários vendem casas e outros agentes angariam clientes, em que políticos como Paulo Portas ou dirigentes como Miguel Frasquilho promovem no estrangeiro abundantemente para "atrair investimento" que na prática é compra de casas caras.
As suspeitas que hoje existem e as informações já recolhidas por jornalistas mostram uma súcia que envolve quadros do Estado e à volta do Estado, com negócios intermediados por agentes e advogados, funcionários a receber dinheiro por debaixo da mesa, comissões e facilitações. Não é coisa pouca. E mesmo que tudo isso se tenha passado sem intervenção de um ministro, passou-se debaixo das barbas que ele não tem. A responsabilidade política existe, sim. Se um governo falha criando negócios vulneráveis à corrupção, ela própria participada por pessoas do Estado e próximas da política, está a prestar serviços de incompetência que aproveitam a alguém em detrimento da sociedade.
O ministro é inocente e fez bem em demitir-se. Mas apenas abriu a porta da rua por onde mais algumas pessoas vão ter de passar. Andamos empanturrados com tantos escândalos. Mas não acostumados a eles.

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