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A-24

"A independência está tão perto que já a posso sentir"

por A-24, em 22.11.12

Sofia Lorena (Público)
Não é a primeira vez que votam, mas desta vez vão fazê-lo com um entusiasmo diferente. Silvia, de 19 anos, e Alba, de 20, acreditam que quando votarem no próximo domingo estarão a dar um passo de gigante para alcançarem o que cresceram a querer sem nunca pensar que fosse possível: a independência da Catalunha, a que chamam, com naturalidade, o seu país.
Quando Silvia e Alba falam, Ana, de 21 anos, assusta-se. “Eu percebo a vontade. Também sou catalã. Mas, ao mesmo tempo, sou espanhola. Acho que primeiro sou catalã, mas gosto de Espanha, não quero deixar de ser espanhola. E dá-me medo. Não sei se é tão fácil como querem fazer parecer. E não sei se vai servir para melhorar alguma coisa.”

O encontro estava marcado à porta da Universidade de Barcelona, onde Silvia e Alba estudam. Nos dez minutos de caminho até à esplanada do Starbucks da Rambla de Catalunya, onde a conversa vai continuar, todas se esquecem da presença de uma estrangeira e falam em catalão. A partir daí, Ana e Silvia passam ao castelhano, enquanto Alba continua na língua materna, desculpando-se de vez em quando e explicando que lhe custa falar outra língua.
Silvia, estudante de Pedagogia, e Alba, quase a acabar o curso de Farmácia, nasceram em Seu d’Urgell, uma pequena cidade de quase 14.000 habitantes, junto aos Pirinéus. São filhas, netas e bisnetas de catalães. “Podes procurar e procurar e não encontras uma só pessoa que não seja catalã na minha família”, garante Alba.
Ana, no último ano de Fisioterapia, vive em Terassa, uma cidade grande a pouco mais de 20 quilómetros de Barcelona. A mãe nasceu na Catalunha, o pai veio da Andaluzia, uma viagem que quase um milhão fez nos anos 1960. “Agora já não tenho família lá. Morreram todos os que ficaram. Os meus primos andaluzes, do lado do meu pai, são os que mais medo têm da independência”, conta. Silvia tem resposta pronta: “Eu conheço um andaluz que é a pessoa mais independentista que já vi. A imagem que tem no ecrã do telemóvel é a senyera [a bandeira da Catalunha com as quatro riscas vermelhas e fundo amarelo]; o toque é o hino do Barça…”
Ana já votou duas vezes, nas últimas eleições autonómicas, há dois anos, e nas eleições nacionais que deram a maioria absoluta ao Partido Popular, há exactamente um ano. À partida, no próximo domingo voltará a votar CiU, a coligação de centro-direita Convergência e União liderada por Artur Mas, presidente da Generalitat (o governo catalão) desde 2010, mas confessa-se confusa. “Eu penso que são os mais responsáveis e confio neles, mas não percebo se querem mesmo a independência ou se dizem que querem para conseguir condições melhores para a Catalunha.”

Uma crise e uma manifestação
A CiU sempre manteve um discurso ambíguo sobre a independência. Mas tudo mudou nos últimos meses. Primeiro, a crise deixou a Catalunha sem dinheiro e a ter de pedir um empréstimo a um fundo criado por Madrid para as regiões autonómicas. Depois, a 11 de Setembro, na Diada – dia em que os catalães assinalam a derrota na Guerra da Sucessão, em 1714 –, 1,5 milhões saíram à rua em Barcelona para uma manifestação com o lema "Catalunha, o novo Estado da Europa". Na semana seguinte, Artur Mas estava em Madrid para apresentar ao presidente do Governo, Mariano Rajoy, o pacto fiscal que permitiria à Catalunha gerir o dinheiro dos seus impostos. Como se esperava, Rajoy recusou discuti-lo. Dias depois, Artur Mas marcava eleições antecipadas e pedia “uma maioria excepcional” para conduzir a região no caminho da independência.
Silvia vota Esquerra Republicana de Catalunya, partido que já defendia abertamente a independência. Alba está indecisa entre a Esquerra e o CUP, um partido independentista de esquerda que nunca se apresentou às eleições para o Parlamento da Catalunha. Ambas sabem que a CiU de Artur Mas vai vencer e ambas esperam que a Esquerra seja a segunda força política. “Assim, a CiU vai ser mesmo obrigada a avançar para o referendo sobre a independência”, explica Ana.
Todas as sondagens dão a vitória à CiU, mas nenhuma com a maioria absoluta que Artur Mas pediu. Alguns inquéritos colocam a Esquerra em segundo; outros os conservadores do PP. Todos dão uma maioria – mais ou menos alargada – ao conjunto das forças políticas que defendem a secessão.

Dinheiro e emoções
Os inquéritos anuais do Centro de Estudos de Opinião da Generalitat mostram que o sentimento independentista tem vindo a crescer de forma sustentada: este ano, pela primeira vez, 51% dos inquiridos disseram que votariam “sim” num hipotético referendo sobre a separação. Mas, de uma forma ou de outra, analistas, políticos e eleitores coincidem em afirmar que foi a crise a acelerar o movimento actual. Silvia e Alba não têm dúvidas. “Espanha rouba-nos. Rouba-nos e trata-nos mal, ainda por cima”, diz Alba.
Artur Mas também o diz. Segundo os líderes catalães, Espanha fica a dever todos os anos 16 mil milhões de euros à região. Dinheiro que é cobrado em impostos catalães e gasto por Madrid em regiões menos ricas. Assim, a culpa da crise catalã, uma das regiões mais endividadas do país, não é de Barcelona mas de Madrid.
Alba paga 2700 euros de propinas; Silvia quase 2000, muito menos do que os seus colegas de outras regiões autonómicas, garantem. Também pagam mais na farmácia e nos hospitais. E demoraram mais do que regiões com menos população a ter o comboio de alta velocidade, por exemplo.
Há argumentos mais emocionais. “Eu nem consigo ver a televisão espanhola”, diz Silvia. “A Telemadrid, a Intereconomia… Até tenho vergonha. A maneira como eles falam dos catalães”, reforça Alba. As duas têm histórias sem fim de como elas próprias e as famílias foram maltratadas em Madrid por falarem catalão em restaurantes e bares. “Foram eles que provocaram isto”, afirma Silvia.
Os nacionalismos exacerbam os nacionalismos e o nacionalismo espanhol alimenta-se do catalão e vice-versa. O Governo do PP é mais centralista do que os anteriores executivos socialistas e o actual ministro da Educação, Jose Ignacio Wert, ousou dizer que queria mais castelhano nas escolas. “Eles querem uma Espanha única, como era com Franco. Mas quanto mais nos querem tirar, mais nós nos afastamos deles”, acusa Silvia.

Medo e sentimentos
Ana não tem só medo de ver a Catalunha sem Espanha, também tem medo de uma Espanha sem Catalunha. “Não sei quem ficaria pior. E dá-me pena, faz-me impressão. Não sei o que pode acontecer depois. E se houver uma guerra? E se os bascos quiserem o mesmo? E se boicotarem os nossos produtos, como já fizeram?”, questiona-se. “Se continuarmos na União Europeia não muda nada”, responde Alba. “Claro que vai ser difícil, vai envolver muitas reformas e demorar tempo, mas é uma oportunidade de começar de novo”, acrescenta Silvia.
Nem Silvia nem Alba conseguem bem descrever o que significa para elas serem catalãs. “É um sentimento. Uma História comum. É emocionares-te quando vês os castellers”, descreve Silvia, referindo-se aos castelos humanos tradicionais na região e recentemente considerados património imaterial da humanidade pela UNESCO. “É chegares aqui e sentires ‘esta é a minha casa’”, completa Alba.
Se Artur Mas não estiver a falar a sério, Silvia e Alba vão ficar muito desiludidas. “Os meus pais são independentistas. Eu sempre quis uma Catalunha livre. Mas agora tornou-se numa coisa palpável”, diz Silvia, com um sorriso rasgado. “A independência está tão perto que já a posso sentir.”